A busca incessante pelo crescimento econômico e a desigualdade social do sistema capitalista estão diretamente ligadas ao aumento dos transtornos de saúde mental, especialmente entre as populações mais pobres. Essa uma das conclusões do relatório "Economia do Burnout: Pobreza e Saúde Mental", da ONU.
Elaborado pelo relator especial Olivier De Schutter, o documento aponta que a obsessão pelo aumento do Produto Interno Bruto (PIB) e a competitividade exacerbada nas sociedades modernas criam condições econômicas e sociais que agravam a ansiedade, depressão e outras doenças mentais.
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O relatório identifica um ciclo vicioso entre pobreza e saúde mental: a pobreza expõe os indivíduos a maior risco de transtornos mentais, enquanto esses mesmos transtornos dificultam que as pessoas escapem da pobreza.
Ansiedade por status
Em entrevista à ONU News, em Nova York (EUA), De Schutter destacou que as desigualdades sociais geram o que ele chama de “ansiedade por status”, um fenômeno em que as pessoas, especialmente da classe média, vivem com o medo constante de cair na pobreza.
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"Quanto mais desigual uma sociedade, mais as pessoas sentem esse medo, levando a quadros de estresse, depressão e ansiedade", explicou o relator.
Ele argumenta que é urgente abandonar a ideia de que o crescimento econômico, medido pelo PIB, é uma solução mágica para erradicar a pobreza.
"O PIB não é a varinha mágica", afirmou.
Para De Schutter, a busca por crescimento desenfreado está, na verdade, ampliando o fosso entre ricos e pobres, gerando sérios problemas de saúde mental e intensificando o medo de "ficar para trás" na sociedade.
Precarização do trabalho
A precarização do trabalho é outra preocupação de De Schutter. Segundo ele, o maior fator de risco atual é uma economia que opera 24 horas por dia, 7 dias por semana, na qual trabalhadores e trabalhadoras precisam estar constantemente disponíveis sob demanda.
De Schutter destacou que essa lógica de trabalho, especialmente prevalente entre trabalhadores e trabalhadoras de aplicativos e plataformas digitais, resulta em horários instáveis, dificultando o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.
"A incerteza constante sobre horários e carga de trabalho é uma grande fonte de depressão e ansiedade", alertou.
O relator também apontou que, embora essa realidade afete particularmente os trabalhadores e trabalhadoras de aplicativos, o fenômeno se estende a diversas indústrias ao redor do mundo, intensificando o impacto na saúde mental de milhões de trabalhadores e trabalhadoras.
Crise climática
A crise climática é apontada como outra causa de ansiedade no mundo atual, comentou o relator especial da ONU sobre Pobreza e Direitos Humanos.
O relatório destaca que fenômenos como inundações, secas e aumento das temperaturas têm destruído os meios de subsistência de milhões de agricultores e agricultoras e povos indígenas, que dependem diretamente de recursos naturais.
De Schutter estima que cerca de 400 milhões de pessoas em todo o mundo vivem da exploração sustentável de florestas e outros recursos naturais, e agora estão testemunhando o "desmoronamento do mundo natural". Em algumas regiões, essa degradação ambiental tem levado ao aumento das taxas de suicídio, segundo o relatório.
O documento revela que 11% da população mundial já sofre de algum transtorno mental, e a expectativa é que esse número aumente nos próximos anos. De Schutter alerta que um em cada dois adultos poderá enfrentar problemas de saúde mental ao longo da vida.
As pessoas em situação de pobreza são as mais vulneráveis. De acordo com o relator, aqueles que vivem em condições de pobreza têm três vezes mais chances de desenvolver depressão e ansiedade, devido às condições adversas que enfrentam.
População em situação de rua
Outro ponto destacado por De Schutter foi o círculo vicioso que conecta a pobreza à saúde mental, especialmente para a população em situação de rua. Segundo ele, indivíduos que enfrentam depressão e ansiedade encontram mais dificuldades em continuar trabalhando ou buscar emprego, agravando sua condição de vulnerabilidade.
De Schutter mencionou que muitas pessoas em situação de rua sofrem com problemas de saúde mental, o que frequentemente leva ao rompimento de laços familiares e sociais, alimentado pela vergonha de sua condição. A estigmatização e a falta de redes de solidariedade agravam ainda mais a pobreza dessas pessoas, aumentando o risco de perderem seus abrigos.
Renda básica universal
Entre as soluções propostas pelo relator, está a renda básica universal, que garantiria a todos um valor mínimo sem condicionalidades, como forma de livrar as pessoas da ameaça da pobreza. De Schutter defende que medidas como essa, juntamente com o fortalecimento da economia social e solidária e a reforma no mundo do trabalho, são essenciais para proteger o bem-estar da população.
O relator anunciou que está colaborando com ONGs, sindicatos, movimentos sociais e especialistas acadêmicos para desenvolver um plano de ação que ofereça uma alternativa ao crescimento econômico como único meio de erradicar a pobreza. A previsão é que o plano seja apresentado no final de 2025.
Leia aqui o relatório (em inglês)