CHINA EM FOCO

Israel x Irã: China reage com diplomacia, não com mísseis

Ao contrário do que sugere análise do New York Times, Pequim projeta poder por meios estratégicos, não militares

Ao contrário do que sugere análise do New York Times, Pequim projeta poder por meios estratégicos, não militares. Presidente Xi Jinping defende cessar-fogo imediato.
Israel x Irã: China reage com diplomacia, não com mísseis.Ao contrário do que sugere análise do New York Times, Pequim projeta poder por meios estratégicos, não militares. Presidente Xi Jinping defende cessar-fogo imediato.Créditos: Xinhua
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Um eventual ataque militar dos Estados Unidos ao Irã, atualmente cogitado pelo presidente Donald Trump em apoio a Israel, está revelando os limites do poder de influência da China no Oriente Médio. Essa é a análise do jornal nova-iorquino The New York Times desta sexta-feira (20). 

Assinado pelo trio de correspondentes na China David Pierson e Keith Bradsher, de Hong Kong, e Berry Wang, de Pequim, o texto intitulado “A U.S. Attack on Iran Would Show the Limits of China’s Power” (Um ataque dos EUA ao Irã revelaria os limites do poder da China, em tradução livre) aponta que, apesar de depender do Irã para a compra de petróleo e como aliado estratégico contra a hegemonia estadunidense, a China dificilmente reagiria militarmente.

O problema dessa análise é que ela desconsidera nuances centrais da política externa chinesa. Ao adotar o paradigma do poder militar como principal métrica de influência, o texto ignora que a atuação internacional da China se estrutura em torno de princípios diplomáticos claros, estáveis e codificados em sua Constituição — como a não intervenção, o respeito à soberania e a coexistência pacífica.

Ao contrário dos EUA, cuja política externa oscila conforme o governo da vez, a diplomacia chinesa é norteada por diretrizes históricas e estratégicas. Os chamados Cinco Princípios da Coexistência Pacífica — respeito mútuo pela soberania, não agressão, não interferência em assuntos internos, igualdade e benefício mútuo, e convivência pacífica — estão consagrados desde os anos 1950 e continuam a fundamentar a atuação internacional da China, inclusive diante do atual conflito entre Irã e Israel.

Esses princípios foram reafirmados pelo presidente chinês, Xi Jinping, em telefonema com seu homólogo russo, Vladimir Putin, nesta quinta-feira (20), quando defendeu um cessar-fogo sem culpar diretamente Israel. Essa retórica cautelosa não é sinal de fraqueza, mas reflexo da estratégia diplomática de equilíbrio que busca consolidar a imagem da China como mediadora confiável — especialmente em regiões onde os EUA são percebidos como parte do problema.

Neutralidade estratégica não é passividade

O New York Times enxerga a neutralidade chinesa como ausência de ação. Na realidade, trata-se de uma escolha calculada: ao não tomar partido militar, a China reforça sua posição de potência responsável e confiável para todas as partes. Isso ficou evidente na mediação da reaproximação histórica entre Irã e Arábia Saudita em 2023. Além disso, a evacuação de cidadãos chineses da zona de conflito e os apelos diplomáticos no âmbito da ONU mostram uma atuação concreta, embora alinhada a seus princípios constitucionais.

Pressão indireta e interesse econômico

Pequim não defenderá militarmente o Irã porque essa não é sua doutrina. Em vez disso, aposta na pressão multilateral no Conselho de Segurança da ONU, no reforço à retórica diplomática, na manutenção de laços bilaterais e no incentivo ao diálogo. Seu principal objetivo é evitar uma escalada que ameace o fluxo de petróleo pelo Estreito de Ormuz, vital para sua economia.

Enquanto o NYT interpreta essa cautela como limitação de poder, o que se observa é uma diplomacia de longo prazo que aposta no fortalecimento de relações econômicas e políticas como base para uma ordem internacional multipolar.

A verdadeira disputa: qual modelo liderará o século XXI?

O artigo do New York Times revela mais sobre a ótica estadunidense do que sobre a realidade chinesa. A influência de Pequim no Oriente Médio não se mede pelo número de porta-aviões, mas pela confiança que países da região depositam em sua atuação não intervencionista.

Enquanto os EUA se apresentam como polícia mundial, a China atua como mediadora, parceira comercial e arquiteta de uma nova ordem global baseada em desenvolvimento comum e estabilidade regional.

Ao ignorar esses aspectos, a análise do Times subestima não apenas o alcance da diplomacia chinesa, mas também o quanto o "poder suave" de Pequim já transformou seu papel no mundo. A China pode não disparar mísseis, mas está redefinindo — com paciência e estratégia — o que significa ser uma superpotência no século XXI.

Entenda a política externa chinesa

A diplomacia chinesa é orientada por princípios estabelecidos em sua Constituição, em documentos oficiais do Partido Comunista da China (PCCh), como os Livros Brancos, e na histórica formulação dos Cinco Princípios da Coexistência Pacífica, propostos por Zhou Enlai em 1954, que incluem:

  1. Respeito mútuo pela soberania e integridade territorial
     
  2. Não agressão mútua
     
  3. Não interferência nos assuntos internos
     
  4. Igualdade e benefício mútuo
     
  5. Coexistência pacífica

Esses princípios guiam a atuação da China em organismos multilaterais como a ONU e em sua relação com países da Ásia, África e América Latina.

O Livro Branco “A Diplomacia da China na Nova Era” (2023) detalha a visão de Xi Jinping para uma ordem internacional "mais justa e razoável", articulada com a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) e a diplomacia Sul-Sul.

Em vez de alianças militares, a China prioriza o diálogo, a mediação e a estabilidade — como demonstrado na reaproximação entre Irã e Arábia Saudita, mediada por Pequim. No atual conflito entre Irã e Israel, Pequim tem feito apelos por cessar-fogo e se manifestado contra ataques que violem a soberania de terceiros, como o bombardeio israelense ao consulado iraniano em Damasco.

Enquanto a lógica de Washington prioriza a coerção militar, a China aposta na dissuasão diplomática, na estabilidade regional e na multipolaridade. O que muitos no Ocidente interpretam como omissão é, na verdade, consistência estratégica de uma potência que avança com discrição, mas com um projeto de longo prazo bem definido para o futuro da ordem mundial.

 

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