AMÉRICA DO SUL

Lula defende Venezuela no Brics após reunião com Maduro

Presidente brasileiro é favorável ao ingresso do país vizinho ao bloco, mas decisão deve ser feita em conjunto com os outros integrantes

Créditos: Agência Brasil (Marcelo Camargo) - Lula recebe Nicolás Maduro em Brasília; o presidente da Venezuela retornou ao Brasil depois de 8 anos
Escrito en GLOBAL el

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é favorável ao ingresso da Venezuela no Brics, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A declaração do brasileiro foi feita nesta segunda-feira (29) durante coletiva de imprensa após encontro com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro.

O chefe de Estado da Venezuela voltou ao Brasil após oito anos. Ele desembarcou em Brasília na noite desse domingo (28), acompanhado da esposa Cilia Flores de Maduro, para o encontro bilateral com Lula e para participar, nesta terça-feira (30), do encontro de presidentes de países da América do Sul.

A última vez que o presidente venezuelano esteve no Brasil foi para a posse da ex-presidente Dilma Rousseff, em janeiro de 2015. Por divergências políticas e ideológicas, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro cortou as relações diplomáticas do Brasil com a Venezuela.

Durante a conversa com jornalistas realizada pelos dois chefes de Estado, Lula destacou os laços que eram mantidos entre o Brasil e a Venezuela antes de Bolsonaro chegar ao poder. Ele disse ainda que durante o governo do político de extrema direita a relação econômica e comercial com Caracas ruiu.

Venezuela no Brics

Questionado por uma jornalista venezuelana sobre a possibilidade de a Venezuela ingressar no Brics, Lula afirmou que defende a entrada do país vizinho no bloco.

"Sou a favor da Venezuela integrar os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Em breve vamos nos reunir e temos que avaliar vários pedidos de integração", disse.

Já Maduro destacou que as intenções da Venezuela de fazer parte do Brics obedecem ao desejo de participar da construção de novas políticas econômicas internacionais. 

O presidente venezuelano comentou que o Brics tem um papel relevante na geopolítica mundial e a Venezuela tem interesse em fazer parte do bloco “de forma modesta”.

A Venezuela sofre com diversas sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos e outros países. São mais de 900 sanções, segundo Maduro, que estrangularam a economia venezuelana.

"Para sempre, os povos da América do Sul foram negados, por isso estamos trabalhando na construção de uma nova geopolítica global onde prevaleça a união da América Latina como um único povo", declarou o venezuelano.

O presidente venezuelano destacou ainda que “a nova geopolítica se caracteriza por dois elementos: a unidade de nossa América na diversidade e o papel dos Brics, que desponta como o grande imã para os países que desejam cooperação”.

Fila para entrar no Brics

A intenção da Venezuela soma-se a de outros 19 países que encaminharam propostas de adesão ao Brics. Segundo o embaixador sul-africano no bloco, Anil Sooklal, a expansão do grupo será discutida durante a cúpula anual que ocorrerá na Cidade do Cabo, na África do Sul, na próxima sexta-feira (2) e sábado (3). O encontro reunirá os ministros das Relações Exteriores de cada um dos países integrantes do grupo.

Segundo Sooklal, em entrevista à Bloomberg, treze países pediram formalmente para aderir e outros seis pediram informalmente. Durante a cúpula na África do Sul será discutida a expansão do Brics e as modalidades como isso vai acontecer.

Desde que foi formado, ainda como Bric, em 2006, o grupo adicionou apenas um novo membro, a África do Sul, em 2010. Em fevereiro deste ano, foi informado que Arábia Saudita e Irã estão entre os países que pediram formalmente para ingressar. Se juntam a eles Argentina, Emirados Árabes Unidos, Argélia, Egito, Bahrein e Indonésia, juntamente com duas nações da África Oriental e uma da África Ocidental, que ainda não foram anunciadas.

Conselho de defesa da América do Sul

Na coletiva, Lula também defendeu que os países da América do Sul recuperem o conselho de defesa da região, dedicado à cooperação para segurança nas fronteiras.

“Acho que tem que retomar. Para combater o crime organizado, o narcotráfico e para preparar a defesa fronteiriça é preciso ter Forças Armadas coesas, trabalhando juntas e se preparando para garantir a soberania dos países”, afirmou.

Segundo Lula, o dispositivo foi bem-sucedido e construído por unanimidade no âmbito da União das Nações Sul-americanas (Unasul).

Para Maduro, a cooperação em defesa entre os países jamais deveria ter se encerrado. Segundo ele, no âmbito bilateral, Brasil e Venezuela estão em conversas para estabelecer um novo protocolo de defesa e combate aos crimes fronteiriços.

 “Temos quatro anos de falta de comunicação em temas como segurança e defesa e isso agravou a situação nas fronteiras”, disse Maduro 

Relações bilaterais

Venezuela e Brasil reafirmaram a disposição de avançar com uma agenda de trabalho em benefício de ambos os povos, iniciada em 1º de janeiro com o restabelecimento das relações diplomáticas após a posse de Lula.

Na coletiva, Lula expressou confiança de que Brasil e Venezuela recuperem suas relações comerciais, fortaleça laços culturais, científicos e educacionais, além de reforçar a segurança militar na fronteira.

Segundo Lula, a Venezuela é um parceiro excepcional e a retomada da relação diplomática entre os dois países é plena. 

