RIO DE JANEIRO

Rio 50°: Falta de políticas públicas para lidar com crise climática agrava realidade carioca

Trabalhadores e alunos sofrem com transportes e escolas sem ar-condicionado em semana que cidade foi considerada a mais quente do planeta

Rio de Janeiro atinge 44°C.Créditos: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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A população do Rio de Janeiro viveu dias de temperaturas extremas nesta última semana, quando a cidade atingiu, pela primeira vez, o nível 4 de calor estabelecido pelo Alerta Rio. O índice foi atingido na segunda-feira (17), quando os termômetros chegaram a marcar 44°C, recorde desde 2014. No mesmo dia, a cidade foi considerada a metrópole mais quente do planeta, segundo o MetSul, com sensação térmica de 50°C.

Diante do cenário causado pela crise climática, que se intensifica a cada ano, a preocupação de especialistas, ativistas e da própria população carioca é como o Rio de Janeiro está se preparando para enfrentar situações extremas como essa, visando proteger a saúde dos moradores, principalmente dos trabalhadores que precisam enfrentar o calor das ruas e dos transportes públicos, além das populações que vivem em locais mais vulneráveis às altas temperaturas. 

Durante a semana, as principais denúncias e reivindicações da população e de alguns políticos do Rio de Janeiro foram a falta de estrutura dos transportes públicos e das escolas para fornecer ambientes climatizados. Apesar de a prefeitura ter anunciado medidas para lidar com o calor extremo, como abertura de 58 pontos de resfriamento, que servem como paradas para hidratação de funcionários que trabalham expostos ao sol, é preciso criar políticas públicas que vão além e que, realmente, preparem a cidade para as altas temperaturas, que serão cada vez mais frequentes. 

De acordo com o especialista em políticas públicas e meio ambiente, ativista climático e membro da Coalizão pelo Clima do Rio de Janeiro, Pedro Graça Aranha, a prefeitura também precisa oferecer, além de água, frutas frescas para hidratação da população, bonés e filtros solares. Ele argumenta que produtos para proteção contra o sol são muito caros e nem todo mundo tem condição financeira para comprar, o que deveria tornar o oferecimento de filtro solar "um programa de saúde pública". 

"A questão mais importante é criar as ilhas de hidratação e de frescor, mas não com copinho de água. É mais do que isso, a prefeitura deveria abrir espaços para as pessoas dormirem nessas Naves do Conhecimento, nesses espaços públicos, deixando os ares-condicionados ligados, porque o calor é a noite inteira. Essas são as políticas que deveriam ser implementadas com mais urgência", diz Pedro. Ele ainda acrescenta que a prefeitura do Rio "fala muito em política climática", mas se for ver o orçamento para ser executado, "é muito ruim".

Outra medida destacada pelo especialista é a criação de banheiros públicos. "Esse espaço do banheiro público deveria ser um espaço de hidratação e um espaço de frescor. A prefeitura deve criar políticas públicas com refúgios para as ondas de calor extremo, seria fundamental", defende Pedro. 

O ativista acrescenta, porém, que infelizmente o trabalho da prefeitura é "ineficaz". "A gente não tem políticas de adaptação, de mitigação, há uma ausência de política pública de saneamento básico. Então, você ainda tem a população de vários bairros da cidade do Rio de Janeiro sofrendo com a questão da água. É muito dura a relação da vida dessas pessoas com ausência de políticas públicas", declara. 

A  especialista em Engajamento e Cidades do Instituto Clima e Sociedade, Leonildes Nazar, também aponta as realidades de vulnerabilidades profundas que muitas comunidades vivem e que dificultam o enfrentamento a eventos extremos como as ondas de calor. "Falta de habitações seguras com infraestruturas e termicamente adequadas a essas mudanças, falta de acesso à água, saneamento e espaços verdes - que poderiam apoiar na regulação térmica - falta de acesso à alimentação saudável, que pode reduzir a insegurança nutricional no sentido de adaptar à rotina a hábitos mais saudáveis, incluindo o que você acessa e como você come, pode contribuir para sua capacidade de resposta ao calor", avalia Leonildes. 

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Para ela, o cenário de calor extremo no Rio de Janeiro evidencia que é preciso adotar uma "estratégia multissetorial e esforços integrados de políticas e ações de modo que se coloque a percepção de que o agravamento da crise climática é de dimensão ambiental, mas sobretudo social".

"Se você tem um processo em ampla escala de precariedade dos serviços públicos em relação à mobilidade numa cidade como o Rio, imagina o cenário em que, além disso, devido ao aumento das temperaturas, você vai ter mais casos de desidratação, exaustão térmica, insolação e aumento de frequência cardíaca", completa. 

Um relatório produzido pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) e divulgado nesta semana mostrou que o aumento das temperaturas no Rio de Janeiro está diretamente associado ao crescimento da taxa de mortalidade na cidade. O estudo revela que o calor extremo representa um risco significativo, principalmente para idosos e indivíduos com doenças preexistentes, como diabetes, hipertensão, Alzheimer, insuficiência renal e infecções do trato urinário. 

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O calor extremo nas escolas e nos ônibus 

Trabalhadores se espremem em ônibus no Rio de Janeiro. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Mesmo diante do calor extremo que assola o Rio de Janeiro, muitas instituições de ensino não possuem ar-condicionado. Em todo o estado, são 200 escolas estaduais sem o aparelho, segundo a Secretaria de Educação (Seeduc). Diante disso, alguns alunos, professores e funcionários realizaram um protesto, nesta segunda-feira (17), quando a cidade atingiu 44°C. 

Além disso, o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe) denunciou que a situação das merendeiras é ainda pior, pois elas chegam a enfrentar uma sensação térmica de 60°C dentro das cozinhas, quando o fogão é ligado. 

O Sepe também abriu um canal de denúncias para que funcionários das escolas registrem a falta de ar-condicionado. De acordo com a organização, foram contabilizadas 650 denúncias em aproximadamente 48 horas. 

A falta de ar-condicionado também atinge os ônibus da cidade. O vereador e fundador do Movimento Vida Além do Trabalho, Rick Azevedo (PSOL), percorreu algumas linhas da cidade para denunciar a falta de climatização no transporte público. Em um vídeo publicada em seu Instagram, nesta terça-feira (18), ele viajou até o bairro de Campo Grande e mostrou inúmeras falhas no sistema de refrigeração dos ônibus, além de trabalhadores passando mal com o calor. O vereador também levou a pauta para a Câmara Municipal durante sessão nesta quarta-feira (19). 

"Recebemos inúmeras denúncias sobre a situação dos ônibus que circulam por Campo Grande e estamos na luta! Nosso mandato segue fiscalizando e cobrando respostas para que todas as linhas tenham ar-condicionado. Com a temperatura no Rio atingindo nível 4, trabalhadores estão passando mal e a irresponsabilidade das empresas continua. Não vamos aceitar esse descaso e não vamos parar até que a situação mude!", afirma o vereador na postagem. 

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