A mudança climática, que podemos chamar de emergência do clima, aumentou o número de refugiados do clima mundo afora. O clima outrora estável em que as pessoas viveram por milênios está agora mudando rapidamente. Eventos climáticos extremos, como secas e inundações, estão forçando muitas pessoas a fugirem de suas casas.
Um exemplo trágico dessas transformações são as fortes chuvas que assolam o Rio Grande do Sul nos últimos dias, que transformou o estado no epicentro dos efeitos catastróficos da crise climática e chamou a atenção mundo afora.
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Até a manhã de terça-feira (7), segundo comunicado da Defesa Civil do Rio Grande do Sul, havia 204,3 mil pessoas fora de casa, das quais 48,2 mil em abrigos e 156 mil desalojadas (pessoas que estão nas casas de familiares ou amigos).
Assim como o estado da região sul do Brasil, a emergência climática tem mudado o jeito de viver de populações nos cinco continentes.
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O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) responsável pela avaliação da ciência relacionada às mudanças climáticas, projeta que mais de um bilhão de pessoas globalmente podem ser expostas a perigos climáticos específicos costeiros até 2050, potencialmente levando dezenas a centenas de milhões de pessoas a deixarem suas casas nas próximas décadas.
Nesse contexto, o relatório Groundswell do Banco Mundial, publicado em 2021, projeta que as mudanças climáticas podem levar até 216 milhões de pessoas em seis regiões mundiais (África Subsaariana, Sul da Ásia, América Latina, Leste da Ásia e Pacífico, Norte da África, Europa Oriental e Ásia Central) a se moverem dentro de seus países até 2050, se nenhuma ação urgente for tomada para reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa.
As mudanças climáticas podem interagir com outros fatores, como conflitos, oportunidades econômicas e políticas, para impulsionar a migração.
A maioria das migrações ocorre dentro das fronteiras. No entanto, a mídia frequentemente foca na migração transfronteiriça, muitas vezes enquadrando os migrantes como uma ameaça à segurança nacional – apesar de um grande corpo de pesquisas mostrar que, no geral, a migração realmente beneficia as sociedades.
Estatísticas assustadoras
Dados de 2023 do Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno (IDMC, da sigla em inglês) mostram que dos 60,9 milhões de novos deslocamentos internos registrados em 2022, 53% foram desencadeados por desastres.
O IDCM informou ainda que, em 31 de dezembro de 2022, pelo menos 8,7 milhões de pessoas em 88 países e territórios viviam em deslocamento interno como resultado de desastres ocorridos não apenas em 2022, mas também em anos anteriores.
Isso representa um aumento de 45% no número total de pessoas deslocadas internamente por desastres em comparação com 2021, apontou o IDMC.
Os cinco principais países com o maior número de novos deslocamentos internos devido a desastres em 2022, de acordo com o IDCM em 2023, foram:
- Paquistão (8,2 milhões)
- Filipinas (5,5 milhões)
- China (3,6 milhões)
- Índia (2,5 milhões)
- Nigéria (2,4 milhões)
Dos 32,6 milhões de novos deslocamentos internos, 98% ocorreram devido a desastres em 2022 e foram resultado de perigos relacionados ao clima, como tempestades, inundações e secas.
As inundações superaram as tempestades pela primeira vez desde 2016, desencadeando 6 de cada 10 deslocamentos internos devido a desastres em 2022, com as inundações de monções no Paquistão causando 25% dos deslocamentos internos devido a desastres globalmente naquele ano.
A Somália experimentou sua pior seca em 40 anos e registrou 1,1 milhão de movimentos. Em Tonga, 2% da população teve que se realocar após uma erupção vulcânica muito rara.
Ecos da Covid e fome
O impacto da pandemia de Covid-19 continua afetando pessoas deslocadas internamente em todo o mundo, particularmente devido à perda de meios de subsistência e insegurança alimentar.
