CONTEXTO GLOBAL

O que significa o acidente do presidente iraniano para a geopolítica global?

Helicóptero que levava alto escalão do governo do Irã segue desaparecido; líderes de todo o mundo enviam mensagens de preocupação, inclusive o Brasil, que acompanha os desdobramentos das buscas

Créditos: Wikimedia Commons - Presidente Ebrahim Raisi, do Irã, estava a bordo de helicóptero que caiu neste domingo
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Um helicóptero que transportava o presidente Ebrahim Raisi, do Irã, caiu neste domingo (19) em uma região remota do país, segundo a mídia estatal iraniana, o que provocou uma operação massiva de busca e resgate para o segundo indivíduo mais poderoso na estrutura política do país persa. A causa do acidente ainda não foi esclarecida.

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O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, pediu aos iranianos que “rezassem pela saúde” de Raisi e daqueles que viajavam com ele — incluindo o ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein Amir Abdollahian. Em um discurso transmitido ao vivo pela televisão estatal, ele disse que o “povo do Irã não deve ficar ansioso ou preocupado” e que não haverá interrupção na segurança ou na governança do país.

No momento do acidente, uma delegação de ministros viajava com Raisi em um comboio de três helicópteros, segundo a mídia estatal, que acrescentou que as outras duas aeronaves haviam chegado aos seus destinos.

A lei iraniana estipula que, se o presidente morrer, o poder é transferido para o primeiro vice-presidente e uma eleição deve ser convocada dentro de 50 dias. O primeiro vice-presidente é Mohammad Mokhber, um político conservador.

Momento delicado das relações entre EUA e Irã

O acidente ocorreu em um momento delicado para as relações internacionais — poucos dias após autoridades dos EUA e do Irã terem realizado conversas por meio de intermediários para tentar reduzir a ameaça de um conflito mais amplo no Oriente Médio.

O Departamento de Estado dos EUA disse que estava acompanhando de perto as notícias sobre o acidente, e a Casa Branca informou que o presidente Joe Biden havia sido informado.

Mesmo antes do anúncio do acidente, as relações entre Teerã e os Estados Unidos estavam perigosamente próximas de um conflito aberto. O que acontecer nas próximas horas — se o presidente Ebrahim Raisi e outros líderes sobreviverem e o que o Irã declarar como a causa do acidente — pode determinar se os dois países conseguirão sair de várias crises simultâneas.

Programa nuclear

O correspondente do The New York Times na Casa Brasil, David E. Sanger, avalia que a longo prazo, a questão mais importante é a luta em torno do programa nuclear do Irã. O programa foi amplamente contido depois que a administração Obama negociou um acordo nuclear com o Irã em 2015.

No entanto, o ex-presidente Donald Trump denunciou e abandonou o acordo seis anos atrás, levando eventualmente o Irã a retomar a produção de combustível nuclear — enriquecido a um nível pouco abaixo do necessário para produzir várias bombas.

A sobrevivência de Raisi e de outros líderes iranianos, assim como a declaração oficial sobre a causa do acidente, serão cruciais para o futuro imediato das relações entre os dois países. Um aumento nas tensões pode ocorrer se houver suspeitas de envolvimento estrangeiro ou se a resposta do Irã for agressiva.

A capacidade de ambos os países de navegar por essa crise e evitar um confronto direto dependerá em grande parte de suas ações e reações nos próximos dias. A continuidade ou a escalada das hostilidades afetará não só a situação política interna do Irã, mas também as dinâmicas regionais e globais de poder.

Atritos com Israel

Uma guerra sombria de anos com Israel veio à tona no mês passado, depois que o Irã lançou uma salva de centenas de mísseis e drones contra Israel. Esse ataque foi resultado das crescentes tensões entre os dois países após o grupo militante Hamas, apoiado pelo Irã, ter invadido Israel em 7 de outubro.

Desde então a tensão escalou ainda mais no Oriente Médio. O complexo diplomático do Irã em Damasco, na Síria, foi devastado por um bombardeio lançado por Israel em 1° de abril, no qual três generais das Forças Quds, a tropa de elite da Guarda Revolucionária, morreram.

Em resposta, no dia 13 de abril, o Irã enviou drones e mísseis para atacar o território de Israel. No dia 18 de abril forças militares de Israel empreenderam um ataque aéreo com mísseis contra o Irã, em retaliação ao ataque iraniano promovido em território israelense cinco dias antes.

