Após a quarta-feira (26) marcada por uma fracassada tentativa de golpe de Estado, a Bolívia amanheceu nesta quinta-feira (27) ainda às voltas com a invasão militar da Praça Murillo e do Palácio Quemado em La Paz. Nesse contexto, o governo do presidente Luis Arce (MAS) anunciou as prisões de 17 pessoas envolvidas com o episódio, além do agora ex-general, Juan José Zúñiga, que liderou o levante.
Todos os presos são militares da ativa ou da reserva. Eduardo del Castillo, o Ministro de Governo, também divulgou que a polícia trabalha para desmantelar uma 'rede antidemocrática' que atuou com o objetivo de derrubar a ordem constitucional boliviana.
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Segundo o ministro, a rede é composta por um "grupo minúsculo de militares que tiveram a ousadia de tentar tomar o poder pela força, com metralhadoras e veículos".
Ainda nessa quinta-feira, a ONU pediu que sejam feitas investigações 'exaustivas e imparciais' acerca do episódio. Também pediu que os detidos tenham um julgamento justo.
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Ex-general Zúñiga pode pegar 20 anos de prisão
O agora ex-general Juan José Zúñiga, líder da quartelada, era o comandante do Exército até a noite de terça-feira (25). Ele foi destituído por Luis Arce após se envolver em uma série de polêmicas nos meios de comunicação em que trocou ataques com o ex-presidente Evo Morales e deu pitacos sobre a política boliviana, o que é proibido para os militares.
Segundo Pablo Montenegro, sociólogo boliviano ouvido pela CNN Chile no calor dos acontecimentos, Zúñiga tinha aspirações para além das Forças Armadas. Desejava ser, também, um líder político. Dessa maneira, a destituição encerrava suas pretensões em ambas as frentes, ou, no mínimo, as colocava em posição delicada.
O pesquisador apontou que a quartelada teve esse ingrediente, da inconformidade pessoal do então general. Ele então teria tentado impor uma narrativa de que os militares seriam desprestigiados pelos governos do MAS quando na realidade a caserna sempre foi vista como um ator privilegiado desse processo político.
O ex-general chegou a invadir o Palácio Quemado e ficou cara a cara com Luis Arce. Mas o presidente venceu a queda de braço e nomeou o general José Wilson Sánchez Velázquez como o novo Comandante do Exército em meio à quartelada. O juramento para a troca de comando foi prestado no momento mais crítico dos acontecimentos.
O novo comandante então ordenou a desmobilização das tropas. Zúñiga foi obrigado a bater em retirada enquanto uma manifestação popular contrária ao golpe se formava na Praça Murillo. Horas depois, foi preso na frente da sede do Estado-Maior enquanto falava a jornalistas.
Na manhã desta quinta-feira, foi destituído também da sua patente de general e expulso do Exército. O anúncio veio numa coletiva de imprensa em que o militar foi exibido com um colete balístico que carregava o seguinte dizer: 'apreendido'.
Segundo Ivan Lima Magne, o ministro da Justiça, Zúñiga agora responde por três crimes previstos no Código Penal boliviano: levante armado contra a soberania do Estado, sedução de tropas e atentado contra a vida do presidente. O processo penal foi iniciado já na noite de quarta-feira (26), após sua prisão.
“A ação foi desleal com os valores básicos de respeito e dignidade das Forças Armadas. Vamos buscar a condenação dele à pena máxima de prisão para esses delitos, de 15 a 20 anos de encarceramento por atentar contra a democracia e contra a Constituição”, anunciou Lima Magne nas redes sociais.
Movimentos sociais seguem nas ruas
Ao longo deste dia seguinte ao golpe, os movimentos sociais seguiram mobilizados na Praça Murillo, em La Paz, e em outras grandes cidades bolivianas. Ao Brasil de Fato, a jornalista Karla Burgoa explicou que se na quarta o clima entre os manifestantes era mais tenso por conta da tentativa de golpe ainda em curso, nessa quinta a situação está mais calma.
Segundo seu relato, os movimentos sociais e sindicais bolivianos estão nas ruas para prestar apoio ao presidente Luis Arce e à própria democracia do país.
“Repudiamos toda a atitude mal intencionada dos militares comandados por Zúñiga, que quis derrubar nosso governo, nossa democracia. Repudiamos toda essa atitude golpista e pedimos a nosso presidente e a todas as instâncias da Justiça que investiguem até o último homem e que deem o castigo com o peso da lei”, declarou Bertha Barrientos, dirigente sindical, à jornalista supracitada.
Novo momento político?
Para além de processar e punir os envolvidos com a quartelada, agora é esperado que o governo de Luis Arce tome algumas medidas e movimente a política institucional boliviana com o objetivo de evitar futuras quarteladas.
A política já está em momento de incertezas, com as lideranças do golpe de 2019 presas – entre elas Jeanine Áñez e Luis Fernando Camacho, ex-presidente em exercício e ex-governador da província de Santa Cruz de la Sierra. Sua base eleitoral busca minar a governabilidade do MAS e unir a oposição em torno do impedimento da candidatura do ex-presidente Evo Morales para as próximas eleições, marcadas para 2025. Isso inclusive gerou tumultos sociais no final do último ano.
O próprio MAS também vive, internamente, um momento de incertezas. O grupo ligado a Arce, oriundo da intelectualidade e dos setores urbanos, e o grupo de Evo, vinculado aos povos indígenas e aos movimentos sociais e sindicatos, estão em disputa dentro do partido.
Nesse cenário, é comum que analistas bolivianos apontem que a quartelada possa ter um efeito de unir o MAS. Manoel Mercado, analista político, deu exatamente esse parecer ao Brasil de Fato. Para ele, a reação ao golpe pode abrir um “novo momento político”. A aposta é que essa virtual união do MAS fortaleça o partido para o próximo pleito.
“Há gente que está pensando em golpes de Estado, isso pode juntar novamente o MAS, pode gerar um cenário de convergência de outros setores políticos para fortalecer a democracia e evitar golpes desse tipo. Se abre um novo momento político, cabe saber como administrar tanto por parte do governo, do MAS, e também é uma janela de oportunidade para os movimentos populares. As próximas 24 horas serão muito importantes para ver como o sistema político se aproveita deste momento”, avaliou.