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Chile: Quem é o prefeito preso por afrontar interesses das grandes farmacêuticas

Daniel Jadue, do Partido Comunista do Chile, exercia seu mandato de prefeito da cidade de Recoleta quando foi detido acusado de suborno e fraude

Daniel Jadue.Créditos: Agência Uno
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Daniel Jadue, de 57 anos, é uma das principais figuras do Partido Comunista do Chile, que participa da base aliada do governo do presidente Gabriel Boric. Prefeito desde 2012 da cidade de Recoleta, próxima à capital Santiago, ele foi preso em 3 de junho desse ano e acusado de suborno, administração desleal, fraude fiscal e fraude na gestão das farmácias populares, que baratearam os preços de medicamentos para a população local colocando-o na mira dos interesses da indústria farmacêutica.

A juíza Paulina Moya, que pediu a prisão preventiva de Jadue atendendo a pedido do Ministério Público local, defendeu que a liberdade do prefeito seria “perigosa para a segurança da sociedade”.

Jadue se defendeu em público. Qualificou a decisão judicial como “medida desproporcional” e disse que foi motivada em represália a sua “gestão transformadora”. Há 12 anos à frente da prefeitura de Recoleta, ficou marcado por uma série de programas que melhoram o acesso da população a itens de necessidade básica. Algo que obviamente não irá agradar as gigantes de cada setor, que faturam com os preços altos.

E não foram só as farmácias populares. Também óticas, livrarias e imobiliárias foram criadas, financiadas com o orçamento da cidade, para baratear a oferta desses produtos e serviços. Outra política que o deixou famoso foi a das escolas e universidades abertas.

“Daniel Jadue é o aviso do que está por vir para qualquer projeto de transformação no Chile e no mundo. [A acusação] é um sinal claro e contundente de que, quando ousamos propor um modo de vida diferente, que se oponha aos desvalores da acumulação, do egoísmo e da desapropriação do sistema capitalista e neoliberal, é esse mesmo sistema e suas ferramentas comunicacionais e jurídicas que são ativadas para impedi-lo a todo custo”, declarou Juan Pablo Sanhueza, vice-presidente do Partido Popular do Chile.

Mais de mil personalidades chilenas, de diversas áreas, assinaram a “Carta de Apoio ao Companheiro Daniel Jadue”. O texto diz que ele é vítima de perseguição política e lawfare.

“Vemos com preocupação a perseguição midiática, judicial e política de Daniel Jadue, sobretudo pelo que ele representa: um projeto de democratização e protagonismo popular que melhorou substancialmente a vida de milhares de famílias chilenas, gerando uma referência nacional e internacional no que diz respeito aos governos locais”, diz um trecho da carta.

Antes da prisão de Jadue, uma campanha midiática com a exposição dos supostos escândalos foi feita em todo o país. Foi fabricado um verdadeiro consenso, seguindo o conceito de Noam Chomsky, a fim de demonizar a imagem do prefeito.

“Com espanto, vimos como ele foi ameaçado para não sair do país, sem que houvesse decisão judicial ou sequer um processo, mas apenas as notícias da imprensa hegemônica. Como apontou a Comissão Chilena de Direitos Humanos, esse procedimento é questionável do ponto de vista jurídico. Mais uma vez, aqueles que deveriam zelosamente perseguir a objetividade da investigação, revelam que o motor de suas ações é a proscrição de líderes, fechando a porta na cara de nossas democracias já enfermas”, diz outro trecho da Carta.

Ao Brasil de Fato, a ativista cubana Mariela Castro, líder da Federação das Mulheres Cubanas, filha de Raul e sobrinha de Fidel Castro, foi quem deu as pistas de que o processo sofrido por Jadue seria um reflexo da atuação das gigantes farmacêuticas em defesa dos seus interesses privados.

“Lucram desproporcionalmente com o preço dos medicamentos, que são necessidade básica. Os governos não têm conseguido regular os preços, porque a presença desses laboratórios, que são transnacionais, pesa muito na esfera econômica e política. Teriam que ser criadas leis para estabelecer esses limites. E mais populações devem ser protegidas para que não lucrem com sua saúde, não só com o preço dos hospitais, quando não conseguem garantir uma boa saúde pública, mas também com o preço dos medicamentos em nível internacional e nacional”, declarou.

Quem é Daniel Jadue

Uma das principais figuras do Partido Comunista do Chile, Jadue não segue a cartilha partidária à risca. É dessas personalidades que “saem da casinha”, como se diz no linguajar popular. Ainda que a legenda apoie o governo de Gabriel Boric, da Convergência Social, ele se coloca como um crítico do presidente chileno.

Nascido e criado em Recoleta, é neto de imigrantes palestinos que chegaram ao país na primeira metade do século XX e filho de pequenos comerciantes proprietários do próprio negócio. Teve de ser afastado do pai durante os anos do regime de Augusto Pinochet. O pai era adepto do ditador, ele não.

Se formou em sociologia e arquitetura na Universidade do Chile e em gestão pela Universidade Católica do Chile. Na vida acadêmica, tornou-se mestre em planejamento urbano especialista em moradia antes de lançar-se à política.

Como arquiteto, foi gerente de projetos importantes como o da Câmara Municipal de Pichilemu, o Centro Cultural Estación Central em Santiago e o Parque Histórico Forte de Purén. Como especialista em gestão comunitária, atuou junto a governos locais, obtendo destaque como gerente de planos de desenvolvimento comunitário nas periferias da capital chilena.

Iniciou sua militância ainda nos anos 80, na juventude, em organizações logadas à Organização para a Libertação da Palestina. Em 1987 era eleito presidente da União Geral dos Estudantes Palestinos e a partir de 1991 foi coordenador geral da Organização da Juventude Palestina da América Latina e Caribe.

Entrou para o Partido Comunista do Chile em 1993 e logo se tornou secretário da Diretoria de Estudantes Comunistas em 1996. A partir de 2003 ficou conhecido como o presidente do Centro de Desenvolvimento Social e Cultural La Chimba, em Recoleta, onde elegeu-se prefeito em 2011. Ele exerce o cargo até hoje, mesmo estando preso.