Além disso, as mudanças climáticas estão alterando os padrões de precipitação e temperatura e aumentando a frequência e severidade de eventos climáticos extremos em muitas partes do mundo, afetando a segurança alimentar ao reduzir a produção agrícola, levando as pessoas a se moverem sazonalmente ou permanentemente de áreas de risco.
Estudos e previsões do IDCM indicam um aumento significativo no número de pessoas deslocadas devido a eventos climáticos extremos.
Entre 2008 e 2016, uma média anual de cerca de 21,5 milhões de pessoas foram deslocadas por desastres relacionados ao clima, como inundações, tempestades, incêndios florestais e temperaturas extremas.
Categoria não reconhecida
Como a categoria refugiado do clima ainda não é formalmente reconhecida pela legislação internacional, não é possível apurar um número preciso de migrantes em razão de fenômenos climáticos extremos.
Essa quantificação da migração ambiental apresenta desafios significativos devido à diversidade de fatores que motivam esses deslocamentos, às dificuldades metodológicas e à falta de padrões uniformes para a coleta de dados.
Embora existam estatísticas sobre deslocamentos populacionais internos e, em menor medida, transfronteiriços causados por desastres naturais, os dados sobre migrações provocadas por processos ambientais de longo prazo, como secas e elevação do nível do mar, são predominantemente qualitativos e derivam principalmente de estudos de caso específicos.
A carência de estudos comparativos amplia essas lacunas, no entanto, esforços contínuos visam aprimorar as metodologias de pesquisa na área.
Como o que tem sido feito pelo portal Migration Data (Dados sobre Migração, em tradução livre), gerenciado pelo Centro de Análise de Dados de Migração Global da Organização Internacional para as Migrações (OIM).
A plataforma oferece um recurso unificado para acessar estatísticas e informações confiáveis sobre migração mundialmente. A plataforma tem o objetivo de apoiar formuladores de políticas, estatísticos e o público geral e facilitar o acesso a dados dispersos por várias organizações.
Fundo para refugiados do clima
Outra fonte sobre migrações em decorrência das mudanças climática é a Agência da ONU para Refugiados, o ACNUR. No dia 24 de abril deste ano, o órgão lançou o Fundo de Resiliência Climática para impulsionar a proteção de pessoas refugiadas e comunidades deslocadas à força que estão mais ameaçadas pelas mudanças climáticas.
Como parte de seu trabalho para proteger e prover assistência para as mais de 114 milhões de pessoas forçadas a se deslocar, o ACNUR busca construir a resiliência das pessoas e reduzir sua vulnerabilidade aos riscos existentes, incluindo o impacto das mudanças climáticas.
Pela primeira vez, o Fundo visará exclusivamente financiar esforços para proteger as comunidades deslocadas mais ameaçadas, capacitando-as para se preparar, resistir e se recuperar dos impactos relacionados ao clima.
Globalmente, quase dois terços dos solicitantes de asilo e refugiados deslocados em 2022 vieram de 15 países altamente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas.
Além disso, quase 60% das pessoas refugiadas e deslocadas internamente devido a conflitos vivem atualmente em países que estão entre os mais vulneráveis às mudanças climáticas.
“Os impactos das mudanças climáticas estão se tornando cada vez mais devastadores, exacerbando conflitos, destruindo meios de subsistência e, em última análise, provocando o deslocamento”, disse o Alto Comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi.
“Muitos dos países que foram mais generosos em acolher refugiados também são os mais impactados pela crise climática. Os recursos disponíveis para enfrentar os impactos das mudanças climáticas não estão chegando aos deslocados à força, nem às comunidades que os acolhem”, afirmou.
O Fundo priorizará projetos cujos efeitos são sentidos localmente, e que envolvam as comunidades afetadas em sua concepção e implementação, além de se alinhar com estratégias nacionais de clima e planos de desenvolvimento.
