Nesta quinta (22) um jatinho avaliado em R$ 37 milhões operado pela empresa de Wesley Safadão foi apreendido e teve seu uso bloqueado pela Justiça. A ação é resultado de um processo movido por um grupo de investidores lesados pelo empresário Francesley da Silva, o "Sheik dos Bitcoins", para ressarcimento das dívidas. Os advogados do cantor explicam que a aeronave foi penhorada para o artista como garantia de retorno do investimento que Safadão também teria feito com o tal "sheik". Alardeada como dinheiro do futuro, os bitcoins estão longe de oferecer condições para se firmar como moeda e não contribuem muito para que o próprio planeta tenha algum futuro.
O veículo de luxo foi apreendido em função de uma decisão da Justiça de atender um pedido de aresto — um tipo de bloqueio preventivo de um bem para o pagamento de uma dívida. Na época em que tal pedido foi feito, a WS Shows, empresa de Weslwy Safadão, recorreu e chegou a conseguir uma decisão provisória para manter a posse do avião enquanto os procedimentos da transferência da propriedade do avião ocorriam. Entretanto, com a nova decisão, o jatinho não poderá ser utilizado.
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Pirâmides de bitcoins
Francesley da Silva é acusado pela Polícia Federal de liderar um esquema de pirâmides financeiras com comercialização de bitcoins que movimentou cerca de R$ 4 bilhões em todo o Brasil. De acordo com informação disponível na página do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, a lei 1.521/51, que dispõe sobre crimes contra a economia popular, prevê o chamado crime de “pirâmide” ou “esquema de pirâmide”, que consiste em tentar ou obter ganhos ilícitos, através de especulações ou meios fraudulentos, causando prejuízo a diversas pessoas.
O Sheik dos Bitcoins está preso desde 3 de novembro, quando foi alvo de operação da PF. Ele responderá às seguintes denúncias apresntadas pelo Ministério Público do Paraná: organização criminosa; crimes contra a economia popular (esquema de pirâmide); lavagem de dinheiro; estelionato; e por emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente, em condições divergentes das constantes do registro ou irregularmente registrados.
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Em nota, a empresa de Safadão declarou apenas que foi surpreendida com a apreensão do avião de luxo. "A WS Shows foi surpreendida com a recente decisão que determinou o bloqueio do jato, porém já está nas mãos da Justiça para que tudo seja resolvido da melhor e mais justa forma", diz o texto.
Bitcoins não são o futuro
Alardeada sobretudo pelo campo liberal como moeda do futuro, os bitcoins são extremamente voláteis e nocivos ao meio ambiente. De setembro de 2020 a novembro de 2021 o preço do ativo subiu 6 vezes, impulsionada pela movimentação de pesos-pesados do Vale do Silício e de Wall Street, saindo de quase US$ 10 mil para US$ 60 mil. O ganho extraordinário fez com que os bitcoins ganhassem repercussão e se popularizassem. No primeiro semestre de 2021 o número de investidores no ativo aumentou de 71 milhões para 114 milhões, segundo estimativa da plataforma de câmbio Crypto.com.
Entretanto, a volatilidade e o caráter especulativo são inerentes ao criptoativo. Em fevereiro de 2021 o grupo Tesla anunciou um investimento de US$ 1,5 bilhão em bitcoin, fazendo seu preço subir mais de 10%. Em 24 de março do mesmo ano, o maior acionista do grupo, Elon Musk, declarou que logo seria possível pagar um carro Tesla com criptomoedas. Em 12 de maio Musk mudou de ideia e o que se seguiu foi uma queda sem precedentes do preço, que em alguns dias apagou centenas de bilhões de dólares de valorização.
