Mais de 500 mil argentinos foram para as ruas de Buenos Aires nesta terça-feira (23), na maior manifestação organizada contra o governo de Javier Milei, para protestar contra os cortes nos orçamentos das universidades anunciados pela Casa Rosada. Foi também a primeira manifestação que não registrou episódios capitais de violência policial.
O protesto começou às 15h30, no Congresso, e se dirigiu para a Praça de Maio. Mas horas antes, concentrações de manifestantes já eram registradas nas estações de metrô e nas imediações das universidades estabelecidas na capital da Argentina. Foi uma manifestação multipartidária e multigeracional. Também estiveram presentes as principais centrais sindicais argentinas.
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A manifestação, que atravessou o centro de Buenos Aires, chegou ao destino final por volta das 17h e, uma hora depois, uma carta “em defesa da universidade pública argentina” foi lida aos presentes com uso de carros de som.
"Defendemos o acesso à educação superior pública como um direito. Acreditamos na capacidade niveladora da educação pública e gratuita, no poder transformador da Universidade como uma ferramenta formidável de mobilidade social ascendente e na contribuição diferenciada e substantiva que a produção científica traz para a sociedade do conhecimento", diz um trecho da carta.
A manifestação dos estudantes colocou o presidente argentino em xeque. De acordo com o jornal Página12, uma pesquisa do instituto Inteligência Analítica apontou que 85% dos argentinos são contrários aos cortes nas universidades.
Nas redes sociais sobraram relatos da manifestação. Um professor da Universidad Nacional de La Mata e morador do bairro La Matanza, na periferia de Buenos Aires, deu um depoimento para a Radio Gráfica – um meio de comunicação independente e popular – afirmando que a educação deve ser pública, gratuita e de qualidade para todos os argentinos.
“É pela possibilidade de continuar estudando e ter um futuro melhor”, afirmou.
Outro entrevistado da Rádio Gráfica foi German Pinazi, vice-reitor da Universidad Nacional de General Sarmiento, outra instituição de ensino superior da periferia bonairense. “Estamos protestando contra um corte orçamentário que é inédito para todo o sistema universitário nacional e que abrange salários e gastos de funcionamento, impedindo nossas universidades de realizarem o seu trabalho”, afirmou.
Anabel Flores, estudante de artes visuais da Universidad Nacional del Arte, e Ana, estudante de comunicação social da Universidad de Buenos Aires, também foram entrevistadas. “Não é possível termos um governo que esteja contra a possibilidade de que jovens estudem e possam se formar para ter bons trabalhos, me parece que preferem que sejamos um povo ignorante”, disse a estudante de artes.
A questão dos estudantes periféricos, sobretudo aqueles que são pioneiros no ensino superior em suas famílias, é central nas reivindicações. Os cortes de Milei vão afetar principalmente este setor, que não tem um capital cultural estabelecido. Um estudante de Medicina humilde, que é o primeiro da família a frequentar um curso superior, afirmou a importância de se defender a educação pública. “Vim defender o projeto de país de toda a minha família”, afirmou.
O governo Milei
Os cortes nas universidades que motivaram a manifestação multitudinária foram anunciados por Milei no âmbito do seu “plano motosserra”, que tem como objetivo realizar uma série de arrochos orçamentários com a desculpa de remediar a crise econômica que vive o país. No Brasil, a mídia hereditária vem fazendo alarde sobre o anúncio do governo argentino da última segunda-feira (22) de que o país registrou superávit pelo terceiro mês consecutivo. Mas pouco explicou ao leitor brasileiro às custas de quê.
No caso das universidades, a Argentina dispõe de um dos mais completos e sofisticados sistemas de ensino superior gratuito do continente, com amplo acesso à população – o que só foi atingido após gerações de lutas sociais no país. Mas dependem justamente do financiamento público para funcionar.
Antes da Marcha Universitária, Manuel Adorni, o porta-voz da presidência, afirmou que a “educação é um dos pilares fundamentais da nossa ideologia. Não temos vontade de fechar as universidades”. É claro que não as querem fechar. Apenas destruir o acesso gratuito à educação superior – e faturar um monte de dinheiro com isso.
Victoria Villarruel, a vice-presidente, publicou na noite desta terça-feira uma provocação à Marcha Universitária. Longe de se referir à reivindicação em si ou de defender o brutal ajuste que seu governo está implementando contra todas as universidades do país, a Vice-Presidente escolheu publicar uma mensagem e dedicá-la à já falecida presidente das Mães da Praça de Maio, Hebe de Bonafini.
"Bonafini, veja o que você perdeu", escreveu Villarruel junto com uma captura de imagem do momento em que Taty Almeida, outra referência das Mães e dos Direitos Humanos, falava diante da multidão presente na Praça de Maio.
A reação da vice-presidente, reconhecida por seu forte negacionismo e defesa ferrenha dos genocidas da ditadura militar argentina, foi interpretada não apenas como uma provocação, mas também como uma falta de respeito para com a referência das Mães de Maio, falecida em 20 de novembro de 2022.