Os riscos climáticos estão fortemente correlacionados com conflitos e pobreza, que tantos refugiados e outras pessoas forçadas a se deslocar experimentam.
Em 2022, mais de 70% dos refugiados e solicitantes de asilo fugiram de países altamente vulneráveis ao clima. Cerca de 60% das pessoas deslocadas à força e apátridas vivem em países frágeis e/ou afetados por conflitos que estão entre os mais vulneráveis às mudanças climáticas e menos preparados para se adaptar.
“Ao reduzir a exposição a riscos relacionados ao clima, garantir acesso a recursos sustentáveis e promover a inclusão, esses projetos trarão melhorias tangíveis nas condições de vida, segurança e bem-estar dos refugiados e seus anfitriões”, acrescentou Grandi.
“No espírito do fundo de perdas e danos ativado na COP28, o ACNUR está comprometido em defender e aumentar significativamente o financiamento para apoiar ação climática em ambientes frágeis”.
O ACNUR tem como objetivo arrecadar US$ 100 milhões para o Fundo até o final de 2025 para apoiar refugiados, comunidades anfitriãs e países de origem mais afetados pela emergência climática, e promover a inclusão de refugiados em medidas relacionadas ao clima que são tomadas nacional e localmente. Espera-se que o Fundo se torne um canal para que os parceiros contribuam para a programação climática do ACNUR.
Relatório do ACNUR lista 22 países
Em março deste ano, o ACNUR divulgou o relatório "Focus Area Strategic Plan for Climate Action 2024-2030"( Plano Estratégico de Área de Foco para Ação Climática 2024-2030", em tradução livre). O documento estabelece um roteiro global para ação priorizada. O plano definiu quatro objetivos interdependentes para proteção, soluções, resiliência e adaptação a serem alcançados em apoio aos governos nacionais, juntamente com parceiros.
O plano reporta que as mudanças climáticas estão cada vez mais ligadas a conflitos e deslocamentos humanos. Um número crescente de pessoas fugindo de perseguição, violência e violações de direitos humanos relacionadas aos efeitos adversos das mudanças climáticas e desastres precisará de proteção internacional.
Em 2022, 70% dos refugiados e solicitantes de asilo fugiram de países altamente vulneráveis ao clima, um aumento em relação aos 56% em 2012. O escopo para soluções duradouras também está diminuindo.
Em 2020, apenas 1% dos refugiados conseguiram retornar para casa – um desafio que provavelmente só aumentará, à medida que o impacto das mudanças climáticas deteriora ainda mais as condições básicas de vida e as oportunidades de desenvolvimento nos países de origem.
Ao mesmo tempo, uma porcentagem significativa de pessoas deslocadas à força e apátridas vivem nas situações mais vulneráveis ao clima no mundo, onde – junto com suas comunidades anfitriãs – eles carecem de acesso a recursos ambientalmente sustentáveis e resiliência aos impactos das mudanças climáticas.
Mulheres, meninas e outros grupos com necessidades específicas, muitas vezes enfrentam riscos maiores e maiores encargos devido aos impactos das mudanças climáticas, devido a papéis, responsabilidades e normas culturais existentes.
O plano destaca 22 países de particular preocupação para o ACNUR, dado a sua vulnerabilidade aumentada:
- Afeganistão
- Bangladesh
- Burkina Faso
- Camarões
- República Centro-Africana
- Chade
- República Democrática do Congo
- Equador
- Etiópia
- Honduras
- Jordânia
- Quênia
- Malawi
- Mauritânia
- Moçambique
- Níger
- Paquistão
- Ruanda
- Somália
- Sudão do Sul
- Uganda
- êmen
Leia aqui o relatório do ACNUR.
A migração impulsionada pelo clima já está acontecendo?
África
O Lago Chade – um vasto corpo de água doce na borda do deserto do Saara – fornece água para mais de 30 milhões de pessoas. No entanto, ele vem encolhendo há décadas, devido às mudanças climáticas causadas pelo homem, bem como ao aumento da demanda humana por água doce e ao desenvolvimento de sistemas de irrigação.
