Em discurso durante a 16ª Cúpula do BRICS, realizada em Kazan, na Rússia, entre os dias 22 e 24 de outubro, o presidente da China, Xi Jinping, observou que o mundo vivencia um período de turbulência e transformação que nos confronta com escolhas cruciais que vão moldar o nosso futuro.
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Na fala, proferida na quarta-feira (23), Xi Jinping questiona se podemos deixar o mundo descer ao abismo da desordem e caos, ou devemos nos esforçar para conduzi-lo de volta ao caminho da paz e desenvolvimento?
"Isso me lembra de um romance escrito por Nikolay Chernyshevsky intitulado 'O que fazer?'. A determinação inabalável e o impulso entusiasmado da protagonista são exatamente a força de vontade que precisamos hoje", comentou.
Quem não deve ter ficado muito feliz com essa referência foi o anfitrião do evento, o presidente russo Vladimir Putin. As ideias do autor da obra citada por Xi influenciaram diretamente muitos dos futuros líderes revolucionários, incluindo Vladimir Lenin, que o considerava uma das principais influências em sua formação política.
Lenin chegou a nomear um de seus ensaios mais importantes, "O Que Fazer?" (1902), em homenagem ao romance recomendado pelo presidente chinês.
Lenin e a Guerra da Ucrânia
Putin critica Lenin por ter permitido a criação da República Socialista Soviética da Ucrânia em 1917, com base na ideia de que o território ucraniano, que incluía regiões historicamente russas, foi artificialmente separado da Rússia.
Segundo Putin, Lenin cometeu um erro ao dar à Ucrânia status de república dentro da União Soviética, com autonomia política, jurídica e cultural, algo que facilitou a separação da Ucrânia após o colapso da URSS.
O presidente russo argumenta que partes significativas do que hoje é a Ucrânia, como as regiões de Donetsk, Luhansk e Crimeia, têm raízes russas profundas e foram injustamente transferidas para a Ucrânia sob as políticas de Lenin.
Em diversos discursos, Putin afirmou que as fronteiras atuais da Ucrânia são uma criação artificial das políticas bolcheviques de Lenin e seus sucessores, como uma concessão para manter a coesão do novo Estado soviético.
Ele argumenta que essas fronteiras ignoraram as realidades históricas e étnicas das populações dessas regiões, especialmente em áreas onde predominam russos étnicos ou falantes de russo.
Romance 'O que fazer?'
O romance de Chernyshevsky segue a história de Vera Pavlovna, uma jovem que foge de sua família repressiva em busca de liberdade e emancipação.
Para escapar de um casamento arranjado, ela se casa com um estudante chamado Lopukhov, com quem compartilha valores progressistas.
A partir dessa união, Vera começa a desenvolver sua independência e inicia uma oficina de costura cooperativa, um símbolo de autossuficiência e liberdade para as mulheres trabalhadoras.
Ao longo da história, o marido de Vera, Lopukhov, permite que ela explore seus próprios desejos e se apaixone por seu amigo, Kirsanov. O relacionamento entre eles é retratado de forma não convencional, sem ciúmes ou possessividade, refletindo os ideais utópicos de igualdade e liberdade pessoal que Chernyshevsky promovia.
O romance é conhecido por suas ideias políticas e sociais radicais, promovendo o socialismo utópico, a emancipação das mulheres e a reforma social.
Uma das partes mais famosas do livro é o "sonho de Vera", no qual ela visualiza um futuro ideal, com uma sociedade livre da opressão de classe e de gênero.
Quem foi Nikolay Chernyshevsky
Nikolay Chernyshevsky (1828–1889) foi um filósofo, crítico literário, economista e escritor russo, amplamente conhecido por sua influência no movimento revolucionário russo e por seu papel como um dos principais teóricos do socialismo utópico na Rússia.
Ele é mais famoso pela obra citada por Xi, escrita em 1863, que inspirou gerações de revolucionários, incluindo Lenin.
Nascido em Saratov, na Rússia, Chernyshevsky estudou na Universidade de São Petersburgo, onde foi profundamente influenciado pelas ideias de filósofos socialistas europeus como Charles Fourier e Pierre-Joseph Proudhon, além dos ideais democráticos do Iluminismo.
Ele tornou-se um dos principais críticos do regime czarista e um defensor das ideias de reforma social, inspirando-se no socialismo utópico para propor uma nova ordem social baseada na igualdade e na abolição das classes.
Como crítico literário e editor da revista radical Sovremennik (O Contemporâneo), Chernyshevsky usou sua posição para disseminar ideias revolucionárias e criticar a opressão política e social na Rússia. Ele acreditava no poder transformador da literatura e da educação como meios de libertar o povo russo.
Seu trabalho defendia a emancipação dos camponeses, o fim da servidão e a necessidade de mudanças estruturais radicais na sociedade russa.
Escritos na prisão
Em 1862, Chernyshevsky foi preso pelo regime czarista devido às suas atividades políticas e escritos que incitavam à revolução.
Após ser condenado, ele passou 19 anos em uma prisão na Sibéria, seguido por mais seis anos de exílio forçado.
O romance "O Que Fazer?" foi escrito enquanto Chernyshevsky estava preso na Fortaleza de Pedro e Paulo, em São Petersburgo, acusado de atividades subversivas contra o regime czarista.
Na obra, ele descreve a visão de uma sociedade futura socialista e apresenta personagens idealizados, como Rakhmetov, que se tornariam modelos de comportamento para os revolucionários russos.
O livro teve um impacto profundo na juventude revolucionária russa e foi considerado um manual de ativismo político, defendendo a criação de uma nova sociedade justa e igualitária.
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