Durante a 16ª Cúpula do BRICS, realizada em Kazan, na Rússia, de 22 a 24 de outubro, chamaram a atenção trajes que fogem do padrão adotado pelos países ocidentais para trajes masculinos em espaços de poder: o terno e a gravata.
É o caso das vestimentas de quatro dos dez representantes dos países membros que participaram do evento: Índia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Te podría interesar
O presidente do Irã, Masoud Pezeshkian; o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e os chanceleres dos Emirados Árabes Unidos, Sheikh Mohammed bin Zayed Al Nahyan, e da Arábia Saudita, Faisal bin Farhan Al Saud, usaram trajes típicos de seus países.
Adotaram o estilo ocidental de terno e gravata o presidente da Rússia e anfitrião, Vladimir Putin; o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed; o presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi; o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa; o presidente da China, Xi Jinping; e o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira.
Te podría interesar
Modi celebra a cultura indiana
Narendra Modi, o primeiro-ministro da Índia, geralmente evita usar gravata porque prefere se vestir de acordo com a tradição indiana. Seu estilo inclui trajes como o kurta e a jaqueta Nehru, que refletem a cultura e a história indiana.
A ausência da gravata simboliza sua conexão com as raízes indianas, além de ser uma forma de se distanciar de estilos ocidentais formais, o que também reflete seu posicionamento político de valorização das tradições e da identidade nacional do país.
As vestimentas tradicionais da Índia variam amplamente de acordo com a região, cultura, religião e ocasião. Há diversas opções femininas, como o sari, um longo tecido enrolado ao corpo; o salwar kameez, conjunto composto por uma túnica longa e calças largas; e a lehenga choli, traje tradicional composto por saia longa e blusa ajustada.
Há ainda uma vestimentas unissex, a churidaar, que consiste calças justas que se afinam nos tornozelos e são usadas tanto por homens quanto por mulheres com diferentes tipos de trajes tradicionais, como kurtas.
Para os homens, há um guarda-roupas variado.
- Kurta Pyjama: Uma roupa composta por uma kurta (túnica longa) e pyjama (calças simples e ajustadas). Este é um traje cotidiano ou formal em várias regiões da Índia.
- Dhoti: Um pano longo, amarrado ao redor da cintura e pernas, geralmente usado em ocasiões formais e religiosas. O dhoti é comum no norte da Índia e em partes do sul.
- Sherwani: Um casaco longo e abotoado, usado sobre o kurta, frequentemente em casamentos ou eventos formais. É um traje masculino nobre e decorado, principalmente associado ao norte da Índia.
- Lungi: Similar ao dhoti, o lungi é uma vestimenta enrolada ao redor da cintura, mais comum no sul da Índia. Ele pode ser estampado ou simples.
- Pagri (ou Turbante): Usado em várias partes da Índia, principalmente no norte e entre a comunidade sikh. O turbante simboliza respeito e dignidade.
A jaqueta Nehru, escolhida por Modi durante a Cúpula do BRICS, foi popularizada por Jawaharlal Nehru, o primeiro-ministro da Índia independente e tornou-se um símbolo da independência indiana em relação ao colonialismo britânico.
LEIA TAMBÉM: Roupas para resistir ao imperialismo
Feita de khadi, tecido artesanal associado ao movimento de resistência ao imperialismo, a peça reflete a promoção de uma identidade indiana distinta, em contraste com a moda ocidental imposta pelos colonizadores.
Com seu colarinho mandarin e design minimalista, a jaqueta representa orgulho nacional, autossuficiência e a luta pela independência, sendo até hoje usada por figuras políticas e culturais em ocasiões formais, evocando história e patriotismo.
Essas vestimentas representam a diversidade cultural da Índia e variam significativamente em tecidos, cores e estilos, de acordo com o clima, a ocasião e as tradições locais.
As vestes do Oriente Médio
As vestimentas tradicionais dos Emirados Árabes Unidos, usada pelo presidente Sheikh Mohammed bin Zayed Al Nahyan, e da Arábia Saudita, adotada pelo chanceler Faisal bin Farhan Al Saud têm muitas semelhanças devido à herança cultural e religiosa comuns, mas também têm algumas diferenças que refletem aspectos locais e regionais. Ambas seguem os princípios da modéstia, de acordo com a cultura islâmica, e são adaptadas ao clima quente e desértico da região.
