A mídia argentina está excitada com o encontro entre o empresário Elon Musk e o presidente Javier Milei que aconteceu hoje, em Austin, no Texas.
Os dois se dizem defensores do livre mercado e do estado mínimo.
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Musk ficou apaixonado pelo discurso de Milei em Davos, na Suiça, em janeiro, quando o argentino disse que mesmo os partidos social democratas e democratas cristãos do Ocidente estavam contaminados pelas ideias socialistas da justiça social.
Na visão de Milei, a busca por justiça social trava a liberdade capitalista. É neste contexto que ele encerra todo discurso falando em "liberdade, carajo".
O diário Clarin fez uma descrição minuciosa da fábrica da Tesla onde Musk recebeu Milei, a segunda maior planta industrial dos Estados Unidos, depois da Boeing.
Milei e a irmã Karina posaram para uma foto diante do futurístico Cibertruk elétrico, que um entusiasmado repórter da Forbes descreveu como "uma caverna humana para um mundo pós-apocalíptico que irá protegê-lo da queda de destroços e de munições que se aproximam enquanto você foge do perigo".
HOMENS-ESPETÁCULO
Milei e Musk poderiam ser siameses quando se trata de fazer espetáculo.
O argentino tem um canil na Quinta de Olivos para seu cachorro morto, Conan, e disse numa entrevista à CNN em espanhol que conversa com o bicho todos os dias de manhã.
Católico de nascimento, Milei está se convertendo ao judaísmo e, em Miami, recebeu o título de "embaixador da luz" do grupo ortodoxo Chabad Lubavitch, com o objetivo de "combater as trevas".
Musk tem um ego tão impressionante quanto suas pretensões de "civilizar" Marte.
Ele nem sempre cumpre as promessas que faz: o Cibertruk foi anunciado em 2019 com o preço de U$ 40 mil, mas a versão 2024 com todos os acessórios passa de U$ 100 mil.
Ele explora muito bem a cultura da escassez: quando as promessas de produção não são cumpridas, as filas de espera só aumentam à espera do objeto do desejo.
O encontro de Musk e Milei em Austin tinha o objetivo de cimentar negócios do interesse de ambos: uma fábrica da Tesla na Argentina em troco do acesso de Musk às reservas de lítio da Argentina.
CRAQUES DO MARKETING
Tanto Milei quando Musk são feras do marketing.
O dono da SpaceX e da Tesla comprou o ex-Twitter, rebatizou de X e logo alcançou 180 milhões de seguidores, segundo jornalistas investigativos manipulando o algoritmo da empresa que controla.
No vôo mais recente do SpaceX, tanto o foguete de propulsão quanto o veículo principal, que deveriam cair no mar e ser reaproveitados, explodiram ou foram explodidos.
Ainda assim, Musk e sua legião de fãs apaixonados fizeram parecer no X que tratou-se de mais um grande sucesso.
OUSADO REI DO SUBSÍDIO
A autopromoção de Musk faz lembrar o empresário Eike Batista, que depois de ser aclamado em dezenas de capas de revista como um gênio do capitalismo, submergiu sob o peso de maus negócios.
Musk, no entanto, tem um segredo que não sai na mídia: uma parte significativa de seu sucesso, especialmente na construção de carros elétricos, se deve a dinheiro do Estado.
Em 2022, o governador da Califórnia, Gavin Newson, disse num encontro de lideranças do Oeste dos EUA:
Não haveria Tesla sem o marco regulatório [favorável] da Califórnia.
O escritório do governador calculou que a Tesla tinha sido beneficiária de U$ 3,2 bilhões de dólares em subsídios diretos e indiretos do Estado.
Foi a forma que Newson encontrou de dividir o palco com Musk e receber dividendos políticos.
Até 2032, a Califórnia pagará U$ 7.500 ao comprador de um carro elétrico novo e U$ 4 mil se for usado. É dinheiro público na veia de Musk.
Em uma de suas muitas birras, o empresário mudou a sede da Tesla para Austin, no Texas, acusando a Califórnia de cobrar muitos impostos e depois de desafiar autoridades de saúde locais.
Em plena pandemia de covid-19, Musk reabriu sua fábrica de Fremont, na região de São Francisco.
Numa postagem do X, disse que se alguém tivesse de ser preso por isso, que fosse ele. Eventualmente, o empresário fez um acordo com autoridades do condado, mas centenas de casos de covid foram registrados na fábrica.
Em 2023, ao lado do governador Newson, Musk anunciou que estava transferindo todo o setor de engenharia da Tesla de volta para a Califórnia.
Como bom capitalista, Musk explora todas as oportunidades que surgem para pagar menos impostos e obter dinheiro do contribuinte, sempre em sintonia com agentes públicos.
HIPOCRISIA
A SpaceX, que faz parte do conglomerado de Musk, tem dois contratos governamentais de mais de U$ 3,6 bilhões, com a NASA e a Força Aérea dos Estados Unidos.
Musk chegou a "leiloar" o destino de sua fábrica de baterias de lítio, que acabou instalada nas proximidades de Reno, Nevada, às custas de U$ 1,3 bilhão em subsídios diretos e indiretos do estado.
Como bom livre mercadista, Musk faz campanha contra o imposto dos bilionários.
Em entrevistas, falou contra subsídios e incentivos fiscais e disse que o governo não era um bom "capitão da indústria".
Num seminário do Wall Street Journal, afirmou que os subsídios deveriam ser varridos de um pacote do presidente Joe Biden, que ironicamente continha U$ 7,5 bilhões para desenvolver infraestrutura para carregar carros elétricos.
A hipocrisia é óbvia.
Uma detalhada investigação do Los Angeles Times sustenta que Musk recebeu cerca de U$ 5 bilhões em subsídios na fase crítica do desenvolvimento de seus negócios, até 2015. Depois disso, como peso pesado nos ramos dos foguetes, carros elétricos e painéis solares, arrancou ajuda de estados como Nova York e Nevada, além do governo federal.
Até o Texas, que Musk define como uma espécie de paraíso capitalista, pela baixa regulamentação dos negócios, deu U$ 15 milhões ao empresário para construir o centro de lançamento de foguetes no estado. Com prebendas adicionais: fechamento automático de uma praia em dia de lançamento e garantias legais contra ações na Justiça causadas pelo barulho.