Na última segunda-feira (28) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou a Medida Provisória 1.184/2023 que estabelece a taxação dos fundos de investimento exclusivos, conhecidos como fundos dos “super-ricos”, e a tributação de movimentações financeiras realizadas nos famigerados paraísos fiscais. De acordo com estimativas do Governo Federal, apenas 2,5 mil brasileiros têm recursos aplicados nos chamados fundos dos "super-ricos", o que faz com que a medida seja tratada com otimismo pelos setores progressistas e populares, uma vez que busca corrigir uma histórica desigualdade tributária que o país apresenta. Com a medida, o governo prevê a arrecadação de R$ 31 bilhões em receitas até 2026 e espera aliviar um déficit entre receitas e despesas de mais de R$ 100 bilhões nas contas públicas já em 2024.
Para o economista Plínio de Arruda Sampaio Júnior, professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp, não há muito o que comemorar uma vez que a proposta de taxação seria apenas um primeiro passo para corrigir as injustiças. Sampaio aponta que as estimativas de arrecadação ainda estão longe de cobrir o rombo deixado por aquilo que definiu como “privilégios tributários”.
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“Ainda que tardia e insuficiente, a iniciativa do governo federal é um passo para enfrentar a injustiça tributária. A plutocracia brasileira desfruta de uma verdadeira mamata tributária. A Unafisco - Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal - calcula que os ‘privilégios tributários’ teriam alcançado R$ 440,5 bilhões em 2023. O governo estima que a tributação dos fundos exclusivos e fundos offshore reforçaria os cofres públicos em cerca de R$ 31 bilhões entre 2023 e 2026. É muito pouco quando comparado à magnitude dos ‘privilégios tributários’ e, sobretudo, às necessidades de financiamento dos gastos sociais,” afirma.
O anúncio da MP foi feito na mesma cerimônia em que o Governo Lula anunciou o aumento do salário mínimo para R$ 1.320 e a nova faixa de isenção do Imposto de Renda, em contexto no qual o novo governo tenta emplacar sua política econômica que “inclui o pobre no orçamento”, conforme dito durante e após a campanha eleitoral. A medida prevê a cobrança de 15% a 20% sobre os fundos exclusivos, que será paga duas vezes ao ano. Atualmente, a tributação é feita uma única vez, apenas no momento do resgate. A MP segue para o Congresso Nacional e, se aprovada, a nova tributação passa a valer a partir de 1º de janeiro de 2024.
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Para o especialista, a medida é crucial para que no longo prazo o Governo Lula consiga, ao mesmo tempo, equilibrar as contas públicas e manter o financiamento dos programas sociais. Sem isso, aponta que além de ter a governabilidade comprometida, a crise pode se estender ao próprio Estado brasileiro. Em todo caso, reitera que esse primeiro movimento constitui “migalhas” e que é preciso avançar nessa política para atingir objetivos sociais e econômicos mais palpáveis.
“As medidas propostas atendem à necessidade de dar um mínimo de racionalidade e condição financeira para o funcionamento do Estado. Iniciativas análogas já tinham sido tentadas por Temer e Guedes. O funcionamento do Estado brasileiro exige um aumento da receita tributária da ordem de 1,5% a 2% do PIB. Sem isso, o serviço público entra em colapso e a sacrossanta sustentabilidade intertemporal da relação Dívida/PIB fica problematizada. É hora de a onça beber água. Se a burguesia não ceder essas migalhas, o Estado entrará em estado de entropia e dificilmente Lula terá condições financeiras e sociais de governabilidade,” alerta Plínio de Arruda Sampaio Júnior.
Em seguida, Plínio explica melhor sua crítica pela esquerda quando diz que as medidas propostas pelo governo ficam muito aquém do que seria necessário para enfrentar a injustiça tributária e a falta de recursos para políticas públicas. Ele então aponta os principais pontos a serem atacados em um segundo momento.