“Recuperamos o direito de fazer política de relações internacionais com seriedade que sempre fizemos, sobretudo com países que fazem fronteira”, declarou. “Espero que, daqui pra frente, nunca mais a gente tenha que romper uma relação por ignorância”, acrescentou.

Lula lembrou que o intercâmbio entre os dois países chegou a alcançar US$ 6 bilhões em 2013 e em 2022 foi de apenas US$ 1,7 bilhão.

Segundo ele, também serão retomadas as tratativas para que a Venezuela volte a fornecer energia elétrica para Roraima, o único estado do Brasil que não é interligado ao Sistema Interligado Nacional (SIN) e depende da geração de energia de termelétrica (mais cara e mais poluente).

Eleições da Venezuela

Lula disse ainda que sempre defendeu internacionalmente o respeito ao resultado eleitoral que levou Maduro à presidência. Em 2019, na gestão Bolsonaro, o Brasil e diversos países passaram a reconhecer o deputado Juan Guaidó, então presidente da Assembleia Nacional, como presidente da Venezuela, em meio à contestação das eleições, que agravou ainda mais a crise econômica e social no país vizinho.

“O preconceito quanto à Venezuela é grande. Quantas críticas sofremos na campanha por ser amigo da Venezuela”, disse Lula, defendendo que foi construída uma narrativa de autoritarismo para a Venezuela. Para o presidente, cabe ao país vizinho mostrar sua própria narrativa para voltar a ser soberano. “É inexplicável um país ter 900 sanções porque outro país não gosta dele”, acrescentou Lula.

Reunião ampliada

Desde o início do seu terceiro governo, Lula vem defendendo o aprimoramento das relações entre os países da América do Sul. Nesse contexto, o Brasil voltou a integrar a Unasul e a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

“A América do Sul precisa se convencer que temos que trabalhar como se fosse um bloco. Não dá para imaginar que os países sozinhos vão resolver seus graves problemas”, disse Lula. “Se estivermos juntos, somos 450 milhões de pessoas com um PIB de US$ 4,5 trilhões, a gente tem força no processo de negociação”, acrescentou.

Reunião de alto nível

Agência Brasil (Marcelo Camargo) - Reunião de alto nível entre representantes do Brasil e da Venezuela

Antes de atender a imprensa, os presidentes conduziram uma reunião de alto nível do Palácio do Planalto no contexto de uma ampla agenda de cooperação. Os eixos centrais foram selar alianças nas áreas de ciência e tecnologia, agricultura, transportes, energia, aquicultura e pesca, ecossocialismo, turismo e cultura.

O objetivo do encontro ampliado foi o de fortalecer a profunda amizade e o compromisso de continuar trabalhando juntos de forma dinâmica, a fim de promover e elevar ao mais alto nível a cooperação estratégica em prol de ambos os povos.

Além dos presidentes Lula e Maduro, do lado brasileiro, participaram o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin; os ministros das Relações Exteriores, Mauro Vieira; da Fazenda, Fernando Haddad; da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro; de Minas e Energia, Alexandre Silveira; da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos; e do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva.

Pelo lado da Venezuela participaram a vice-presidenta, Delcy Rodríguez; os ministros do Petróleo do Poder Popular, Pedro Tellechea; da Agricultura e Terras, Wilmar Castro Soteldo; da Ciência e Tecnologia, Gabriela Jiménez; do Gabinete do Presidente, Jorge Márquez; além do chanceler venezuelano, Yván Gil; e do ministro do  Ecosocialismo, Josué Lorca, que também revisará o mapa da cooperação que caracteriza a Venezuela e o Brasil.

Cúpula de líderes sul-americanos

Ao lado de Maduro, Lula defendeu a união de países latino-americanos durante entrevista coletiva de imprensa ao lado do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.

"A América do Sul precisa trabalhar como bloco. Não dá pra imaginar que, sozinho, um país vai resolver os seus graves problemas que já perduram mais de 500 anos", defendeu o presidente brasileiro.  "Se a gente estiver junto, nós temos 450 milhões de pessoas, a gente tem um PIB de quase US$ 4,5 trilhões. A gente tem força no processo de negociação e é por isso que esse momento [cúpula] é importante", completou. 

Maduro realiza uma visita de Estado no âmbito da cúpula de líderes sul-americanos que será realizada nesta terça-feira (30), em Brasília, no Palácio Itamaraty.

Os presidentes Alberto Fernández (Argentina), Luís Arce (Bolívia), Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Guillermo Lasso (Equador), Irfaan Ali (Guiana), Mário Abdo Benítez (Paraguai), Chan Santokhi (Suriname) , Luís Lacalle Pou (Uruguai) e Nicolás Maduro (Venezuela) confirmaram presença. A atual presidente do Peru, Dina Boluarte, impossibilitada de comparecer, será representada pelo presidente do Conselho de Ministros, Alberto Otárola

Segundo Lula, não será uma reunião para tomada de decisões, apenas uma prospecção e conversa sobre as possibilidades para o continente. Um encontro desse porte não ocorre há, pelo menos, sete anos.

Embora o governo brasileiro evite apontar uma proposta específica, há a expectativa de que os presidentes discutam formas mais concretas de ampliar a integração, incluindo a possibilidade de criação ou reestruturação de um mecanismo sul-americano de cooperação, que reúna todas as nações da região. Atualmente, não existe nenhum bloco com essas características.

“O encontro é o começo da volta do Maduro e vai ser a volta da integração da América do Sul”, afirmou Lula.