Emirados Árabes Unidos
- Kandura (ou Dishdasha): A kandura é uma longa túnica branca usada por homens no país. É geralmente feita de algodão ou lã, leve e solta, perfeita para o clima árido. Em ocasiões formais, o tecido pode ser mais fino e elegante. Embora a cor branca seja a mais comum, tons escuros são usados durante o inverno.
- Ghutra e Agal: O ghutra, um lenço tradicional que cobre a cabeça, geralmente é branco ou quadriculado (vermelho e branco). O agal, um cordão preto, segura o ghutra no lugar. Nos Emirados, o estilo de amarrar o ghutra pode variar.
- Bisht: Usado em eventos formais, é um manto largo que é colocado sobre a kandura, geralmente em cores como preto, dourado ou marrom, sendo um símbolo de prestígio e status social.
Já as vestimentas femininas incluem a abaya, uma túnica longa, geralmente preta, usada pelas mulheres sobre suas roupas. Embora a cor preta seja tradicional, nos Emirados podem ser bastante elaboradas, com bordados, pedras e detalhes em cores, especialmente para ocasiões formais. Essa peça simboliza modéstia e elegância.
O shayla é um lenço simples usado para cobrir a cabeça, deixando o rosto descoberto. Assim como a abaya, ele pode ter detalhes decorativos. Algumas mulheres usam o niqab, que cobre o rosto, deixando apenas os olhos à mostra. O burqa, que cobre o rosto inteiro, é menos comum nos Emirados.
Arábia Saudita
- Thobe (ou Thawb): O thobe saudita é muito semelhante à kandura dos Emirados Árabes, sendo uma túnica longa até os tornozelos, com mangas compridas. A cor branca é predominante, mas, como nos Emirados, os sauditas também optam por cores mais escuras no inverno.
- Shemagh e Ghutra: Na Arábia Saudita, o lenço de cabeça usado pelos homens é chamado de shemagh quando possui um padrão quadriculado vermelho e branco, ou ghutra quando é totalmente branco. O agal é usado da mesma forma que nos Emirados, segurando o lenço no lugar.
- Bisht: Assim como nos Emirados, o bisht é uma peça de vestuário formal usada em ocasiões especiais, como casamentos ou reuniões de alto nível.
Para as mulheres da Arábia Saudita, existe também a abaya, uma peça longa e preta, mas tende a ser mais conservadora em comparação com as dos Emirados. Embora existam modelos com detalhes, bordados ou variações de cor, a abaya na Arábia Saudita costuma ser mais simples e modesta.
O hijab cobre a cabeça e o pescoço, sendo amplamente utilizado. Muitas mulheres sauditas também usam o niqab, que cobre o rosto, exceto os olhos. Em áreas mais conservadoras, o niqab é mais comum do que nos Emirados. Embora menos comum, o burqa também pode ser usado, cobrindo o rosto e o corpo de forma completa.
Nos Emirados Árabes Unidos, a vestimenta feminina, especialmente a abaya, é frequentemente mais decorada, com variações de design que permitem um toque de estilo pessoal. Na Arábia Saudita, o estilo tende a ser mais conservador, especialmente em regiões mais tradicionais do país, como em Riad.
Ambas as vestimentas masculinas e femininas são feitas de tecidos leves, adequados para o calor intenso. Porém, a cor preta das abayas e a túnica branca para os homens são escolhas predominantes tanto nos Emirados quanto na Arábia Saudita, pois ajudam a refletir ou absorver a luz solar de forma eficiente.
Em ambos os países, as vestimentas refletem valores islâmicos de modéstia e respeito às tradições culturais. No entanto, há espaço para a expressão de status social e formalidade, especialmente por meio de itens como o bisht e os detalhes decorativos das abayas nos Emirados. Esses trajes, além de funcionais, carregam um forte significado de identidade e orgulho nacional.
A resistência iraniana
Os trajes tradicionais do Irã refletem a rica herança cultural do país e o forte compromisso com os valores islâmicos de modéstia. As roupas iranianas, tanto masculinas quanto femininas, são influenciadas pela religião, tradição e, em algumas ocasiões, por normas regionais específicas.
Embora o Irã tenha uma diversidade de trajes tradicionais em suas diversas regiões, as vestimentas modernas seguem principalmente as diretrizes islâmicas estabelecidas após a Revolução de 1979.
No guarda-roupas das mulheres aparece o chador, uma peça longa de tecido, geralmente preta, que cobre todo o corpo, exceto o rosto. Ele é usado por muitas mulheres no Irã em público, especialmente em áreas mais conservadoras. O chador simboliza modéstia e é amplamente utilizado em locais religiosos e em situações formais.