No mesmo período, o Irã também emergiu como fornecedor estrangeiro confiável de drones militares para a Rússia. No ano passado, o Irã fez um acordo com a Arábia Saudita e restaurou as relações diplomáticas.

Buscas em andamento

A mídia estatal relatou que Mohammad Bagheri, chefe das forças armadas do Irã, disse que o exército e a Guarda Revolucionária foram mobilizados para a área de busca, a alguns quilômetros ao sul da fronteira com o Azerbaijão. Pelo menos 20 equipes de busca e resgate também estavam envolvidas no esforço, segundo a mídia estatal, que informou que o mau tempo estava complicando a operação.

Vídeos postados no Instagram pela Sociedade do Crescente Vermelho Iraniano mostraram equipes de resgate caminhando através de neblina densa e terreno difícil em busca do local do acidente.

O governo cancelou uma reunião de gabinete planejada e, em vez disso, convocou uma reunião de emergência com o comitê de gerenciamento de crises do país, relatou a mídia estatal.

Governos de outros países se manifestam

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil informou que acompanha o incidente com o presidente do Irã e está em contato com a Embaixada brasileira em Teerã (capital do Irã) que, por sua vez, monitora a situação junto à chancelaria iraniana.

Raisi havia se encontrado com Ilham Aliyev, o presidente do Azerbaijão, no início do domingo. Aliyev escreveu no X que estava “profundamente perturbado” ao saber do acidente “após se despedir amigavelmente” do presidente iraniano.

O primeiro-ministro do Paquistão, Shehbaz Sharif, disse no X que estava “aguardando com grande ansiedade por boas notícias.”

O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel Bermúdez, expressou consternação com a notícia do acidente.

Ajuda estrangeira

Ofertas de assistência chegaram de países da região e além. O primeiro-ministro do Iraque, Mohammed Shia al-Sudani, instruiu o ministério do interior de seu país e outras partes relevantes a oferecer ajuda.

A União Europeia ativou seu sistema de satélite Copernicus a pedido do Irã para oferecer serviços de mapeamento de emergência, segundo Janez Lenarcic, chefe de gerenciamento de crises do bloco.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, disse que ficou "profundamente triste" com a notícia do acidente de helicóptero envolvendo o presidente do Irã, Raisi.

"Estamos acompanhando o incidente de perto, em contato e em coordenação com as autoridades iranianas, e estamos prontos para fornecer todo o suporte necessário", postou Erdogan no X.

Quem é Ebrahim Raisi

Ebrahim Raisi, nascido em Mashhad em 1960, é um clérigo xiita que se destacou pela sua formação em jurisprudência islâmica nos renomados seminários de Qom. Sua carreira política e judicial começou logo após a Revolução Islâmica de 1979, quando assumiu várias posições de destaque no sistema judiciário iraniano.

Raisi ocupou o cargo de vice-chefe do Judiciário de 2004 a 2014, período em que supervisionou muitas das atividades judiciais do país. Em seguida, foi Procurador-Geral do Irã de 2014 a 2016, e em 2019 foi nomeado chefe do Judiciário, posição que manteve até ser eleito presidente em 2021.

Candidato conservador nas eleições presidenciais de 2021, Raisi conquistou uma vitória significativa, assumindo a presidência em agosto do mesmo ano. Sua campanha foi fortemente apoiada pelo establishment religioso e setores conservadores.

Raisi é conhecido por suas posições conservadoras e de linha dura. Ele defende a aplicação estrita da lei islâmica e a preservação dos valores da Revolução Islâmica. Economicamente, promove uma política de resistência, focando na autossuficiência e na redução da dependência de importações estrangeiras.

Na política externa, mantém uma postura firme contra os Estados Unidos e Israel, e apoia o acordo nuclear de 2015 (JCPOA) sob a condição de que todas as sanções sejam levantadas.

Direitos humanos

O histórico de Raisi não é isento de controvérsias. Ele foi criticado por seu papel nas execuções em massa de prisioneiros políticos em 1988, um episódio que ainda levanta fortes críticas de organizações de direitos humanos. Seu histórico em direitos humanos é amplamente criticado por repressão e violação dos direitos civis.