O Chifre da África enfrentou sua mais longa e severa seca registrada quando cinco temporadas consecutivas de chuvas falharam entre 2020 e 2023. Cerca de 3,3 milhões de pessoas em Quênia, Etiópia e Somália fugiram de suas casas em busca de segurança e assistência. A seca resultante devastou as colheitas e matou milhões de animais. A seca não teria sido possível sem as mudanças climáticas causadas pelo homem.
América do Norte
Em novembro de 2017, o "Incêndio de Tubbs" – o incêndio florestal mais destrutivo na história da Califórnia naquele momento – destruiu mais de cinco mil casas. Famílias mais ricas se saíram melhor na "confusão" para encontrar novas casas, à medida que os preços dos imóveis e aluguéis dispararam. O aumento dos prêmios de seguro desde então forçou muitas famílias mais pobres a deixarem o local – um fenômeno às vezes chamado de "gentrificação climática".
No verão de 2023, o Canadá experimentou sua temporada de incêndios florestais mais severa registrada na história. Autoridades ordenaram a evacuação de milhares de casas e mais de 100 mil pessoas fugiram de suas residências, incluindo cerca de 25 mil membros de comunidades indígenas. A mudança climática dobrou a probabilidade de "clima extremo de incêndio" no leste do país antes e durante os incêndios.
A aldeia indígena de Newtok, no Alasca, vem enfrentando colapsos de terra devastadores por décadas, devido a uma combinação de inundações fluviais, degelo do permafrost e erosão costeira. A aldeia iniciou uma realocação liderada pela comunidade para um local mais seguro a 16 quilômetros de distância.
América do Sul
Em abril de 2017, chuvas intensas na cidade colombiana de Mocoa provocaram deslizamentos de terra devastadores que arrasaram toda a cidade e mataram centenas de pessoas. 80% das pessoas afetadas pelo deslizamento haviam fugido anteriormente para Mocoa para escapar da violência em outras partes da Colômbia.
Ásia
Mais de 32 milhões de deslocamentos internos ligados ao clima foram registrados em 2022 – principalmente na Ásia e no Pacífico. Um quarto dos deslocamentos causados por desastres em 2022 foi devido a inundações no Paquistão, que foi o maior evento de deslocamento por desastre do mundo em uma década. As chuvas, intensificadas pela mudança climática, afetaram mais de 33 milhões de pessoas – cerca de 15% da população do país – e desencadearam uma crise humanitária nacional.
Europa
Em dezembro de 2023, vários países da Europa sofreram com enchentes, como Hungria, Alemanha e Holanda. Ao lado de 2020, O o ano passado foi o ano mais quente no continente, cerca de 1ºC acima do período de referência, 1991 a 2020.
As chuvas na Europa em dezembro de 2023 estiveram cerca de 7% acima do usual, e um terço dos rios apresentou cheias, em parte severas. Cerca de 1,6 milhão de cidadãos foram afetados por enchentes, pelo menos 40 morreram. As tempestades fizeram 63 vítimas, incêndios florestais, outras 44. Os eventos meteorológicos e climáticos na Europa provocaram, ao todo, danos de 13,4 bilhões de euros, mais de 80% devido a inundações.
Oceania
Tuvalu é uma das ilhas localizadas no meio do Oceano Pacífico, na Polinésia, a poucos metros acima do mar. Ela corre o risco de desaparecer nas próximas décadas devido ao aumento do nível do mar causado pelo aquecimento global. Durante a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), em novembro de 2021, o ministro das Relações Exteriores da ilha, Simon Kofe, chamou atenção ao discursar em vídeo exibido de terno e gravata, mas dentro do mar e com água até o joelho.
Como a migração humana está historicamente ligada ao clima?