Todas as mulheres no Irã são obrigadas a usar o hijab, cobrindo o cabelo e o pescoço. O estilo e o tipo de hijab variam entre as mulheres; algumas optam por lenços mais coloridos e modernos, enquanto outras preferem hijabs mais tradicionais, como o roosari, um véu mais simples.
O manteau é um casaco longo que cobre o corpo das mulheres, sendo uma peça fundamental no vestuário feminino contemporâneo iraniano. Ele é usado em combinação com o hijab, oferecendo uma alternativa mais prática e moderna ao chador. Pode ser encontrado em diferentes estilos, cores e materiais, e é uma forma das mulheres expressarem sua individualidade, dentro dos limites das normas islâmicas.
O maghnaeh é um véu usado por muitas mulheres iranianas em contextos formais, como no trabalho ou nas escolas. Ele cobre completamente o cabelo, o pescoço e os ombros, sendo uma peça comum entre mulheres que trabalham no setor público.
Vestimentas masculinas
As autoridades iranianas, como o presidente Masoud Pezeshkian, evitam o uso de gravatas por razões culturais, religiosas e políticas. A rejeição da gravata é uma forma de afirmar a identidade cultural e religiosa do Irã, alinhando-se aos valores islâmicos e à oposição ao que é considerado um vestígio do colonialismo e do imperialismo ocidental. Isso se reflete no uso de trajes tradicionais, como o colarinho fechado, que substitui a gravata.
- Pirahan: Camisa longa usada pelos homens, especialmente nas regiões mais tradicionais e rurais do Irã. Ela é semelhante a uma túnica e é feita de tecidos leves, como algodão, para se adequar ao clima do país.
- Shalvar: Calça folgada e tradicionalmente usada por homens em várias regiões do Irã. É feita de tecidos leves e confortáveis, adequada tanto para o clima quente quanto para o uso diário.
- Camiseta de Colarinho Mao: Muitos homens iranianos também adotam uma versão mais moderna da camisa de colarinho mao, sem gravata, que combina a tradição com a modernidade. Essa escolha reflete tanto o respeito pelas normas culturais quanto o desejo de conforto e praticidade.
- Terno Ocidental: Embora os trajes tradicionais sejam usados em muitas regiões, em áreas urbanas e nos negócios, muitos homens optam por usar ternos no estilo ocidental. No entanto, ao contrário dos trajes ocidentais, o uso da gravata é raro no Irã desde a Revolução Islâmica, pois é considerado um símbolo ocidental.
As vestimentas tradicionais e contemporâneas no Irã refletem a interseção entre cultura, religião e identidade nacional. Embora a modéstia seja o princípio central, a diversidade cultural do país e a influência das mudanças sociais têm permitido variações regionais e modernizações no vestuário, sempre dentro dos parâmetros das normas islâmicas. Essas roupas não são apenas práticas e adaptadas ao clima, mas também carregam significados profundos de identidade, resistência cultural e orgulho nacional.
De onde vem o terno
A origem do terno masculino moderno remonta ao século 17, influenciada pela moda europeia, especialmente durante o reinado de Luís XIV, quando trajes ornamentados e opulentos dominavam. Na Inglaterra, surgia a "Restoration suit", um conjunto formal que pavimentou o caminho para o futuro terno.
No século 18, trajes como o justacorps e o frock coat marcaram uma transição para um estilo mais elegante e prático. No início do século 19, o dândi britânico Beau Brummell revolucionou a moda masculina ao popularizar trajes sob medida e discretos, precursando o terno moderno.
O terno de três peças, que se consolidou no final do século 19, foi impulsionado por figuras como o Príncipe Eduardo VII. No início do século 20, a Primeira Guerra Mundial influenciou o design do terno, tornando-o mais simples e funcional.
Nas décadas seguintes, o terno passou por várias transformações: dos cortes ajustados dos anos 1950, ao estilo ousado dos anos 1970, até os "ternos de poder" dos anos 1980. Atualmente, o terno é versátil, combinando tradição e modernidade, com opções que variam entre o clássico e o casual chic.
Essas mudanças refletem a evolução cultural, social e econômica ao longo dos séculos, com o terno se tornando uma peça central da moda ocidental.
Siga os perfis da Revista Fórum e da jornalista Iara Vidal no Bluesky