Quem assistir ao filme documentário “Ocupa Tudo”, de Carlos Pronzato, vai reavivar em sua memória que a greve dos estudantes com ocupações de escolas, de 2016, cruzou a reivindicação de revogação da MP 746, que criou o Novo Ensino Médio (NEM), com o repúdio total à PEC 241 (posteriormente PEC 95), a famosa “PEC da Morte”, que congelou o aumento de recursos para as escolas públicas – e também aos demais serviços públicos – por 20 anos. Neste período, governava o país o golpista Michel Temer, com sua famosa popularidade de 4%.
O surpreendente é que sete anos depois a história traz à tona e cruza mais uma vez, num mesmo momento político, a luta pela revogação do Novo Ensino Médio e a proposta de Arcabouço Fiscal, que entre outros ataques aos serviços públicos, devido aos acréscimos feitos pelo seu relator na Câmara dos Deputados, o bolsonarista Cláudio Cajado (PP-BA), compromete as verbas para o Fundeb. O cumprimento das metas de superávit primário – e, portanto, a previsão de cortes de gastos sociais necessários para isso – é a segurança legal que os especuladores com os títulos da dívida pública (a grande maioria bancos) almejam. Isso assegura que haverá dinheiro público suficiente para pagar as fabulosas quantias de juros previstas no orçamento.
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Segundo o jornal Folha de São Paulo, de 19 de maio: “A inclusão do Fundeb dentro do limite de gastos do novo arcabouço fiscal pode resultar em redução de outras despesas da educação, inclusive de programas como o de merenda, transporte e livro didático, indica nota produzida pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (...) O fundo é o principal mecanismo de financiamento da educação básica, por isso o tema preocupa o MEC (Ministério da Educação) e parlamentares ligados à pauta da educação (...) O Fundeb ficou de fora do Teto de Gastos, regra que, desde 2016...”.
O ministro da Economia, Fernando Haddad, sinalizou que concorda com o texto final produzido pelo relator, ao declarar:
“Em acordo todo mundo sai do acordo tendo que ceder em alguma coisa né. É óbvio se você perguntar para o governo, o governo ele mandou um projeto de lei, mas sabe que [existem] outras forças do Congresso Nacional, que é natural que o relator tem que ouvir todo mundo pra angariar o maior apoio possível, e é um quórum qualificado, temos que ter 257 votos pra aprovar” (G1, 16/05/2023).
O Portal UOL registrou trecho da fala de Haddad, em sessão conjunta na Câmara dos Deputados, onde ele parece confirmar o acordo com o relatório de Cajado:
“Quando tem uma casa com 513 parlamentares de visão diferente, o relator faz um trabalho para buscar aquele centro expandido, não apenas os 257 votos para aprovar a lei complementar, mas um espaço maior, de 300 a 350 votos, para sinalizar ao país que este centro está sendo reforçado, que estamos despolarizando o país para o bem do próprio país”.
Ou seja, o governo federal não só não revoga o Novo Ensino Médio como aceita comprometer o Fundeb ao concordar com a emenda do relator bolsonarista. Remarque-se: o Fundeb estava fora da EC 95 do teto de gastos imposta por Temer.
Essa semana, o FMI emitiu um comunicado apoiando “fortemente” o Arcabouço Fiscal. Na sexta, 19 de maio, foi a vez de Bolsonaro empenhar seu apoio ao projeto:
“Os problemas que acontecem no Brasil afetam a todos. O PL é um partido grande, com 99 parlamentares, e não faremos uma oposição radical. Queremos colaborar para que o Brasil não fracasse, não afunde (...) Vamos ajudar apesar de não simpatizarmos com o governo". (Portal Terra).
Portanto, fica claro que, se até o momento a ameaça sobre a escola pública parecia ser o da continuidade do famigerado Novo Ensino Médio, agora, com a proposta do Arcabouço Fiscal na forma que o relator estabeleceu, e que será votado na próxima semana pela Câmara de Deputados, o desmonte do ensino público será profundamente ampliado. A questão é:
Os deputados de partidos comprometidos historicamente com a defesa da escola pública, gratuita, universal e de qualidade, vão votar junto com o bolsonarismo no Arcabouço Fiscal que será apresentado por Cláudio Cajado?
Aqueles que participam ou aceitam a “união sagrada” em torno do Arcabouço Fiscal com o “centro expandido” (até ontem denominado de ultradireita e até de fascista!) não ousem chamar uma eventual revolta futura da juventude frente à brutalidade (manutenção do NEM e corte de verbas do Fundeb) contra o seu direito ao ensino público como uma “manipulação de direita” ou um fenômeno de “guerra hibrida”. Certos conciliadores de hoje costumam acusar as manifestações legitimas de junho de 2013 - insultando os milhões de jovens envolvidos - buscando confundi-las com as ações golpistas de 2016. A esses lembramos que o relator Cláudio Cajado foi um dos deputados que apoiou o impeachment da presidente Dilma Rousseff que resultou no governo de Temer e instituiu o NEM e a PEC do Teto de Gastos.
*Andrea Caldas, Anísio G. Homem e Ney Jansen são integrantes do Comitê Revoga NEM do Paraná.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.