Esta é uma semana decisiva para o futuro dos gastos com Saúde e Educação no Brasil. O novo arcabouço fiscal, apesar dos avanços importantes em relação ao antigo Teto de Gastos, sofreu alterações pelo Congresso, agravando ainda mais o revés que essas duas áreas podem sofrer com as mudanças dos chamados “pisos orçamentários”.
Os pisos são instrumentos que obrigam a destinação de parte da receita governamental para as áreas de Saúde e Educação. Na de 1988 e em posteriores alterações, foi fixado que a Saúde teria 15% da receita corrente líquida obrigatoriamente destinada a Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS). Para a Educação, 18% da Receita Líquida de Impostos ficaram vinculados à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE).
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Estes pisos foram vitórias fundamentais da sociedade brasileira para a expansão e universalização dessas políticas. A universalização do acesso à educação básica, por exemplo, só se tornou possível devido à vinculação. Na Saúde, a estruturação e o desenvolvimento do SUS também ficaram garantidos com esses pisos. Mas apesar de serem fundamentais, os pisos não são suficientes para garantir os recursos necessários às duas áreas, que precisam ser complementadas com outros recursos. Enquanto a Saúde hoje gasta basicamente só o piso, por conta de anos de desfinanciamento do SUS, a Educação gasta mais que o piso.
Em 2017, com o advento do Teto de Gastos, tais vinculações com a receita foram substituídas pela regra do Teto, que considerou os valores gastos em 2017, corrigidos pelo IPCA anualmente. A recente revogação do Teto significou a volta dos pisos atrelados à Receita. Porém, a regra proposta pelo Executivo para o arcabouço limita o crescimento das despesas a 70% do aumento da arrecadação - enquanto os pisos vão crescer 100%, pois são gastos obrigatórios. Desta forma, forma-se um cenário em que os pisos vão ocupar um espaço cada vez maior no Teto, esmagando as demais despesas discricionárias.
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O substitutivo apresentado pelo relator do arcabouço no Congresso agrava ainda mais este problema, principalmente por manter o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e o Piso da Enfermagem dentro do novo Teto, pressionando ainda mais os gastos sociais, que já sofreram anos de desfinanciamento desde a implementação da EC 95.
O governo já percebeu este problema em sua proposta de arcabouço, mas a proposta apresentada até agora para resolvê-lo é acabar com os pisos de saúde e educação. Dada a provável dificuldade de aumento de arrecadação, logo, da Receita, e a falta de priorização de uma reforma tributária que imponha mais tributos aos ricos, que abririam uma margem maior às despesas, o fim da vinculação é uma possibilidade cada vez mais factível e significaria um desastre do ponto de vista social.
Precisamos urgentemente retirar os pisos de saúde e educação da proposta do novo arcabouço fiscal. Este movimento não só garantiria o aumento de recursos para estas áreas, como também liberaria recursos para a estruturação das demais políticas de garantia de direitos humanos.
A discussão apressada no Congresso e as graves implicações nas despesas sociais demonstram como é fundamental a abertura de diálogo com a sociedade sobre o que é o arcabouço fiscal e como ele garantirá uma estratégia de desenvolvimento e superação da crise econômica, social e ambiental que atualmente enfrentamos no país.
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Livi Gerbase é da Coordenação Executiva da Coalizão Direitos Valem Mais e assessora política do Inesc; Nelson Cardoso Amaral é presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação; e Getúlio Vargas Júnior é conselheiro nacional de Saúde e presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores.