De BERLIM | As eleições ao Parlamento Europeu, encerradas neste domingo (9), deixaram claro que a ultradireita está em franca ascensão em toda a Europa e a Alemanha, país que elege o maior número de eurodeputados e que concentra a maior população da União Europeia, é um exemplo evidente deste crescimento assustador.
De acordo com as últimas projeções oficiais, o Alternativa para a Alemanha (AfD), partido ultranacionalista que tem entre seus quadros figuras associadas ao neonazismo, obteve 15,9% dos votos dos alemães nas eleições europeias e se consolidou como a segunda força política do país, superando os sociais-democratas do SPD, legenda do atual chanceler Olaf Scholz, que obteve 13,9%, e ficando atrás apenas dos conservadores da União Democrata-Cristã (CDU/CSU), partido da ex-chanceler Angela Merkel.
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Com a votação expressiva, os radicais do AfD conseguiram emplacar, ao todo, 15 eurodeputados no Parlamento Europeu - 6 a mais que na última legislatura. Por outro lado, os sociais-democratas tiveram seu pior resultado da história em eleições europeias e perderam 6 cadeiras, ficando com 14 assentos. Já os Verdes (Grüne) foram os que mais perderam eurodeputados: 9 a menos, totalizando apenas 12 cadeiras. Os conservadores do CDU/CSU, vencedores das eleições europeias na Alemanha, permaneceram com 29 eurodeputados.
“É uma noite amarga para nós. Já está claro que não tivemos vento favorável da política federal", lamentou, em entrevista à imprensa alemã, disse a principal candidata do SPD, Katarina Barley.
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Já a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que é do CDU/CSU, celebrou a vitória de sua legenda: "Estamos entusiasmados com o que o partido apresentou. Agora temos de replicar isto na Europa".
Alice Weidel, copresidente do AfD, por sua vez, afirmou que a votação de seu partido foi bem sucedido nas eleições europeias "porque as pessoas como um todo se tornaram mais críticas em relação à Europa”.
AfD, a ultradireita com nuances neonazistas da Alemanha
Governada atualmente pelo chanceler Olaf Scholz, do SPD (Partido Social-Democrata), em uma coalizão com liberais e democratas, a chamada Die Ampel (Semáforo, por conta as cores das legendas: vermelho, amarelo e verde), a Alemanha vem observando um crescimento assustador da popularidade da ultradireita, representada pelo AfD.
A legenda foi fundada em 2013 e conseguiu uma cadeira no parlamento alemão, pela primeira vez, em 2017 - hoje, já são 77 deputados, sendo a quarta maior força política local.
Trata-se de uma organização ultrarradical que abriga os membros mais extremistas da Alemanha. O AfD defende abertamente ideias xenofóbicas, racistas, segregacionistas e violentas. A principal plataforma política são projetos antimigração, permeada de retóricas ultranacionalistas que remetem ao nazismo. Diversos membros do partido, inclusive, já tiveram comprovadamente relações com grupos neonazistas e já fizeram falas com tal teor.
Björn Höcke, uma das principais lideranças do AfD, por exemplo, foi denunciado pelo Ministério Público alemão em 2023 por utilizar linguajar nazista ao dizer que a política migratória do país "nada mais é que a eliminação do povo alemão", usando o slogan nazista "Alles für Deutschland" (tudo pela Alemanha). Mais recentemente houve o caso de Maximilian Krah - líder do partido relativizou os crimes da SS, levando a legenda a ser expulsa de seu bloco no Parlamento Europeu.
Desde 2021, o AfD é monitorado pelo serviço de inteligência interno da Alemanha, o BfV, por tentativa de enfraquecer a constituição democrática do país.
Pesquisas recentes revelam que o AfD já tem o apoio de cerca de 24% dos alemães, o que o torna o segundo partido mais popular do país, atrás apenas do CDU, legenda da ex-chanceler Angela Merkel. Nos estados da Turíngia, Saxônia e Brandemburgo, a sigla ultrarradical lidera as intenções de voto para as eleições regionais deste ano, com cerca de 30%.
Esse crescimento do AfD às vésperas das eleições do Parlamento Europeu vem gerando conflitos e episódios de violência. Franziska Giffey, ex-prefeita de Berlim, que é do Partido Social-Democrata (SPD), por exemplo, foi atacada em maio por um apoiador do partido de extrema direita em uma biblioteca pública da capital alemã. Ela ficou levemente ferida após ser atingida na cabeça por uma bolsa contendo um objeto pesado.
Pelas ruas de Berlim, cartazes de candidatos às eleições europeias estão espalhados em praticamente todas as esquinas e aqueles ligados ao AfD recorrentemente são vandalizados ou retirados por militantes de esquerda, gerando confrontos entre os dois lados. Em janeiro, uma multidão protestou na capital alemã contra a extrema direita.
Parlamento Europeu: ultradireita cresce
Iniciada na quinta-feira (6), as eleições para o Parlamento Europeu se encerraram neste domingo (9) e os resultados são assustadores. Sim, poderia ter sido muito pior, a julgar inclusive por pesquisas apresentadas nos últimos dias em alguns países, mas o avanço da extrema direita é inquestionável.
Somados os grupos supranacionais que são compostos por siglas ultrarreacionárias, como o Conservadores e Reformistas (ECR) e o Identidade e Democracia (ID), além dos “Não Inscritos”, que é o caso dos neonazistas alemães da AfD (expulsos da ID no último mês), o número total de assentos da extrema direita deve ser de 145 num universo de 720. Ou seja, praticamente 20% do Parlamento Europeu. Na última legislatura, iniciada em 2019 e que está em seus últimos dias, esse número era de aproximadamente 125 no universo de 702. Não é um grande crescimento, mas é um crescimento.
Os partidos aglomerados nos grupos supranacionais Partido Popular Europeu, Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, Verdes/Aliança Livre Europeia e o Esquerda no Parlamento Europeu, que vão desde a direita liberal tradicional, passando pelo centro, por ambientalistas e pela esquerda em si, somam aproximadamente 408 cadeiras. Ou seja, 57% do total de assentos. Não há uma redução que possa ser considerada impactante de algum modo, mas há uma pequena redução.
O caso mais grave foi o da França. O fascista “Rassemblament National”, da líder Marine Le Pen, venceu a eleição e conquistou 32%, deixando a coalizão do presidente Emmanuel Macron, encabeçada por seu partido, o “Renaissance” (antes chamado “La République en March!”) para trás, com apenas 15,2%, além dos 14% obtidos pelo Partido Socialista, de esquerda. A tormenta causada pela vitória retumbante do movimento ultrarreacionário fez com que Macron convocasse uma cadeia de rádio e televisão para avisar o povo francês de que estava dissolvendo o parlamento naquele momento e convocando novas eleições, que devem acontecer em 30 de junho (1° turno) e 7 de julho (2° turno). A expressão de desespero de chefe de Estado que habita o Palácio do Eliseu ficou clara com a frase “não vou agir como se nada estivesse acontecendo”.
Na Alemanha, embora a vitória dos conservadores tradicionais da CDU e da CSU tenha sido inequívoca, com 30% dos votos, o que trouxe um sabor de derrota e de incredulidade foi ver a neonazista AfD tornar-se a segunda força política do país, com 16% da preferência do eleitorado, conquistando 17 cadeiras. Em números absolutos e analisando por partidos (excluindo coalizões), esses extremistas tiveram mais votos que a SPD (de centro-esquerda) do chanceler Olaf Scholz, que atingiu 14% dos eleitores, dando-lhe um amargo terceiro lugar.
Quando olhamos para a Itália, deu a lógica. Embora a extrema direita por lá seja muito fragmentada e ligada a interesses muito particulares, o Fratelli d’Italia, da primeira-ministra Giorgia Meloni, venceu com 28,5% dos votos, com o Partido Democrático (de centro-esquerda) em segundo, com 23,7%. O Forza Italia, também de direita (10%) e a Lega Nord (8,3%) ajudam a reforçar a trupe fascista que representará o país em Bruxelas.
Na Espanha, com um PP (centro-direita) cada vez mais pendendo para a extrema direita, o resultado também não foi bom para os progressistas. O partido de Alberto Núñez Feijóo conseguiu 34% dos votos e 22 assentos na capital belga, contra 30% do PSOE (centro-esquerda), que agora terá 20 cadeiras. Se é que há uma boa notícia, essa vem por parte do extremista VOX, que segundo as pesquisas poderia explodir em votos, mas acabou conseguindo “apenas” seis postos no Parlamento Europeu (na última eleição, em 2019, ele conquistou quatro). É um crescimento, mas abaixo do esperado e muito longe do êxito de seus parceiros reacionários da França e da Alemanha, por exemplo.
Outro país “tomado” pela extrema direita foi a Áustria, terra natal do ditador genocida Adolf Hitler. Por lá, o Die Freiheitliche Partei Österreichs (Partido da Liberdade da Áustria) conseguiu 27% dos votos e terá seis cadeiras no Parlamento Europeu, enquanto os liberais do Österreichische Volkspartei (Partido Popular da Áustria) vieram logo atrás, com 23%, garantindo-lhe cinco cadeiras. Só na terceira posição surgiu uma sigla de esquerda, o Sozialdemokratische Partei Österreichs (Partido Social Democrata da Áustria), que com 20% terá também cinco eurodeputados.
Se falarmos de vexame da extrema direita nessas eleições europeias, estaremos falando de Portugal. O “Chega”, do perturbado André Ventura, apareceu só na terceira posição, e com 9,79% da preferência do eleitorado, obtendo tão somente duas cadeiras. A previsão da militância e das pesquisas de opinião apontavam para até cinco assentos.
Se comparado com seu desempenho de três meses atrás, nas legislativas portuguesas, quando obteve mais de 18%, o partido de extrema direita perdeu metade de sua força entre a população, em que pese o fato de as abstenções nas eleições europeias (mais de 60%) serem muito superiores às das legislativas de 10 de março deste ano (33%).
Com a quase totalidade das urnas apuradas, o Partido Socialista (PS) saiu vitorioso, com 32,09% dos votos, o que garantiu à maior sigla de esquerda do país ibérico oito cadeiras na capital da Bélgica. Na segunda posição, bem próxima, ficou a AD (Aliança Democrática), de centro-direita, composta pelo PSD e os nanicos CDS e PPM, com 31,12%, assegurando-lhe sete posições no parlamento da União Europeia.
Para a esquerda, em linhas gerais, o crescimento dos partidos socialistas, ou ainda os verdes, deu-se de forma mais intensa nos países nórdico, como Suécia, Finlândia e Dinamarca, embora nessas nações o pleito tenha sido muito fragmentado e os votos distribuídos de maneira relativamente equânime entre a direita tradicional, a extrema direita e os progressistas.