POLÍTICA ECONÔMICA

Arcabouço fiscal: mais de 90 economistas assinam manifesto para evitar "camisa de força" no governo Lula

Intelectuais apontam que alterações propostas por relator podem dificultar execução de políticas sociais prometidas em campanha e, se aprovadas, podem amordaçar o Planalto

Prédio do Ministério da Fazenda, em Brasília.Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Escrito en ECONOMIA el

Um grupo de 90 economistas e intelectuais ligados à Federação Psol-Rede no Congresso Nacional assinou um manifesto contra o texto final do Arcabouço Fiscal. O objetivo é alertar que a proposta será prejudicial para a implantação das promessas de campanha do Governo Lula e que precisa ser melhorada.

“Não faz sentido que as novas regras fiscais reproduzam argumentos fiscalistas. O Brasil não está prestes a quebrar. Dezenas de países em desenvolvimento mundo afora convivem com déficits fiscais sem que isso represente um bloqueio ao crescimento da economia nacional. Mais que isso: as medidas necessárias à reconstrução do país exigem pesado investimento do setor público, especialmente num momento em que a criminosa política de juros do Banco Central – agora autônomo – torna mais atraente a compra de títulos da dívida pública em detrimento do investimento produtivo. Assim, as novas regras fiscais não podem servir para criar uma camisa de força ao novo governo”, diz um trecho do manifesto.

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Entre as medidas incluídas pelo relator, Claudio Cajado (PP/BA), no novo Arcabouço Fiscal - e que o grupo critica - estão a definição de novas punições em caso de não cumprimento das metas de controle dos gastos, que incluem bloqueios para reajuste de servidores e novos concursos públicos.

“Além disso, o relator incluiu o FUNDEB e o piso da enfermagem nos limites fiscais. Para o mercado, quanto mais amarras às políticas sociais, melhor. Impor ao governo sucessivos superávits primários, num momento em que o país mais necessita de investimentos, depois da devastação bolsonarista, é um equívoco grave. É preciso alterar de forma estrutural a proposta formulada pelo relator, obstando que sejam aprovadas medidas que impeçam o cumprimento das promessas de campanha do presidente Lula”, explica um outro trecho do manifesto.

Os autores buscam deixar claro que o texto não é uma posição oficial da bancada, mas uma iniciativa de parlamentares e intelectuais ligados ao Psol e à Rede que avaliam com preocupação as mudanças que o parlamento propôs ao marco fiscal. Para os signatários, é urgente “enfrentar as ofensivas do mercado, que defendem a criminalização da política econômica”.

Em outras palavras, avaliam que caso o risco de travar os investimentos públicos em setores de interesse público se concretize, o governo pode perder popularidade por não entregar promessas de campanha que versam sobre o atendimento de necessidades básicas da população. “Queremos e precisamos que o governo Lula dê certo! Para isso, ele não pode frustrar as expectativas de mudança. Só assim afastaremos de vez o fantasma do retorno da extrema direita ao poder”, finaliza o manifesto.

Leia o manifesto na íntegra a seguir

O Brasil precisa de investimento e não de amarras ao crescimento

Ao longo dos últimos quatro anos, o povo brasileiro protagonizou uma heroica resistência ao governo da extrema direita. Através de suas entidades, movimentos sociais, sindicatos, intelectuais, artistas, a defesa da democracia encontrou amparo na maioria da sociedade.

O resultado foi a vitória do presidente Lula nas eleições de outubro de 2022, representando uma ampla frente em defesa da reconstrução do Brasil.

Nós, que assinamos este manifesto, fizemos parte do movimento para eleger Lula e apoiamos o seu governo. Seu programa representa os anseios por mais investimentos nas áreas sociais, retomando o protagonismo do Estado no financiamento das obras públicas e garantindo as necessidades das maiorias em contraposição ao ajuste fiscal permanente imposto desde 2016.

A derrota de Bolsonaro é também a derrota de sua agenda econômica. Por isso, o debate em torno das novas regras fiscais deve levar em conta, antes de tudo, as necessidades do povo brasileiro e seu desejo de mudanças.

A Emenda Constitucional 95, imposta ao país num momento de crise econômica e política, representou uma experiência desastrosa que sequer garantiu o equilíbrio fiscal prometido ao mercado: descumprido ao longo dos quatro anos em que vigorou, representou uma retumbante derrota da política recessiva de Paulo Guedes.

