Uma tragédia ocorrida na cidade de Chester, na Pensilvânia, nos EUA, reacendeu o velho debate sobre a liberação desenfreada de armas no país que tem o maior arsenal do mundo nas mãos de civis. Um bebê de 2 anos, deixado sozinho por alguns instantes no carro, num posto de gasolina, enquanto o pai apenas saiu do veículo para pagar pelo abastecimento, a poucos metros de distância, pegou uma pistola automática deixada no automóvel e disparou um tiro fatal contra a irmã, de 4 anos, que a acompanhava.
Desesperado, o homem ouviu apenas o estampido do cartucho e imediatamente correu de volta para o carro. Encontrou o caçula chorando e a filha mais velha ensanguentada, ainda com vida. Saiu a toda velocidade para o hospital, mas não foi possível salvá-la.
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Não existe um número exato sobre a quantidade de armas nas mãos de civis nos EUA, o país com a mais ostensiva e arraigada cultura de cidadãos comuns armados no planeta. De acordo com a Small Arms Survey (SAS), uma entidade sediada na Suíça, existiriam atualmente algo em torno de 120 armas para cada 100 cidadãos norte-americanos, ou seja, aproximadamente 395 milhões de revólveres, pistolas, carabinas e fuzis na posse dos 325 milhões de pessoas que vivem lá.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup, durante a pandemia, em 2020, revelou que 44% dos lares nos EUA têm armas, um número que não encontra semelhança com qualquer outra nação. No mesmo ano, 21.500 homicídios foram registrados no território estadunidense, o que é configura uma cifra absurda se levado em consideração que se trata do país mais rico do mundo.
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Mas por que nada é feito para se mudar esse cenário, diante de tantos assassinatos, acidentes domésticos e episódios de atiradores que realizam massacres em escolas e eventos? A resposta está num misto de questões legais, históricas e culturais.
Os EUA mantêm em sua constituição, ratificada em 1788, uma emenda que assegura o direito dos civis de possuírem e portarem armas, sob a alegação de que é necessário manter milícias devidamente de prontidão para defender o Estado. Naturalmente, quase dois séculos e meio depois, essa é uma previsão legal obsoleta e sem sentido, afinal, Washington comanda a mais poderosa máquina de guerra já criada na história da humanidade. Como a cultura de possuir armas é algo quase sagrado para boa parte da população, sobretudo de orientação ultraconservadora, discutir uma restrição é inaceitável, uma vez que a liberação é uma previsão constitucional.
Aqui no Brasil, na contramão da civilização e do bom senso, o governo de Jair Bolsonaro, iniciado em 1° de janeiro de 2019, colocou em marcha uma flexibilização robusta em relação às leis que restringem a compra, a posse e o porte de armas. No período de pouco mais de três anos, o chefe de Estado reacionário e belicista assinou 14 decretos, 14 portarias, dois projetos de lei (que seguem em tramitação) e uma resolução.
O resultado disso foi uma explosão no número de armas no Brasil: 228% de aumento na importação de pistolas, 57% de aumento nas autorizações de porte, que hoje já somam mais de meio milhão de pessoas, e 2.077.126 revólveres, pistolas, fuzis, escopetas e carabinas nas mãos de cidadãos comuns, um aumento de quase 100% desde o início da gestão de Bolsonaro, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.