FASCISMO NAS URNAS

Bjorn, comparado a Hitler, vence eleição local na Alemanha

Triunfo histórico da ultradireita no leste do país, algo que não se via desde a Segunda Guerra Mundial com vitória da AfD, a extrema direita vence eleições para parlamento da Turíngia, estado alemão

Créditos: Fotomontagem (X e Britannica) - Björn Höcke fazsaudação nazista em comício e Adolf Hitler analisa as tropas da SS em desfile do Reichsparteitag (Encontro Nacional do Partido) em Nuremberg (5 a 12 9/1938)
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Encerrada a votação neste domingo (1) para os parlamentos estaduais nos estados alemães da Saxônia e da Turíngia, pesquisas de boca apontam para um triunfo histórico da ultradireita no leste do país, algo que não se via desde a Segunda Guerra Mundial.

Com 30,5% das intenções de voto na Turíngia, a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) lidera a disputa no estado, seguida pela conservadora União Democrata Cristã (CDU), com 24,5%, e a sigla populista de esquerda anti-imigração Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), com 16%.

Na Saxônia, a AfD (30%) por pouco não supera a CDU (31,5%). Já a BSW surge em terceiro lugar com 12%.

Tanto na Turíngia quanto na Saxônia, os três partidos que integram a coalizão do governo federal – sociais-democratas (SPD), verdes e liberais (FDP) – não somam juntos mais que 12,3% e 14%, respectivamente.

Na Saxônia, liberais e a esquerda não devem conquistar uma cadeira sequer por não atingirem a cláusula de barreira. Na Turíngia, liberais e verdes também devem ficar de fora do parlamento estadual.

Os dados são do Infratest dimap, e baseiam-se em pesquisas feitas nos locais de votação. Os primeiros resultados preliminares são esperados para as próximas horas, à medida em que a apuração avançar.

Björn Höcke ou Adolph Hitler?

Na eleições de 2019, deputados do partido de extrema-direita AfD foram confrontados com citações e questionados: Elas foram escritas por Björn Höcke, o mais notório radical de direita do partido, ou por Hitler?, conta The New York Times daquele ano.

"Não consigo distinguir", disse um.

"Realmente não sei", respondeu outro.

"Mais provavelmente de 'Mein Kampf'", um terceiro adivinhou.

Na verdade, todos os trechos eram do livro de Höcke, descrevendo, por exemplo, um "desejo do povo alemão por uma figura histórica que curará as feridas do Volk, superará a divisão e trará de volta a ordem."

Höcke, um professor de história transformado em ideólogo de extrema-direita, lidera a AfD no estado da Turíngia, onde o partido estava prestes a dobrar sua participação de votos para mais de 20% nas eleições, consolidando ainda mais sua posição como uma força política líder no antigo Leste Comunista.

A Turíngia pode ser um dos menores estados da Alemanha, mas a notoriedade nacional de Björn Höcke e sua linguagem provocativa e intransigente, repleta de ecos dos anos 1930, deram à eleição muito holofote tanto em 2019 quanto agora.

Tragédia anunciada

O crescimento da extrema direita no país e mundo afora vinha sendo alertado pela imprensa alemã. No dia 16 de agosto, a revista Der Spiegel, considerada a mais importante publicação impressa da Alemanha, trouxe em sua capa um alerta: "Como o fascismo começa".

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A manchete sobreposta a uma imagem que representa o ex-presidente e candidato à reeleição nos EUA Donald Trump, a líder de extrema direita francesa Marine Le Pen e o político alemão Björn Höcke, membro do Alternativa para a Alemanha (AfD na sigla em alemão), partido associado ao neonazismo. 

Dito e feito. A vitória em Turíngia, estado localizado no centro do país, ocorreu sob a liderança do chefe estadual e candidato principal, Björn Höcke.

Após a vitória, Höcke fez uma declaração ao Tagesschau, principal noticiário de televisão da Alemanha, produzido pela ARD, uma das principais emissoras públicas do país. Ele disse que quer conduzir conversas com outros partidos sobre uma participação no governo.

"Somos o partido popular número um. É uma boa tradição parlamentar que a força mais forte após uma eleição convide para conversas. Estamos prontos para assumir a responsabilidade governamental", disse em entrevista a uma rede de televisão alemã

Apesar do resultado histórico, é pouco provável que a AfD consiga formar o governo na Turíngia. O sistema parlamentarista do estado exige que o partido ou uma coalizão conquiste mais da metade dos assentos no parlamento estadual para assumir o governo. A formação de coalizões é comum, pois raramente um único partido consegue maioria absoluta.