Não faz sentido, portanto, que as novas regras fiscais reproduzam argumentos fiscalistas. O Brasil não está prestes a quebrar. Dezenas de países em desenvolvimento mundo afora convivem com déficits fiscais sem que isso represente um bloqueio ao crescimento da economia nacional. Mais que isso: as medidas necessárias à reconstrução do país exigem pesado investimento do setor público, especialmente num momento em que a criminosa política de juros do Banco Central – agora autônomo – torna mais atraente a compra de títulos da dívida pública em detrimento do investimento produtivo.

Assim, as novas regras fiscais não podem servir para criar uma camisa de força ao novo governo, mesmo que em forma de lei complementar, podendo ser alterada com mais facilidade em caso de crises mais severas. Precisamos ampliar os investimentos em saúde, educação, previdência social, aumentar o salário mínimo, financiar obras de infraestrutura, garantir a transição energética, projetos estratégicos como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, além de programas destinados às mulheres, povos indígenas, juventude, pessoas com deficiência, negros e negras, dentre outros.

No entanto, se estivessem vigorando desde o primeiro ciclo de governos petistas, o Brasil não teria podido – por exemplo – adotar as políticas anticíclicas que Lula conduziu diante da crise de 2008.

Ao mesmo tempo, as alíquotas para investimento mínimo (em caso de desaceleração da economia) e máximo (em caso de aumento da arrecadação) podem fazer com que o governo perca capacidade de desenvolver estratégias para dispor do orçamento em momentos críticos. Pior que isso: considerando a pressão dos pisos constitucionais em saúde e educação sobre o conjunto das despesas, que não podem ultrapassar 70% do aumento da arrecadação, as novas regras fiscais acabam fortalecendo os argumentos daqueles que defendem a desconstitucionalização dos recursos naquelas áreas. O que vai atingir em cheio as conquistas de trabalhadores e trabalhadoras da educação e da saúde que são históricos aliados de governos democráticos e populares.

Os agentes do mercado, que receberam com simpatia os pressupostos presentes nas novas regras fiscais, também pretendem agir para piorar a proposta.

Entre as medidas incluídas pelo relator, Claudio Cajado (PP/BA), estão a definição de novas punições em caso de não cumprimento das metas de controle dos gastos, incluindo travas para reajuste de servidores e novos concursos públicos.

Além disso, o relator incluiu o FUNDEB e o piso da enfermagem nos limites fiscais. Para o mercado, quanto mais amarras às políticas sociais, melhor.

Impor ao governo sucessivos superávits primários, num momento em que o país mais necessita de investimentos, depois da devastação bolsonarista, é um equívoco grave.

Por isso, temos um duplo desafio. O primeiro, alterar de forma estrutural a proposta formulada pelo relator, obstando que sejam aprovadas medidas que impeçam o cumprimento das promessas de campanha do presidente Lula; o segundo, enfrentar as ofensivas do mercado em defesa da criminalização da política econômica e de uma regra ainda mais rígida em relação aos investimentos públicos.

À ideologia do mercado em torno de uma suposta “gastança” do setor público, devemos opor uma política econômica ousada, que estimule o investimento produtivo e o papel do Estado na garantia dos direitos sociais.

Queremos e precisamos que o governo Lula dê certo! Para isso, ele não pode frustrar as expectativas de mudança. Só assim afastaremos de vez o fantasma do retorno da extrema direita ao poder.

Assinam o manifesto

Glaucia Campregher - UFBA

Denise Lobato Grntil - UFRJ/Instituto de Economia

Caio Vilella- UFRJ

Jose luis Fevereiro - Instituto por Direitos e Igualdade

José Celso Cardoso Jr - Ipea

Juliana Nascimento - PUC/SP

Victor Leonardo Figueiredo Carvalho de Araujo - Faculdade de Economia/UFF

Daniel Negreiros Conceição - UFRJ e IFFD

Renata Lins - Doutoranda do IE/UFRJ

Walter Shima - 4P/UFRJ

Arlindo Villaschi - AVF Foudarion

Matías Vernengo - Bucknell University

FABIANO ABRANCHES SILVA DALTO - UFPR

Pedro Rossi - Unicamp

Claudia Soares - Unila

Daniel Senna Dias - UFJ

Patrick Galba de Paula - Universidade Federal Fluminense

Bruno Rodrigues Pereira - UFRJ

Jaime Rodrigues - Aposentado

Bruno Fetter Kolecza - UFRJ

Tiago Seixas Prata da Fonseca - UNICAMP

Felipe Francisco da Silva - UFRJ

Fernando D'Angelo Machado - Sindecon-Rj

Jackson de Andrade - Instituto de Economia/Unicamp

David Deccache - Universidade de Brasília

Nathalie Beghin - Pessoa física

Henrique Pereira Braga - Ufes

Paulo Henrique Furtado de Araujo - Universidade Federal Fluminense

Elaine Rossetti Behring - Grupo de Estudos e Pesquisas do Orçamento Público e da Seguridade Social UERJ