A migração humana está historicamente ligada ao clima de maneiras fundamentais. A vida na Terra foi moldada pelo clima, e as espécies evoluíram para sobreviver e prosperar em seus ambientes. Quando as condições mudam, elas devem se adaptar ao novo ambiente ou migrar para encontrar condições mais hospitaleiras. A história da evolução humana demonstra isso claramente.
Agora, o mundo entrou em uma nova época geológica conhecida como Antropoceno, que é caracterizada pela influência humana no clima. Nesta nova época climática, áreas do planeta onde as pessoas viveram por milhares de anos podem se tornar inabitáveis.
Historicamente, a migração humana tem sido profundamente entrelaçada com as condições climáticas. Mudanças climáticas moldaram padrões de assentamento humano, rotas de migração e adaptações de estilo de vida ao longo da história.
- Migrações Pré-históricas: As primeiras migrações humanas durante o Pleistoceno, há mais de um milhão de anos, foram influenciadas pelos ciclos glaciais e interglaciais que alteraram paisagens e a disponibilidade de recursos. A expansão do Homo sapiens fora da África há cerca de 60.000 a 70.000 anos atrás, por exemplo, coincidiu com mudanças climáticas que tornaram novos territórios mais hospitaleiros.
- Desenvolvimentos Agrícolas: O desenvolvimento da agricultura, que começou há cerca de 10.000 anos no Crescente Fértil e em outras partes do mundo, estava intimamente relacionado à estabilidade climática na época do Holoceno. Essa estabilidade permitiu temporadas de cultivo regulares e suprimentos de água mais previsíveis, levando ao crescimento de comunidades estabelecidas e, eventualmente, sociedades complexas.
- Período Quente Medieval e Pequena Idade do Gelo: Esses períodos climáticos influenciaram a migração na história mais recente. O Período Quente Medieval (cerca de 900 a 1300 d.C.) permitiu a colonização nórdica da Groenlândia. No entanto, a subsequente Pequena Idade do Gelo (aproximadamente 1300 a 1850 d.C.) criou condições mais severas, contribuindo para o abandono desses assentamentos.
- Migração do Dust Bowl (Tigela de poeira, em tradução livre): Na década de 1930, severas secas combinadas com tempestades de poeira nas Grandes Planícies dos EUA, exacerbadas por práticas agrícolas ruins, levaram ao Dust Bowl. Esse desastre ecológico forçou centenas de milhares de pessoas a deixarem suas fazendas e se mudarem para o oeste em busca de melhores condições de vida.
- Migração Climática Contemporânea: Hoje, as mudanças climáticas estão causando eventos climáticos mais frequentes e severos, como furacões, secas e inundações, além de processos mais lentos como a elevação do nível do mar e a desertificação. Essas mudanças estão influenciando cada vez mais os padrões de migração. Por exemplo, o aumento do nível do mar ameaça nações insulares de baixa altitude e comunidades costeiras, podendo deslocar grandes populações nas próximas décadas.
- Fatores Socioeconômicos e Políticos: Embora o clima tenha uma influência direta, a migração também é moldada por fatores socioeconômicos, políticos e ambientais. A migração induzida pelo clima ocorre frequentemente em contextos onde as pessoas já enfrentam dificuldades econômicas ou instabilidade política. Essa complexidade significa que as mudanças climáticas são frequentemente um dos múltiplos estressores que influenciam as decisões de migrar.
Compreender a ligação entre clima e migração é crucial para desenvolver estratégias para gerenciar e apoiar migrantes induzidos pelo clima, que podem enfrentar desafios significativos ao se realocarem para novas áreas. Isso requer esforços internacionais coordenados para abordar as causas raízes das mudanças climáticas e se preparar para seus impactos nas populações humanas.
Como as alterações climáticas têm tornado regiões menos habitáveis?
O clima estável no qual a humanidade confiou por milênios está mudando. As temperaturas médias globais da superfície entre 2011-20 foram cerca de 1,1°C mais quentes do que os níveis pré-industriais devido à atividade humana.