“A carga tributária líquida do governo federal – indicador relevante para determinar os recursos efetivamente disponíveis para gastos públicos – é extraordinariamente baixa. Por isso, o setor público vive num estado de permanente penúria financeira. A fragilidade fiscal do Estado brasileiro associa-se basicamente à baixa tributação do capital e da plutocracia, aos elevados subsídios recebidos pelos empresários e às gigantescas transferências de renda para os rentistas. Sem enfrentar esses problemas, desafio que passa por uma ruptura com o modelo neoliberal, não haverá mudança qualitativa na política fiscal. O Brasil continuará cobrando muito imposto dos pobres e transferindo muitos recursos para os ricos,” avalia
No bojo desse debate, temos visto a imprensa liberal muito falar sobre a suposta ‘dificuldade de se colocar tal medida em prática dada a agilidade dos super-ricos em esconder seu patrimônio’. Plínio de Arruda Sampaio Júnior também comentou esse aspecto do debate público à luz das históricas forças políticas e econômicas que compõem a sociedade brasileira.
“O Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão. Se não correr contra o tempo, poderá ser o último a não tributar a distribuição de lucros e dividendos para as pessoas físicas. Além do Brasil, esta aberração (que foi criada no governo FHC) só existe na Estônia. A imprensa liberal funciona como porta-voz da plutocracia e é esperado que esteja histérica. Do ponto de vista técnico, não há dificuldade alguma em cobrar imposto dos super ricos. O fantasma da fuga de capital é uma bobagem. Irão para onde? Estônia? O Brasil é o paraíso do rentismo. Além do mais, no caso das offshores, o dinheiro já está fora do país. O problema real que emperra a tributação do andar de cima é político. A plutocracia controla com mão de ferro o Congresso Nacional. Basta ver o comportamento do presidente da Câmara dos Deputados. Sem uma campanha de opinião pública que mobilize a sociedade contra os privilégios indecentes de um punhado de ricaços, será difícil avançar na justiça tributária”, conclui Sampaio.
Outra opinião
Durante entrevista ao programa Fórum Onze e Meia na última terça-feira (29), o economista Paulo Nogueira Batista Jr. elogiou a decisão do governo em avançar na legislação que exige a taxação dos super-ricos no Brasil. Na avaliação do economista, que foi diretor-executivo do FMI para o Brasil e vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco dos BRICS, a medida do governo é positiva.
“É um passo na direção correta, que é estabelecer justiça tributária no Brasil e fazer os super-ricos darem sua cota de contribuição", afirma.
Ele afirma que nosso país oferece condições tributárias muito positivas para os milionários e bilionários. "O Brasil é um paraíso fiscal para os super-ricos", sentenciou Paulo Nogueira Batista Jr.
Ele concorda com Plínio de Arruda Sampaio Júnior quando aponta que além da MP o governo também precisa trabalhar com outras medidas, como o Imposto de Renda e a taxação de grandes fortunas, para equilibrar a justiça fiscal no Brasil.
"Não é tudo: outras medidas terão que ser tomadas para que esse objetivo seja alcançado. Mas é um passo na direção correta, muito bem-vindo”, disse.
O que são os fundos dos “super-ricos”
Oficialmente chamados de fundos exclusivos são aqueles em que há um único cotista e por isso são feitos de forma personalizada de acordo com o perfil do assessor. Eles exigem que o investidor, chamado de cotista, tenha à disposição de R$ 10 milhões, investimento mínimo, a R$ 30 milhões. Seu custo de manutenção de até R$ 150 mil por ano, por isso são usados pelos “super ricos”.
Apesar da grande movimentação de capital, os fundos são isentos do chamado "come-cotas", uma antecipação do Imposto de Renda cobrada semestralmente sobre os rendimentos.
Todos os fundos exclusivos mantidos por brasileiros somam R$ 756,8 bilhões e respondem por 12,3% dos fundos no país, de acordo com dados do Planalto.
O que são as offshores
Conhecidas também como “paraísos fiscais”, as offshores são formas de investimentos feitas por empresas e contas bancárias fora do seu país. Em tradução livre, offshore significa “fora da costa”.
O governo estima que mais de R$ 1 trilhão em recursos brasileiros estão aplicados no exterior.