Negacionismo climático

Calor extremo: Alunos e trabalhadores pagam preço da inação política – Por Danilo Tavares

Há registros de casos de estudantes do CAIC Ayrton Senna da Silva, de São Vicente, que passaram mal dentro e fora das salas de aula por causa do calor

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Calor extremo: Alunos e trabalhadores pagam preço da inação política – Por Danilo Tavares
Alunos do CAIC Ayrton Senna da Silva, de SV, passaram mal por causa do calor. Danilo Tavares

Nos últimos dias, estudantes do CAIC Ayrton Senna da Silva, no bairro do Humaitá, em São Vicente, passaram mal dentro e fora das salas de aula. As crianças sentiram dor de cabeça, tontura, fraqueza e enjoo; uma delas chegou a desmaiar, vomitar e precisou ser atendida por equipes de saúde, após enfrentar temperaturas superiores a 35°C em um ambiente sem climatização, com ventiladores de péssima qualidade e extremamente barulhentos, que funcionam de forma precária. O episódio, relatado pelo jornal A Tribuna, está longe de ser um caso isolado, ocorrendo em diversas escolas públicas e estaduais da região.

Sou funcionário da secretaria da escola e posso afirmar, como testemunha direta, que o calor extremo afeta não apenas os alunos, mas também os trabalhadores administrativos, professores e toda a equipe pedagógica. Trabalho diariamente em um ambiente onde o desconforto térmico é a regra. Sinto no corpo como isso compromete o bem-estar e testemunho os impactos no aprendizado, na saúde e na dignidade de quem estuda e trabalha aqui. Como pessoa portadora de TDAH e TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada), afirmo que é difícil manter a concentração e a produtividade em um ambiente tão adverso e hostil. Imagine para os mais de 40 alunos com necessidades especiais desta escola.

Essa realidade é resultado do descaso político e da negação climática institucionalizada. Gestores públicos que, de dentro de suas salas climatizadas com ar-condicionado, ignoram a necessidade urgente de adaptar as escolas às mudanças climáticas. Enquanto políticos falam em sustentabilidade, estudantes e professores da rede pública sofrem em salas de aula sufocantes, pagando o preço da inação governamental.

Calor como obstáculo educacional

Pesquisas científicas já comprovaram que altas temperaturas prejudicam diretamente o desempenho cognitivo. Um estudo de Goodman et al. (2018) mostrou que cada grau Celsius acima da média reduz as notas dos alunos em 0,2%. Além disso, pesquisas do National Bureau of Economic Research (2018) apontam que noites quentes diminuem em 13% o rendimento em testes escolares, pois afetam a qualidade do sono e, consequentemente, a capacidade de aprendizado.

No CAIC Ayrton Senna, vejo esse problema todos os dias. Alunos chegam sonolentos e reclamam de cansaço extremo, reflexo de noites mal dormidas em casas sem ventilação adequada, pois a precariedade habitacional também faz parte da realidade dessa localidade. Durante as aulas, o desconforto térmico aumenta: ventiladores fazem mais barulho do que vento, e mesmo aqueles que funcionam não são suficientes para aliviar o calor. No verão, a sensação é de estar dentro de um forno.

“Minha filha chega em casa com dor de cabeça e sem conseguir estudar. Diz que a sala parece um forno”, relata a mãe de uma aluna do 6º ano.

E os professores? Também sofrem. Ao final do expediente, vejo educadores completamente exaustos, drenados pelo calor, sem energia sequer para corrigir provas ou preparar aulas. Esse desgaste compromete a qualidade do ensino e desrespeita as normativas do Ministério do Trabalho e Emprego, que garantem condições adequadas de trabalho.

Desigualdade racial e climática: Quem sofre mais?

A crise do calor nas escolas públicas não afeta a todos da mesma forma. O CAIC Ayrton Senna da Silva está localizado em uma região periférica onde 72% da população se autodeclara preta ou parda (IBGE, 2022). Enquanto escolas particulares do Guarujá ou do centro de São Vicente contam com ar-condicionado e ventilação adequada, os estudantes da rede pública são obrigados a enfrentar condições extremas, agravando a desigualdade educacional e social.

O professor de geografia Antonio Bravini, da Escola Francisco Meirelles, destaca a mobilização dos docentes para exigir melhores condições de trabalho. “Os professores se organizaram para cobrar uma resposta imediata sobre as péssimas condições de trabalho, por exemplo, a falta de ventiladores funcionando em algumas salas de aula”, afirma Bravini. “Se o governo municipal realmente se importasse com a educação pública, não precisaríamos nos mobilizar para garantir o mínimo de dignidade dentro das escolas. E para piorar temos um sindicato inoperante e que deixa os professores ao deus-dará”.

A crise climática tem cor e classe social. As populações periféricas, compostas majoritariamente por negros e pessoas de baixa renda, são as mais afetadas pela negligência do poder público. O calor excessivo, aliado à infraestrutura precária das escolas, escancara o racismo ambiental e a desigualdade estrutural que permeiam as políticas educacionais no Brasil.

O que pode ser feito?

Diante desse cenário alarmante, é urgente que o poder público tome medidas concretas para mitigar os efeitos do calor extremo nas escolas. Algumas ações necessárias incluem:

Instalação de sistemas de climatização eficientes nas escolas públicas;

Manutenção e substituição dos ventiladores defeituosos;

Criação de projetos arquitetônicos que favoreçam a ventilação natural e o sombreamento;

Investimentos em infraestrutura sustentável para isolamento térmico, como tintas refletivas, telhados brancos ou ecológicos e paredes com cobertura vegetal podem reduzir a absorção de calor e manter as salas de aula mais confortáveis;

Mobilização da comunidade escolar para pressionar o governo por mudanças efetivas.

Não podemos permitir que alunos, professores e trabalhadores da educação continuem sofrendo com a negligência climática e política. O direito a um ambiente de aprendizado digno e saudável deve ser garantido a todos, independentemente de sua classe social ou cor de pele. A educação pública precisa ser prioridade real, e não apenas discurso vazio em tempos de campanha eleitoral.

Conclusão: O preço do descaso

O calor no CAIC Ayrton Senna da Silva não é apenas uma questão meteorológica. É política. A asfixia nas salas de aula expõe a negligência do poder público e como o negacionismo climático e o racismo ambiental se entrelaçam para perpetuar desigualdades históricas.

Como funcionário da escola, vejo diariamente crianças passando mal, professores exaustos e um sistema educacional que não oferece o mínimo necessário para um aprendizado digno. Enquanto gestores públicos no conforto de suas salas climatizadas ignoram o termômetro nas escolas, o futuro de milhares de estudantes e profissionais da educação está comprometido.

A pergunta que fica é: Por quanto tempo mais vamos pagar esse preço?

*Danilo Tavares (@danilotavaressol) é produtor cultural, funcionário público municipal e secretário de comunicação do PSOL de São Vicente, além de membro do Conselho de Economia Solidária de São Vicente e do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista e diretor da Casa Crescer e Brilhar.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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