Volatilidade
O professor de economia e presidente eleito do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro (Corecon-RJ), Marcelo Pereira Fernandes, avalia que "neste momento, as criptomoedas vêm sofrendo intensa desvalorização, após agentes do mercado criarem a fantasia de que seria “a moeda do futuro”.Aliás, este frenesi especulativo – agora em torno das criptomoedas – é algo comum no mercado financeiro". Ele critica ainda os modismos na economia. "De tempo em tempos aparece algum ativo sublime, uma mania, como diria o economista Charles Kindleberger, para fazer a festa de alguns espertos às custas de muitos desavisados. A questão é que nos últimos meses o mercado de criptomoedas perdeu mais de US$ 1 trilhão. A brincadeira está ficando arriscada demais. Por isso, não será surpresa se no futuro não muito distante as criptomoedas forem banidas", dispara o especialista.
Na verdade já há um país considervelmente importante na economia e na geopolítica que tomou decisões contrárias às bitcoins nos últimos anos. A China baniu as plataformas de câmbio de criptomoedas, meses depois o Banco Central do país anunciou o bloqueio de todos os sites de câmbio de criptomoedas (incluindo os estrangeiros) na web chinesa e, finalmente, em 2021 o governo proibiu as instituições financeiras de oferecerem serviços nessa área.
Nem moeda...
Outro aspecto valorizado pelo deslumbramento liberal com as criptomoedas é o fato de serem desvinculadas de instituições financeiras, sobretudo Bancos Centrais dos países. Ocorre que uma moeda é um bem comum, como explica o economista Frédéric Lemaire em texto publicado no Le Monde Diplomatique Brasil. "Uma vez que suas diversas funções são essenciais para a comunidade, ela deve estar sujeita ao controle democrático e à gestão por instituições representativas da coletividade. Caso contrário, seria confiscada por interesses privados. Nesses diferentes aspectos, portanto, o bitcoin continua sendo uma moeda incompleta", escreveu o especialista.
De acordo com Marcelo Fernandes, "a ideia de que as chamadas as criptomoedas privadas (bitcon, ether e outras), possam no futuro substituir as moedas de curso forçado como existem atualmente, não merece ser levado a sério. Isso simplesmente jamais acontecerá". Ele explica que a moeda como conhecemos atualmente é uma criação do Estado e precisa cumprir três funções: meio de troca, reserva de valor e unidade de conta. "Só Estados soberanos podem garantir estas três funções. Evidentemente as criptomoedas são usadas muito marginalmente como meio de troca e com extrema dificuldade podem ser reservas de valor. É um ativo, uma possibilidade de investimento bastante arriscada porque seu preço é extremamente volátil. Não servem a qualquer propósito público, já que não possuem valor intrínseco", explica o economista.
... nem futuro
Além de não poder ser moeda, tampouco os bitcoins apresentam boas perspectivas para o futuro da humanidade. Seu consumo de energia cada vez maior e seu impacto ambiental representam um problema grave e provavelmente insolúvel, já que esse aspecto está vinculado ao próprio funcionamento dos bitcoins e ao processo que confere segurança dos blocos de transações (blockchains). Segundo o índice de consumo de energia pelo bitcoin criado pela Universidade de Cambridge, caso operem com a média do nível de consumo de meados de novembro de 2021, os “mineradores” de bitcoin consumiriam 120 terawatts-hora por ano, um número próximo do consumo elétrico anual da Suécia. Segundo os cálculos de Alex de Vries, economista do Banco Central holandês, o consumo das centenas de milhares de computadores dedicados à mineração da moeda emitiria 64 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera por ano e uma única transação em bitcoin emitiria tanto CO2 quanto 1,8 milhão de pagamentos com cartão Visa
Por fim, o bitcoin é particularmente vulnerável a fraudes e manipulações de mercado, devido à ausência de regulação e de supervisão, inerente a seu funcionamento. Isso permite que os maiores investidores usem todo seu peso para influenciar diretamente os preços com baixíssimo risco de sanção, como fez Elon Musk em 2021. O argumento é corroborado ainda pelas fraudes operadas pelo "Sheik dos Bitcoins", fazendo o cantor Wesley Safadão e os demais investidores entenderem isso de maneira amarga.