Após um mês no governo, Javier Milei enfrenta críticas sobre a eficácia de sua administração. Avaliações indicam que a passagem do discurso de campanha para a gestão não conseguiu ampliar o apoio da sociedade.
As políticas de desregulação econômica de Milei, que resultaram no aumento dos preços de alimentos, aluguéis, gasolina e cobertura de saúde, são apontadas como prejudiciais para os setores médios e populares.
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Pesquisadores ouvidos pelo veículo progressista Página |12, da Argentina, discutem os eleitores de La Libertad Avanza (LLA), destacando as diferenças com o eleitorado de direita na América Latina e explorando os valores que ligam a tradicional direita conservadora aos jovens atraídos pela ideia de um capitalismo sem restrições.
Confira abaixo os principais destaques desse levantamento.
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Extrema direita heterogênea
Daniel Feierstein, sociólogo, e Gabriel Kessler, pesquisador, destacam a complexidade e heterogeneidade das bases de apoio a Javier Milei, refutando a existência de uma única identidade de direita.
Feierstein aponta que o "mileísmo" se beneficia de várias correntes distintas, incluindo jovens atraídos pelo anarco-capitalismo e por um capitalismo sem normas, além de intelectuais neofascistas críticos ao progressismo.
Kessler, por sua vez, observa que a direita na América Latina, incluindo os apoiadores de Milei, exibe uma heterogeneidade ideológica maior do que a encontrada entre eleitores progressistas.
Esta diversidade é resultado de um processo regional e não apenas argentino, concluído através de estudos e grupos focais em diferentes países latino-americanos.
A evolução nas questões culturais e ambientais está remodelando o perfil clássico do eleitor de direita, que tradicionalmente era conservador no aspecto cultural e liberal no econômico.
Essa modernização, especialmente em tópicos como gênero e meio ambiente, permitiu que um espectro mais amplo de eleitores se identificasse com candidatos de direita e extrema direita, baseando seu apoio na concordância com determinadas questões, e não necessariamente em todas.
Diversas camadas de jovens apoiadores de Milei
No livro "Está entre nosotros", coordenado pelo sociólogo e antropólogo Pablo Semán e composto por quatro capítulos que buscam entender as demandas, experiências e formas de organização da "nova direita". Os autores são os pesquisadores Sergio Moresi, Ezequiel Saferstein, Pablo Semán, Melina Vázquez, Martín Vicente e Nicolás Welschinger.
O texto de Melina analisa as diversas camadas de jovens militantes que apoiam Milei, destacando a variada de origens e motivações.
Entre esses jovens, alguns são ex-adeptos do movimento PRO, um partido político de centro-direita fundado em 2005, conhecido por suas políticas neoliberais.
Sob a liderança de Mauricio Macri, o PRO promoveu reformas econômicas liberais, mas enfrentou críticas por levar a Argentina a uma crise econômica e social.
O partido, que é parte da aliança "Cambiemos", teve um papel crucial na eleição de Macri em 2015.
Entre os apoiadores de Milei, há também jovens conservadores envolvidos em movimentos contra o aborto desde 2018 e outros que adotaram uma postura anti-Estado durante a pandemia.
Uma nova geração de militantes, surgida em 2023, está mais organizada em grupos de chat e na estruturação partidária da LLA, refletindo um crescente envolvimento político dos jovens, principalmente em anos eleitorais.
Estratégias do 'mileísmo'
A inspiração do populismo de direita de Milei vem de Murray Rothbard (1926-1995). Um dos cachorros clonados do presidente argentino leva o nome do economista estadunidense e um dos principais teóricos do anarcocapitalismo.
O coordenador da obra "Las derechas argentinas en el siglo XX" (As direitas argentinas no século XX, em tradução livre), Martín Vicente, observa que o movimento de Milei, La Libertad Avanza, representa uma fusão de correntes ideológicas da direita argentina.
O "mileísmo" combina elementos de liberalismo-conservador e nacionalismo-reacionário, agregando grupos com perspectivas variadas, desde anarcocapitalistas até setores militares e religiosos.
Este "fusionismo" permite a Milei atrair uma base diversificada de apoiadores, incluindo jovens liberais e conservadores, e reorganizar as relações tradicionais entre as diferentes vertentes da direita.
Há uma heterogeneidade do espaço das novas direitas com a existência até de grupos femininos liberais dentro da LLA que debatem com setores mais conservadores temas como o aborto
Essa diversidade interna reflete a complexidade e a pluralidade do movimento de Milei, que vai além de uma simples categorização ideológica e abrange um leque de tradições, participações e ideologias diferentes.
Uso das redes sociais por Milei
A decana de Ciências Sociais da Universidad Centroamericana (UCA, El Salvador), Amparo Marroquín, destaca que no caso de Javier Milei, a forma de comunicação é tão ou mais importante que o conteúdo.
O uso das redes por Milei é caracterizado por seu estilo provocativo em temas como o militares, dolarização e venda de órgãos humanos. Ele utiliza intensamente as redes sociais para engajar emocionalmente com segmentos marginalizados da população.
O professor da Universidade de Maryland, Ernesto Calvo, chama atenção para o surgimento de uma comunidade libertária de extrema-direita no espaço digital, envolvendo influenciadores e operações de inteligência.
Calvo destaca a conexão entre figuras como José Antonio Kast, Eduardo Bolsonaro e Javier Milei, tanto a nível de elite quanto nas redes sociais, onde contas apoiadoras participam ativamente da política em Chile, Brasil e Argentina.
Os meios de comunicação tradicionais dos EUA deram pouca visibilidade à campanha de Milei, mas o universo trumpista nos EUA seguiu e celebrou seu resultado eleitoral. Isso incluiu mensagens de Donald Trump e uma entrevista com Tucker Carlson.
Apesar da redução do financiamento da família Koch à rede de extrema direita, devido ao assalto ao Congresso dos EUA e estratégias para limitar a influência de Trump no Partido Republicano, a rede de mídia e contas em redes sociais mantém autonomia, financiando-se através de seu vínculo com a política e crescimento orgânico entre eleitores nos EUA e América Latina.
Crias do Kirchnerismo
Os apoiadores jovens de Milei, marcados por crenças em mérito, punitivismo e individualismo, podem fortalecer sua posição política, mesmo com os crescentes desafios sociais.
Feierstein aponta que esses eleitores, ligados às novas direitas, rejeitam a ideia de comunidade, focando em individualismo e utilizando falhas do progressismo para reforçar conceitos como mérito e identidade própria.
Já Melina sugere que muitos desses jovens militantes de direita, apesar de seguirem Milei, foram influenciados pelo Kirchnerismo, aprendendo a se envolver politicamente através de suas políticas públicas.
Ela nota que, embora o Kirchnerismo tenha atraído as juventudes, seu impacto se estendeu a espaços ideologicamente diversos. Os jovens libertários, inspirados pela eficácia organizacional do Kirchnerismo, estão agora desenvolvendo sua própria militância em um espectro ideológico distinto.
Acompanhe o balanço do primeiro mês do governo Milei no Fórum Global desta terça-feira (16).