Em entrevista à jornalista Mara Régia, da Rádio Nacional da Amazônia, no programa Bom Dia, Presidente desta terça-feira (7), o presidente Lula (PT) destacou a importância da preservação da natureza e as consequências dos impactos climáticos recentes que vêm assolando de forma trágica o Sul do Brasil.
Em uma de suas falas, Lula relembra o trabalho do escritor, ambientalista, filósofo e líder indígena Ailton Krenak, recém-empossado pela Academia Brasileira de Letras (ABL) em 5 de abril deste ano, após ele enviar uma pergunta ao programa. “Eu gostaria de saber presidente se você acredita em uma governança plurinacional para a Bacia Amazônica, além do Tratado de Cooperação Amazônico. Fiquei muito impressionado quando o senhor visitou o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e vi seu entusiasmo em convocar os países da bacia amazônica a uma nova responsabilidade sobre esse bioma”, relata Krenak. “Como você acredita que o seu governo poderá dar concretude a essa proposta, presidente?”
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Para Lula, o líder indígena vem escrevendo uma nova história para os indígenas brasileiros e citou o título de seu livro “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, um dos mais conhecidos do autor indígena, para responder à pergunta. “Krenak é o primeiro indígena brasileiro a entrar na Academia Brasileira de Letras. E, desde que li o livro dele, tenho feito esforços para adiar o fim do mundo, como ele mesmo diz. E isso passa por cuidar da Amazônia e de todos os nossos biomas. Passa também por quanto os países ricos vão destinar para ajudar nessa preservação também”, ressaltou o presidente.
“É algo maravilhoso o Krenak estar fazendo essa pergunta. Queria que o Ailton Krenak soubesse que vamos levar muito a sério essa questão da preservação do nosso planeta, fazer as coisas com mais cuidado, recuperar o que precisa recuperar, com muito carinho”, prometeu Lula na live.
Como podemos adiar o fim do mundo com Krenak
Em seu livro, Krenak escreve que “[...] refletir sobre o mito da sustentabilidade, inventado pelas corporações para justificar o assalto que fazem à nossa ideia de natureza. Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade. Enquanto isso — enquanto seu lobo não vem —, fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza.”
Essa noção é cada vez mais implementada em nossas consciências quando se está de frente para as mudanças climáticas e há a resistência, principalmente do empresariado e do agro, em tentar tratar a pauta de forma leviana e adiá-la para que haja um fim no mundo. Os efeitos climáticos têm alto poder destrutivo e só quando acontecem são levados a sério, é quando a sociedade percebe que natureza e humano não existem separados, mas de forma interdependente.
A obra, lançada em 2019, mostra como ainda salvar um planeta refém do aceleramento das atividades antrópicas. Não é um manual pronto, mas uma provocação. “É sobre viver a experiência, tanto a experiência do desastre, quanto a experiência do silêncio. Porque às vezes nós queremos viver a experiência do silêncio, mas nós não queremos viver a experiência do desastre. ‘Ah, não, mas aí eu vou ter que fugir, correr e escapar, como é que eu vou experimentar isso? Isso é muito doloroso!’ Por isso que eu disse a vocês que os Krenak decidiram que nós estamos dentro do desastre. Não precisa ninguém ir lá e tirar a gente. Nós vamos atravessar o deserto. Tem que atravessar o deserto, uai! Toda vez que você encontrar um deserto você vai sair correndo? Quando aparecer um deserto, atravessa ele!”, disse o líder indígena em um evento este ano.
Conheça Ailton Krenak
Nascido em 1953, Ailton Alves Lacerda Krenak é originário da região do vale do rio Doce, em Minas Gerais, uma área que é o lar do povo Krenak e que tem sofrido as consequências da intensa atividade mineradora por multinacionais há décadas.
O nome "Krenak" traz consigo uma rica carga de significado em sua etimologia. Sua origem pode ser decomposta em "kre", que significa cabeça, e "nak", que se traduz como terra. Os Krenak, também conhecidos como Borun, foram apelidados pelos portugueses no final do século 18 como os "Botocudos do Leste", devido ao uso de botoques auriculares ou labiais. Eles também são reconhecidos pelos Tupí como Aimorés, enquanto se autodenominam Grén ou Krén.
A tragédia de Mariana, em Minas Gerais, no ano de 2015, resultou na destruição completa da fauna e flora ao longo do Rio Doce, atingindo de forma dramática a principal fonte de sustento dos Krenak. No entanto, essa tragédia foi apenas mais um capítulo em uma longa história de desafios que a comunidade enfrenta desde a chegada dos portugueses às terras brasileiras. Hoje, esses povos são representados por uma comunidade de pouco mais de 600 sobreviventes, que perseveram em sua ocupação ancestral na região.
Depois de se mudar com sua família para o Paraná, Krenak se tornou comunicador. No entanto, foi somente na década de 1980 que ele começou a se dedicar exclusivamente à causa indígena. Em 1985, ele fundou a organização não governamental Núcleo de Cultura Indígena, que tem como objetivo levar a cultura indígena através de festivais e encontros entre diferentes povos.
Alguns anos depois, em 1987, desempenhou um papel de extrema importância nas acaloradas discussões da Assembleia Constituinte, que culminaram na promulgação da atual Constituição brasileira. Diante do plenário do Congresso Nacional, ele realizou um gesto simbólico. Com uma pasta de jenipapo, cobriu todo o seu rosto com uma camada escura, um ato que ecoaria como um alerta ao retrocesso iminente dos direitos indígenas no país.
Seu protagonismo na assembleia constituinte foi verdadeiramente determinante. Na Constituição de 1988, o "Capítulo dos Índios" foi inserido, garantindo, pelo menos em teoria, os direitos dos povos indígenas à terra que ancestralmente ocupavam e à preservação da cultura originária. Assista ao vídeo:
Sua atuação incluiu a fundação da União das Nações Indígenas (UNI) e a Aliança dos Povos da Floresta, duas iniciativas essenciais que se dedicam a salvaguardar os direitos e territórios dos povos indígenas, bem como a preservação das florestas que habitam.
Em um marco significativo em 2005, Krenak desempenhou um papel na coautoria da proposta da UNESCO que resultou na criação da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço. Desde então, ele continua a contribuir como membro ativo do comitê gestor desta importante reserva, dedicando-se incansavelmente à conservação do ecossistema.
Como forma de reconhecimento de sua valiosa contribuição à cultura brasileira e à causa indígena, Ailton Krenak foi honrado como comendador da Ordem do Mérito Cultural da Presidência da República, uma distinção reservada a personalidades e instituições que desempenham um papel fundamental na promoção e celebração da riqueza cultural do Brasil.