FÓRUM NA COPA

Entenda o protesto ignorado de Ismaila Sarr, do Senegal

Ao contrário das vozes rebeldes alemãs, inglesas e dinamarquesas, atacante senegalês foi ignorado pela mídia internacional ao denunciar massacres no continente africano

Ismaila Sarr, atacante da Seleção de Senegal..Protesto de atacante senegalês chama atenção para drama humanitário da República Democrática do Congo, mas foi ignorado pela mídia internacionalCréditos: Maddie Meyer/FIFA via Getty Images
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Protestos e outros tipos de manifestações políticas costumam ganhar a atenção da imprensa mundial quando ocorrem no âmbito de uma Copa do Mundo, como neste ano, no Catar, capitães das seleções alemã, inglesa e dinamarquesa, contestaram a falta de liberdade de expressão na nação anfitriã do mundial que os impediu de usar braçadeiras de capitão em apoio a comunidade LGBTQIAP+, perseguida no país.

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Mas os holofotes ligados para os rebeldes europeus não foram os mesmos dedicados ao protesto do atacante senegalês Ismaila Sarr, quando marcou o primeiro gol de seu país, de pênalti, na vitória por 2 a 1 sobre o Equador, na partida derradeira do Grupo A da Copa do Mundo do Catar. Na comemoração, Sarr tampou os olhos e apontou uma “arma”, simulada com uma das mãos, para a cabeça.

O criador do protesto não foi Sarr, mas o jogador congolês Cédric Bakambu que em fevereiro passado foi o primeiro a chamar atenção para a situação seu país, enquanto atuava pelo Olympique de Marselha, da França. A partir de julho, o jogador foi transferido para o Olympiacos, da Grécia, e manteve a comemoração.

O gesto é um protesto contra o descaso global em relação a diversos massacres e guerras que ocorrem ao longo da África, em especial chamando atenção para a realidade da República Democrática do Congo que vive uma guerra civil violenta, repleta de massacres e com centenas de milhares de desabrigados. Mas não é possível entender a atualidade da RD Congo sem conhecer a história do país.

A partir de 1885, após a Conferência de Berlim declarar que o então Território Livre do Congo se tornara propriedade privada do Rei Leopold II, da Bélgica, começou uma das colonizações mais brutais que se tem notícia em continente africano. A exploração colonial do país, em busca de marfim e borracha, além de mudar o nome da região para Congo Belga, também abriu caminho para um genocídio. Imagens históricas de soldados belgas transportando congoleses acorrentados são comuns de serem usadas em conteúdos que denunciam os horrores da colonização europeia no continente africano.

A independência do país só ocorreria em 1960 após longa luta por liberdade protagonizada por Patrice Lumumba, declarado primeiro-ministro após a vitória e assassinado no ano seguinte com conhecimento da antiga metrópole e dos Estados Unidos. Com o poder vago, Mobutu Sese Sako instalou uma ditadura no país, bastante brutal e inspirada nos tempos coloniais.

A principal mudança promovida por Sako foi passar a chamar o país de Zaire, nome pelo qual disputou a Copa do Mundo de 1974. Na ocasião, o Zaire jogou contra o Brasil e perdeu por 3 a 0 com gols de Jairzinho, Rivellino e Valdomiro. Além do Brasil, também perdeu por 2 a 0 para a Escócia e 9 a 0 para a Iugoslávia, acabando, dessa forma, eliminado ainda na fase de grupos.

A ditadura de Mobutu Sese Sako durou até 1997, quando o país voltou a chamar-se República Democrática do Congo. Mas a derrocada do ditador só foi possível graças à união de esforços de dois países vizinhos, Ruanda e Uganda. O estopim foi o apoio que Sako deu a milícias de hutus que fugiam de Ruanda para o então Zaire, de onde reorganizavam ataques aos tutsi. Em Ruanda, ao longo dos anos 90, os hutus protagonizaram o genocídio da etnia tutsi que só acabou, em termos oficiais, após a proibição do presidente tutsi Paul Kagame. No entanto, o sangue continuou escorrendo com operações de vingança por parte do exército libertador tutsi. O conflito foi retratado no filme Hotel Ruanda, do diretor Terry George (2004).

Após a queda de Mobutu Sese Sako no então Zaire, subiu ao poder Laurent-Desiré Kabila, apoiado por Ruanda e Uganda. Ele foi assassinado em 2001 e sucedido por seu filho, Joseph Kabila, que promoveu as primeiras eleições democráticas do país em 2006. Mas apesar da “normalidade institucional”, os conflitos étnicos e sociais persistem no país. E com uma infeliz força.

Atualmente o principal protagonista de massacres é o Movimento M23, de grupos radicalizados tutsi, que no início de 2022 deixou 180 mil desabrigados após tomar a cidade de Bunagana. O governo de Ruanda, que estampa um anúncio na camiseta do Arsenal, da Inglaterra, é um dos patrocinadores do grupo.

Com informações do podcast Copa Além da Copa.