Ao bombardear o Irã e dar início a um conflito bélico em 13 de junho, o governo de Benjamin Netanyahu justificou a ofensiva argumentando que os iranianos estariam perigosamente próximos de desenvolver uma bomba nuclear. Alguns dos alvos dos ataques israelenses desde então foram instalações militares e científicas nas cidades de Natanz, Isfahan e Fordow, matando vários cientistas nucleares.
No entanto, a afirmação de Netanyahu e de seu governo não é confirmada pelos serviços de inteligência de diversos países e nem pelo diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Mariano Grossi. Em entrevista à TV CNN, realizada nesta terça-feira (17), ele afirmou que os inspetores sob sua coordenação não reuniram provas que confirmem um esforço sistemático do Irã para construção de uma bomba atômica.
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“O que informamos foi que não tínhamos, coincidindo com algumas das fontes que você mencionou, de que não tínhamos nenhuma prova de um esforço sistemático [do Irã] para avançar para uma arma nuclear”, pontuou. A AIEA é a responsável por inspecionar o programa nuclear do país persa.
Conforme o relatório mais recente da agência, de maio de 2025, o país enriquece urânio a até 60%, o que estaria acima do necessário para fins civis, mas ainda abaixo dos 90% exigidos para a construção de uma ogiva nuclear.
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Mas o que é o processo de "enriquecer" o urânio?
Reação em cadeia
Para entender o processo de enriquecimento de urânio, é necessário voltar para alguns conceitos anteriores. A matéria é composta de átomos, que por sua vez são compostos de prótons, nêutrons e elétrons, e os números de prótons e elétrons são iguais. No entanto, o mesmo elemento pode ter números diferentes de nêutrons, formando versões chamadas de isótopos.
"Quando extraímos urânio do solo, 99,27% dele é urânio-238 , que possui 92 prótons e 146 nêutrons. Apenas 0,72% é urânio-235, com 92 prótons e 143 nêutrons (os 0,01% restantes são outros isótopos)", explica a pesquisadora do Departamento de Física Nuclear e Aplicações de Aceleradores da Universidade Nacional da Austrália, Kaitlin Cook, em artigo publicado no The Conversation.
Ela conta que, para reatores ou armas nucleares, é preciso alterar as proporções dos isótopos. Isso ocorre porque, dos dois principais isótopos de urânio, apenas o urânio-235 pode suportar uma reação em cadeia de fissão, onde um nêutron causa a fissão de um átomo, que produz energia, e mais alguns nêutrons, causando mais fissão, e assim por diante.
"Essa reação em cadeia libera uma quantidade enorme de energia. Em uma arma nuclear, o objetivo é que essa reação em cadeia ocorra em uma fração de segundo, produzindo uma explosão nuclear", aponta.
Em uma usina nuclear civil, a reação em cadeia é controlada. Cook pontua que as usinas nucleares produzem atualmente 9% da energia mundial e outro uso civil vital das reações nucleares é a produção de isótopos usados ??na medicina nuclear para o diagnóstico e tratamento de diversas doenças.
Como é realizado o enriquecimento de urânio
“Enriquecer” o urânio, define a pesquisadora, significa pegar o elemento encontrado naturalmente e aumentar a proporção de urânio-235, enquanto remove o urânio-238.
"Existem algumas maneiras de fazer isso ( incluindo novas invenções da Austrália ), mas, comercialmente, o enriquecimento é atualmente feito com uma centrífuga. Este também é o caso nas instalações do Irã."
As centrífugas coletam o urânio na forma gasosa e usam rotores para girá-lo a uma velocidade de 50.000 a 70.000 rotações por minuto, com as paredes externas das centrífugas se movendo a uma velocidade de 400 a 500 metros por segundo. "Isso funciona como uma centrífuga de salada que joga água para os lados enquanto as folhas de salada ficam no centro. O urânio-238, mais pesado, move-se para as bordas da centrífuga, deixando o urânio-235 no meio", diz.
O processo de centrifugação é feito repetidamente, aumentando a porcentagem de urânio-235. A maioria dos reatores nucleares civis utiliza urânio enriquecido entre 3% e 5%. "Isso significa que 3% a 5% do urânio total na amostra é agora urânio-235. Isso é suficiente para sustentar uma reação em cadeia e gerar eletricidade."
Quanto de urânio enriquecido é necessário para uma arma nuclear?
Urânio enriquecido a mais de 20% de urânio-235 é definido como urânio altamente enriquecido (UHE). E todo UHE é utilizável em armas, mas quanto menor o nível de enriquecimento, maior a quantidade de material necessária para atingir a chamada massa crítica, quantidade de material necessária para construir uma bomba.
Estados com armas nucleares normalmente utilizam o chamado UHE de grau militar, normalmente definido como 90% de enriquecimento ou mais, para reduzir o tamanho das armas. Armas nucleares menores e mais leves são mais fáceis de lançar; mísseis balísticos, em particular, só podem lançar armas nucleares altamente miniaturizadas.
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