O partido A Esquerda, que perdeu significativamente em votos comparado à eleição anterior, deixa o governo estadual. Em 2019, havia obtido 31% dos votos, mas agora apresenta apenas 12,5% das intenções de voto. A AfD, por sua vez, aumentou sua margem de votos desde a última eleição (21,7%), o que lhe garante um considerável poder de veto em decisões importantes, incluindo a nomeação de juízes.

A fim de evitar uma aliança com a AfD, a União Democrata-Cristã (CDU) pode considerar uma coalizão inédita na Turíngia e na Saxônia com a BSW, mesmo com divergências significativas em termos de políticas econômicas de esquerda e política externa pró-Rússia.

Sinal amarelo para ascensão do neonazismo

As eleições locais na Saxônia e na Turíngia, com uma população combinada de 6,3 milhões, estão sob os holofotes nacionais na Alemanha, mesmo representando menos de um décimo da população total do país.

Os temas dominantes nas campanhas foram a política de imigração e o apoio da Alemanha à Ucrânia, assuntos que encontram maior ceticismo na região leste, onde há proporcionalmente menos estrangeiros e uma prevalência de opiniões pró-Rússia, segundo pesquisas.

Esses resultados regionais aumentam a pressão sobre a coalizão governista federal de Olaf Scholz (SPD), que já enfrenta baixa aprovação popular a um ano das próximas eleições federais, previstas para setembro de 2025.

Enquanto a CDU, que está atualmente na oposição, apresentou bons resultados, o cenário complica ainda mais a formação de coalizões estaduais e pode levar a Turíngia a um impasse político devido à fragmentação eleitoral e ao crescimento da AfD, partido com o qual nenhuma outra legenda deseja formar coalizão até o momento.

Adicionalmente, o impacto dessas eleições estende-se à política nacional, uma vez que membros do governo estadual, incluindo o governador, integram o Bundesrat, a câmara alta do Parlamento alemão.

Este órgão, composto por representantes dos 16 estados federados, desempenha um papel crucial na legislação alemã, podendo aprovar, vetar ou modificar propostas de lei que venham do Bundestag, a câmara baixa do Parlamento.

Além disso, o Bundesrat participa da administração da União e de assuntos relacionados à União Europeia. Algumas leis só entram em vigor na Alemanha após a aprovação por este colegiado.

Quem é Björn Höcke

Björn Höcke,de 52 anos, ex-professor, pertence a ala mais radical do AfD que foi dissolvida após ser investigada pelo governo alemão por associação ao neonazismo. Ele prega um nacionalismo extremo que promove a ideia de uma "identidade alemã homogênea" e sua "supremacia", com inspirações mais que evidentes no nazismo. 

Tal como a extrema direita global, Höcke encampa discurso anti-imigração, especialmente contra muçulmanos, e defende a expulsão em massa desses imigrantes da Alemanha – política perversa conhecida como "remigração". 

No ano passado, ele foi denunciado pelo Ministério Público alemão em 2023 por utilizar linguajar nazista ao dizer que a política migratória do país "nada mais é que a eliminação do povo alemão", usando o slogan nazista "Alles für Deutschland" (tudo pela Alemanha).

Em um discurso de 2017 na cidade de Dresden, Björn Höcke chegou a se referir ao Memorial do Holocausto em Berlim como um "monumento da vergonha", argumentando que a Alemanha deveria se concentrar "mais em suas glórias" do que em suas "falhas históricas". Ele é adorado por grupos neonazistas. 

Sobre a AfD

A AfD, ou "Alternativa para a Alemanha" (Alternative für Deutschland), é um partido político alemão de direita. Foi fundado em 2013 e inicialmente focava em críticas à política econômica da União Europeia, especialmente a gestão da crise do euro. Com o tempo, a plataforma do partido se expandiu para incluir temas mais amplos, especialmente oposição à imigração e críticas à islamização da Alemanha.

A AfD é conhecida por suas posições eurocéticas, conservadoras e, em muitos casos, de extrema direita. O partido ganhou destaque e representação em diversos parlamentos estaduais e no Bundestag, o parlamento federal da Alemanha, capitalizando o descontentamento de parte da população com as políticas tradicionais, especialmente em relação à imigração e segurança.