Estudo publicado no jornal científico Nature Sustainability, "Quantifying the human cost of global warming" (Quantificação do custo humano do aquecimento global", em tradução livre), em maio de 2023, identifica uma temperatura anual média de 29°C como o limite superior do "nicho climático humano". Acima desse limiar de temperatura, as regiões podem se tornar inabitáveis.
Os autores descobriram que, entre 1960-90, apenas cerca de 12 milhões de pessoas, representando menos de 1% da população global, viviam fora desse nicho climático. No clima atual, mais de 600 milhões de pessoas — 9% da população global — vivem em áreas que ultrapassaram esse limite de temperatura.
O estudo alerta que, se o aquecimento atingir 2,7°C acima das temperaturas pré-industriais — em linha com as promessas atuais de emissão — cerca de um terço das pessoas poderia ser empurrado para fora desse nicho. "A exposição fora do nicho poderia resultar em aumento da morbidade, mortalidade, adaptação no local ou deslocamento", diz o estudo.
À medida que o planeta aquece, ondas de calor "quebrando recordes" estão se tornando mais prováveis e centenas de milhares de mortes adicionais são registradas todos os anos devido ao calor extremo. Cerca de 61 mil pessoas morreram na Europa devido ao calor intenso durante o verão de 2022.
Temperaturas altas são particularmente perigosas quando o ar está úmido, porque isso torna a transpiração — o mecanismo mais importante do corpo para combater o calor — menos eficaz. O "calor úmido extremo" mais do que dobrou em frequência desde 1979, à medida que o ar mais quente é capaz de reter mais umidade.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês) alerta que partes da Índia, do Golfo Pérsico, do Golfo da Califórnia e do sul do Golfo do México estão "já experimentando condições de estresse térmico que se aproximam dos limites superiores da produtividade do trabalho e da sobrevivência humana". Acrescenta que o risco de estresse térmico é particularmente alto nas cidades.
Cerca de 50% e 75% da população global poderia ser exposta a períodos de "condições climáticas ameaçadoras à vida" devido ao calor extremo e umidade até 2100, diz o IPCC.
Regiões mais pobres e tropicais sofrem o maior dano econômico devido às ondas de calor. O calor extremo já suprimiu o produto interno bruto (PIB) per capita em países tropicais, como Brasil, Venezuela e Mali, em mais de 5% ao ano. Em contraste, nações de alta latitude, como Canadá e Finlândia, viram apenas uma redução de 1% ao ano no PIB.
As mudanças climáticas também estão tornando uma série de outros eventos climáticos extremos, como inundações, secas, tempestades e incêndios, mais intensos e prováveis.
Condições quentes e secas estão causando falhas generalizadas de safras, além de matar o gado e prejudicar a aquicultura. Mais de um terço das perdas de culturas e gado em países de baixa e média renda é devido à seca.
Extremos climáticos, como tempestades e inundações, também podem destruir safras, enquanto temperaturas crescentes permitem que pragas se expandam para novas regiões.
Entre 1970 e 2019, o número de desastres relacionados ao tempo, clima e água — incluindo secas, inundações e incêndios florestais — relatados globalmente aumentou cinco vezes. Nesse período, eventos climáticos extremos mataram mais de dois milhões de pessoas e causaram perdas econômicas de US$ 4,3 trilhões.
Após eventos climáticos extremos, podem ocorrer surtos de doenças, aumento da violência contra mulheres e meninas e interrupção de serviços básicos, como educação e saúde.
À medida que o planeta continua a aquecer, a exposição a extremos climáticos aumentará. As gerações mais jovens de países de baixa renda no Oriente Médio e Norte da África, onde as populações estão geralmente aumentando, enfrentarão maior exposição a extremos do que crianças em países de alta renda.
Saiba mais: Carbon Brief