André Saldanha Goellner - Universidade Federal Fluminense

Edla Hoffmann - UFRN

Dean Baker - Center for Economic and Policy Research

Evilasio Salvador - UnB (Universidade de Brasília)

Francisco Mata Machado Tavares - GESF

Vinicius Brandão - Universidade Federal Fluminense

Ricardo Fagundes da Silveira - Instituto Justiça Fiscal

Leonardo Berliner - UFRJ

Grazielle Custódio David - Unicamp

Alejandro Fiorito - Universidad Nacional de Moreno

Cleusa Aparecida da Silva - CASA LAUDELINA de Campos Mello - Organização da Mulher Negra

ADEMIR TORRES - CDDH Dom Tomás Balduíno de MARAPÉ ES

Juan Carlos Moreno Brid - UNAM

Robert Pollin - University of Massachusetts Amherst

Julia Bustamante Silva - IE-UFRJ

Maria Mello de Malta - UFRJ

Gennaro Zezza - Università di Cassino, Italy

Vitor Hugo Tonin - Cresol São Paulo

Bianca Vieira de Matos - Universidade de Brasília

Matheus Yoshikawa Stachissini - UFRJ/Biotec-Maricá

Maria Cristina MarcuzzoSapienza - Università di Roma

Ignacio Perrotini - UNAM

Jales Dantas da Costa - UnB

Simone Deos - IE-Unicamp

Marcelo Ramos Oliveira- Instituto Justiça Fiscal

Alfredo Saad Filho - King's College London

Jayati Ghosh - University of Massachusetts Amherst, USA

Clician do Couto Oliveira - Abed

Frednan Bezerra dos Santos - Universidade Federal do Maranhão

Ilene Grabel - University of Denver, Josef Korbel School of International Studies

Josael Jario Santos Lima - Instituto Ambiental Viramundo

João Policarpo R. Lima - UFPE

Heric Santos Hossoe - COFECON

Paulo Rubem Santiago Ferreira - Universidade Federal de Pernambuco

Carolina Resende - UFRJ

Thiago Machado dos Santos - UFRJ e Unicamp

Kaio PimentelUFRJ - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional

Vinicius CarneiroIE - UFRJ

Carlos Pinkusfeld Bastos - Instituto de Economia UFRJ

Joás Evangelista Lima - Universidade Federal do Rio de Janeiro

Marcelo Pereira Introini - Universidade Federal do Rio de Janeiro

Pavlina Tcherneva - Bard College

João Marcos Hausmann Tavares - UFF

Maria de Lourdes Rollemberg Mollo - Universidade de Brasília - Depto. de Economia

André Paiva - Sindecon-SP

Isabela Callegari - Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD)

Júlia Borges da Costa - Câmara Municipal do Rio de Janeiro

Camilla Borges Sampaio - UFRJ

Amanda Atuária

Gilda CabralIPEA e CFEMEA

Laura Muniz de PáduaPPED/UFRJ

Jozelia NogueiraProcuradoria Geral do Estado do Paraná

Bernardo Sávio CamposUniversidade Federal do Rio de Janeiro

Mariana da Silva Santos

Miguel Henriques de Carvalho - Departamento de Economia da UFRRJ- Campus de Serópedica

Daniel César Stumm - UFSM

João Pedro Sena - Universidade Federal Fluminense

Guilherme Haluska - Universidade Federal da Integração Latino-americana

Emmanuel Tsallis -PPGE-IE/UFRJ; PSOL-RJ; REPP

Wellington Leonardo da Silva - Sindicato dos Economistas do RJ e Associação de Economistas da América Latina e Caribe para o Cone Sul

Joao Manoel Gonçalves Barbosa - COFECON e Sindicato dos Economistas do RJ

Gustavo Souto de Noronha - Sindicato dos Economistas do RJ

Antônio dos Santos Magalhães - Sindicato dos Economistas do RJ

Paulo Dantas da Costa - Conselho Federal de Economia

Sidney Pascoutto da Rocha - CORECON-RJ

Luise Villares - PPGECO/UnB

Adriana Amado - Unb