O Ministério da Justiça negou o pedido do governo dos Estados Unidos para que o Governo Lula extraditasse Sergey Wladimirovich Cherkasov, espião russo preso em território brasileiro no abril do ano passado. Ele trabalhava para o GRU, agência de inteligência militar da Rússia de Vladimir Putin, e viveu cerca de 12 anos no Brasil.
A informação veio a público pela coluna de Rodrigo Rangel, no portal Metrópoles, que alega ter uma fonte no Governo Lula que, mediante anonimato, revelou a decisão.
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O pedido dos EUA foi encaminhado ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça. O órgão é responsável por negociar uma série de temas, entre eles a extradição de presos, com autoridades estrangeiras.
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A primeira análise do DRCI verifica se o pedido de extradição cumpre os devidos requisitos legais. Em caso positivo, o caso é enviado ao Supremo Tribunal Federal e, em seguida, para apreciação presidencial. Em caso negativo, como no do espião russo, o pedido é barrado após a primeira análise por não preencher os requisitos.
A negativa aparentemente é técnica, no entanto, dado o recente histórico de não alinhamento do Brasil à política externa dos EUA, pode ser entendido como um recado nesse sentido.
Os russos também pedem a extradição de Cherkasov alegando que se trata de um criminoso comum, não de um espião a seu serviço. Em paralelo, o governo dos EUA pode refazer o pedido.
Se ambos os pedidos passarem pelo crivo do DRCI e em seguida do STF, o presidente Lula terá uma sinuca de bico e tanto para resolver no âmbito diplomático.
A missão de Sergey
Acusado de ser um espião russo, Sergey Vladimirovich Cherkasov foi preso em abril de 2022 na Holanda, onde tentava entrar com uma identidade brasileira falsa. Ele chegava ao país para assumir um emprego no Tribunal Penal Internacional, em Haia.
Mandado de volta ao Brasil, teve a acusação relatada às autoridades brasileiras e acabou preso ao chegar em São Paulo. Da carceragem da Polícia Federal na capital paulista, foi transferido meses depois para Brasília.
Segundo informe do serviço de inteligência holandês, Sergey trabalhava para o GRU, a maior agência de inteligência russa, ligada às Forças Armadas do país. Sua missão era infiltrar-se no Tribunal Penal Internacional, em Haia, para coletar informações, recrutar fontes e ter acesso aos sistemas digitais da Corte.
Tratado com sigilo pelas autoridades brasileiras, o caso só veio a público após um comunicado da inteligência holandesa para a imprensa internacional em fevereiro deste ano.
De acordo com os holandeses, a história revela estratégias da inteligência russa para influenciar a Corte internacional que apura possíveis crimes de guerra cometidos pelo país durante a invasão da Ucrânia, iniciada no ano passado.
Identidade falsa
Sergey passou 12 anos no Brasil construindo a identidade de Viktor Muller Ferreira, ou simplesmente Victor Ferreira. Um jovem brasileiro intelectual com carreira internacional. Ele chegou ao Brasil em 2010 e manteve residência por aqui em todos esses anos ainda que tenha passado temporadas nos EUA e na Europa para concluir estudos.
Supostamente nascido em Niterói, o personagem de Sergey vivia em um aparamento na zona oeste de São Paulo, onde foi descrito como uma pessoa alegre, bem humorada e comunicativa por amigos e vizinhos que ficaram chocados ao tomarem conhecimento da verdade dos fatos.
Nesse período marcou presença em festas e baladas, namorou uma brasileira e fez aulas de forró. A polícia chegou a apreender com Sergey uma biografia do seu personagem, Viktor, redigida pelo próprio acusado.
“Fiquei chocado. Era um cara super bacana, comunicativo, um cara que saía com a gente para dançar e depois a gente descobre que o cara é um espião russo”, espantou-se Pheliphe Britto, o professor de forró de Sergey-Viktor, em entrevista ao Fantástico.
Ao todo, havia três endereços na Grande São Paulo, dois no município de Cotia e um terceiro no bairro do Butantã, com registros no nome de Viktor. Também ao Fantástico, da TV Globo, o zelador do edifício onde o russo morava no Butantã afirmou que tinha uma boa relação de amizade com ‘Viktor’. “Ele foi para a Holanda, da Holanda para os EUA, e aí voltou aqui. Veio falar comigo, a gente tinha amizade”, contou o zelador, que também afirmou nunca ter ouvido uma palavra de Sergey sobre a Rússia.
Sergey cursou ciência política, entre 2015 e 2018, no Trinity College, da Irlanda, já utilizando sua identidade brasileira. Depois disso, fez um mestrado nos Estados Unidos, em Relações Internacionais, na Universidade John Hopkins, próxima da capital Washington. Coincidentemente, um dos chefes do departamento onde estudou, Filipe Campante, é brasileiro e relatou à imprensa que o aluno jamais o procurou. “Não me parece tão estranho. Acho que estaria talvez evitando engajar-se com os brasileiros para não comprometer a identidade falsa”, avaliou.
A prisão
Viktor Ferreira, ou melhor, Sergey Cherkasov, era monitorado pelas autoridades holandesas em abril do ano passado quando já se encontrava no país. Ele então fez uma visita ao Brasil por alguns dias. Na volta, teve a entrada negada por conta dos documentos falsos e foi enviado de volta para cá. Chegando em São Paulo foi preso e levado para a carceragem da Polícia Federal.
Nos primeiros meses em que esteve preso, negou que fosse russo. Insistiu que se chamava Viktor e era brasileiro. Mais especificamente, filho de pai português com mãe brasileira, que fora criado por uma tia na Argentina. Foi só a partir de junho, quando passou a receber visitas de um diplomata russo, que admitiu sua verdadeira identidade para as autoridades brasileiras. Ainda assim, permanecia negando que fosse um espião.
No final de novembro Sergey teve pedido de prisão domiciliar negado e foi transferido para um presídio em Brasília – o domicílio, no caso, seriam as próprias instalações do consulado russo em São Paulo.