A guerra na Ucrânia não pode ser enxergada como um processo isolado dos conflitos que o país mantém com a Rússia desde, pelo menos, 2014. Tomando como pontapé inicial o golpe de Estado conhecido como Euromaidan que derrubou o presidente Viktor Yanukovych, a cientista política Ana Prestes, colunista da Fórum, e o cientista político Pedro Costa Jr, professor de Relações Internacionais da Facamp, fizeram um resumo de 20 minutos sobre o conflito no Fórum Global gravado no dia 8 de março. Assista no fim da matéria.
"Em 2014, houve um processo de golpe na Ucrânia. Isso se deu em um contexto em que desde o final da Guerra Fria, com o colapso da União Soviética, a Ucrânia e aquela região da fronteira da Federação Russa foi se tornando um palco de conflito bastante intenso do Ocidente com o que virou a Rússia. A Ucrânia e outros países do Leste europeu foram sendo 'ganhos' para a Otan, iniciativa de contensão da União Soviética", afirmou Ana Prestes.
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"A partir disso, a Ucrânia, a Geórgia e outros países da região passaram a ser vítimas do que se chama de 'revoluções coloridas', ou guerras híbridas, ou infiltração de conflitos na sociedade civil... Grande parte da sociedade da Ucrânia foi ganha para ingressar na União Europeia e nisso estoura o conflito do maidan e anti-maidan em 2014. O Putin não admite isso como forma de proteção do território russo", explicou. "Tem que ficar claro: existia uma parte da sociedade ucraniana que queria adesão à UE, mas também existia uma grande parte que não e que se mobilizou anti-maidan", destacou.
Ana Prestes lembra que com Yanukovych houve uma série de acordos da Rússia com a Ucrânia para demover o país da ideia de entrar na UE e que, a partir disso, estoura a Revolução de Maidan. Nesse processo, uma série de grupos armados neonazistas se sublevaram, ao mesmo tempo em que o separatismo ganhou força como resposta à guerra civil instaurada.
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"Há uma dramaticidade social muito grande e que a imprensa ocidental não mostra: as perseguições, as torturas, as mortes filmadas, o incêndio do Palácio dos sindicatos, os parlamentares em prisão forçada, o apedrejamento de sede de partidos... Começou a se instalar na Ucrânia uma guerra civil", apontou.
O conflito fez com que fossem assinados os acordos de Minsk, que não foram respeitados - o que fez o conflito se agravar nos últimos 8 anos, em especial na região de Donbass. "Integrou-se a Crimeia à Rússia, mas ficou o passivo de Donetsk e Lugansk como regiões separatistas. E exatamente essa não-resolução do Donbass seria o estopim para um nova guerra", completou.
A situação de tensão fez com que os Estados Unidos e Otan se aproveitassem para aproximar a Ucrânia do bloco militar.
Pedro Costa Jr. centrou sua análise na questão da "transição hegemônica". "Os Estados Unidos estão vendo o declínio da sua hegemonia e eles tem, pela primeira vez, um desafiante à altura, que é a China. O jogo é entre Estados Unidos e China, mas a Europa está sendo disputada nesse momento", explicou.
O pesquisador destacou que não é possível dizer que a Rússia está isolada do mundo, tendo em vista que ela está nos braços da China. "Quem é a grande perdedora dessa guerra é a Europa, que é dependente estruturalmente da Rússia, a maior potência energética do sistema-mundo, com gás, petróleo, carvão, níquel", destacou.
"No dia 4 de fevereiro desse ano, foi assinado um acordo que mexe com as estruturas do sistema-mundo, entre o Putin e o Xi Jinping. Eles assinaram uma parceria sem limites equivalente ao que foi o Tratado de Vestfália, o Tratado de Versalhes, o Pacto de Ialta, uma tentativa concreta de início de uma nova ordem mundial, uma ordem euroasiática, pós-ocidental", destacou.
"Toda essa articulação e essa invasão russa está desenhada há muito tempo. Essa invasão foi desenhada. Basta ver o tipo de guerra, feita com cautela para ter o mínimo de baixas ucranianas possível", completou. "O que Putin precisava era do respaldo chinês, e o respaldo chinês chegou", acrescentou.
"O urso saiu da toca, mas só mostrou a pata. A Europa, que não pode enfrentar a Rússia de igual para igual, vende a Ucrânia. Enquanto isso, Putin avança, a China respalda, a Europa derrete, os Estados Unidos parecem que ganham - porque reunificou a Otan e aumenta a popularidade do Biden - , mas cometem um grande erro geoestratégico que colocar Rússia e China em uma união inexorável, o que vai ser mortal para os EUA lá na frente", finalizou.
O Fórum Global é apresentado por Lucas Rocha e Ana Prestes e contou também com a presença da cientista política Clarisse Paradis, professora da Unilab e militante da Marcha Mundial de Mulheres, que comentou sobre a situação das mulheres em meio à guerra.
Entenda a guerra na Ucrânia em 20 minutos, com Ana Prestes e Pedro Costa Jr:
Assista ao programa completo, a partir de 1h32min: