A presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), acaba de voltar de uma viagem à China. Ela esteve na potência asiática para fazer intercâmbio com o Partido Comunista Chinês (PCCh).
Neste domingo (14), a jornalista Míriam Leitão escreveu em O Globo um artigo intitulado "PT ajuda a versão do adversário ao defender que tem a mesma proposta do PC Chinês".
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O artigo é um festival de desconhecimento sobre o processo democrático chinês. A primeira frase, "A China é uma ditadura", sepulta logo na largada qualquer tentativa de estabelecer um diálogo razoável.
A métrica usada por Leitão considera que há só um modelo de democracia: o liberal, sustentado como único pelos EUA e que destaca a centralidade do voto.
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Já a China respeita plenamente o direito dos povos de todos os países de escolherem seu próprio caminho de desenvolvimento de forma independente e é contra países que criam divisões e espalham preconceitos na comunidade internacional sob o pretexto de democracia.
Para os chineses, não se trata apenas das promessas verbais recebidas durante as eleições, mas também de quantas dessas promessas são cumpridas posteriormente.
Leitão desconsidera que essa talvez seja uma das questões mais pertinentes para o mundo atual. Há um duelo em curso entre as duas maiores economias globais, China e Estados Unidos, que tentam liderar a construção de um consenso sobre o tema. Cada uma da própria maneira.
A aula de Gleisi
Mas Gleisi foi paciente e resolveu responder à jornalista da mídia liberal em uma longa postagem publicada no X.
Primeiro, ela esclarece o questionamento sobre o momento da viagem e das declarações feitas por ela em um cenário de ofensiva da extrema direita, com argumentos mentirosos sobre comunismo e uma ditadura no Brasil.
"Logo de início deixa claro, corretamente, que o PT governou o Brasil sempre de forma democrática", afirma.
A presidenta nacional do PT informa que a visita estava programada há tempo, desde a vinda ao Brasil, em setembro do ano passado, do dirigente do comitê Central do PCCh, Li Xi. Ela também explica o processo e a importância dessas relações entre o PT e o PCCh para o Brasil.
- Há 40 anos PT e PCCh têm relações políticas. Há 50 anos, Brasil e China retomaram relações diplomáticas e em 1993 firmaram uma parceria estratégica, aprofundando suas relações políticas e comerciais. Isso tem sido vital para a economia de nosso país e sucesso de nossas exportações. Hoje a China é o nosso principal parceiro comercial, graças à política determinada do presidente Lula a partir de seu primeiro mandato.
- Nunca seguimos o processo político chinês de governança, o que não nos impede de avaliarmos de maneira positiva o que ele trouxe à China, seu desenvolvimento célere em 40 anos, saindo de uma economia praticamente feudal para a grande potência mundial que é hoje. Estão construindo o modelo socialista a partir de sua realidade e sustentando um país com 1,4 bilhão de habitantes.
- Não existe um modelo acabado de socialismo, é uma construção a partir da realidade, cultura e condições políticas de cada país. O PT defende o socialismo democrático, a ser construído de acordo com nossa realidade, condições e vantagens competitivas. Ao fim e ao cabo, o que queremos é que o povo brasileiro seja considerado nesse processo, saindo da miséria e pobreza, tendo condições dignas de vida. Para isso precisamos ser ousados, como foram os chineses, sempre considerando a nossa realidade.
- O que vi na China foi uma sociedade próspera, que cresce, inclui a população e influencia o mundo. Com grandes investimentos na indústria, infraestrutura e tecnologia. Eles têm um planejamento para o desenvolvimento do país. Sim é o Partido Comunista quem governa, de forma planejada e organizada. E isso vem dando certo para a maioria do povo chinês.
- Aqui, somos histórica e culturalmente diferentes. Temos diversidade partidária e de opiniões, mas isso não impede de planejarmos um modelo de desenvolvimento que corresponda às dimensões, à potencialidade e às necessidades do Brasil. Os chineses têm como meta, por exemplo, o investimento de 10% do seu PIB em pesquisa e desenvolvimento. E nós, qual é a meta que nos move?
- Somos grandes, importantes na geopolítica, e nos tratamos como pequenos, amedrontados por um debate conjuntural, que se não enfrentarmos nos levará a derrota no desenvolvimento do país. É preciso ousadia da elite brasileira para fazer do Brasil uma potência. E ele pode e deve ser.
- O PT chega até aqui sem esconder suas posições, talvez por isso chegamos. Disputando ideias e defendendo causas, e isso com o DNA democrático, que foi uma das causas fundantes da nossa existência.
- Há muito preconceito sobre a vida no Oriente. Os ocidentais nutrem uma prepotência enorme em relação ao que conhecem pouco. Não precisamos copiar ninguém, apenas reconhecer o sucesso alheio e ver quais ensinamentos nos proporcionam.
- O agronegócio brasileiro e o setor de minérios sabem muito bem o que a China representa para seus interesses. Se acham que é uma ditadura a ser combatida podiam começar por encerrar as relações comerciais que têm com o país governado pelo Partido Comunista. Ao fim ao cabo, esses setores de tanto sucesso no Brasil, estão alimentando e incentivando a governança chinesa.
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Por fim, quero deixar claro que conhecer e avaliar experiências de outros países é obrigação de um partido político que se propõe ser transformador. O PT mantém relações com partidos de tradição socialista, popular e democrática dos mais diversos países.
"Não podemos parar de conhecer e aprender por causa das mentiras da extrema-direita. Miriam Leitão diverge com civilidade de nossas posições, diferentemente de colegas que usam o deboche ou simplesmente repetem o discurso da extrema-direita. Estes sim, dão munição ao adversário da democracia", finaliza a deputada
Talvez seja uma ótima oportunidade para que Leitão ajuste as lentes de olhar para o mundo sem orientalismos ou maniqueísmo míope. Há muito mais camadas no conceito fluido de democracia do que pura e simplesmente o voto. Entre essas camadas está a melhoria da qualidade de vida do povo.
O Brasil pode achar o próprio caminho para o desenvolvimento, assim como fez a China. Não necessariamente ele será forjado fechando os olhos para a experiência de um país que tirou mais de 800 milhões da extrema pobreza em plena pandemia da Covid.