Em 2022, a morte de uma mulher de 22 anos, Mahsa Amini, sob custódia da polícia moral do país, desencadeou protestos em todo o país, liderados por mulheres e meninas que tiraram seus véus em desafio e exigiram o fim do regime da República Islâmica. O governo respondeu com uma repressão violenta .

Casado com Jamileh Alamolhoda, uma acadêmica e filha de um clérigo influente, Raisi tem duas filhas. Ele é um aliado próximo do Líder Supremo, Aiatolá Ali Khamenei, e é frequentemente mencionado como um possível sucessor de Khamenei. Seu apoio vem principalmente dos setores conservadores, incluindo o corpo clerical e os militares.

Como presidente, Raisi prometeu combater a corrupção e melhorar a economia iraniana. Apesar de suas políticas sociais conservadoras, ele se comprometeu a melhorar as condições econômicas e sociais para os iranianos.

Ebrahim Raisi é uma figura central na política iraniana, com uma carreira profundamente enraizada no sistema judiciário e uma abordagem conservadora que continua a influenciar significativamente o futuro do Irã.

Política Interna do Irã

O sistema político do Irã é uma teocracia islâmica combinada com elementos de democracia, caracterizado pela intersecção entre instituições religiosas e estruturas republicanas. Esse modelo único de governança apresenta várias camadas de poder e autoridade.

Estrutura de Governo

  • Líder Supremo: O aiatolá Ali Khamenei, atual líder supremo, exerce a autoridade máxima no país, controlando as Forças Armadas, a justiça, a mídia estatal e tendo a palavra final sobre todas as políticas de estado.
  • Presidente: Eleito por voto popular para um mandato de quatro anos, o presidente é o chefe de governo responsável pela administração diária e pela implementação de políticas. Atualmente, essa função é desempenhada por Ebrahim Raisi.
  • Parlamento (Majlis): Composto por 290 membros eleitos, o parlamento é responsável pela elaboração de leis e pela aprovação do orçamento.
  • Conselho dos Guardiães: Esse órgão revisa todas as leis aprovadas pelo parlamento para garantir sua compatibilidade com a Sharia e a Constituição, além de supervisionar as eleições.
  • Assembleia dos Peritos: Um grupo de clérigos eleitos que nomeia e, se necessário, destitui o líder supremo.
  • Conselho de Discernimento: Atua como mediador entre o parlamento e o Conselho dos Guardiães e aconselha o líder supremo.

Papel de Ebrahim Raisi na política iraniana

Como presidente, Ebrahim Raisi desempenha funções cruciais dentro desse complexo sistema político. Ele supervisiona a administração do país, implementa políticas internas e econômicas, e conduz a política externa em conjunto com o líder supremo. Sua administração é marcada pela promoção de uma economia de resistência, visando reduzir a dependência de importações e fortalecer a auto-suficiência. Raisi também tem um foco significativo no combate à corrupção.

Em relação a outros presidentes do Irã, como Hassan Rouhani (2013-2021) e Mohammad Khatami (1997-2005), Raisi é um conservador de linha dura, mais alinhado com os valores tradicionais da Revolução Islâmica e a visão do líder supremo.

Diferente de Rouhani, que buscava a integração econômica com o Ocidente, Raisi promove uma economia de resistência, focando na autossuficiência. Assim como Mahmoud Ahmadinejad (2005-2013), ele enfatiza o combate à corrupção, mas sua abordagem é mais sistemática, refletindo sua longa carreira no judiciário.

Rouhani era considerado um moderado e buscou melhorar as relações com o Ocidente, resultando no acordo nuclear de 2015 (JCPOA). Focou na recuperação econômica através do levantamento das sanções, embora tenha enfrentado dificuldades devido à reimposição das sanções dos EUA em 2018.

Ahmadinejad era conhecido por sua retórica populista e postura confrontacional com o Ocidente, especialmente com os EUA e Israel. Implementou programas sociais financiados pelo petróleo, mas sua gestão econômica foi criticada por má administração e corrupção.

Khatami era um reformista que buscava maior abertura política, liberdade de expressão e melhorias nas relações com o Ocidente.
Enfrentou forte resistência de elementos conservadores dentro do governo e das instituições religiosas.

Raisi representa uma continuidade da linha dura na política iraniana, em contraste com os presidentes anteriores que buscaram, em graus variados, reformas e maior engajamento com o Ocidente. Sua presidência é marcada por um retorno aos valores conservadores e uma ênfase na autousuficiência econômica e na segurança nacional.