Nos últimos dias, estudantes do CAIC Ayrton Senna da Silva, no bairro do Humaitá, em São Vicente, passaram mal dentro e fora das salas de aula. As crianças sentiram dor de cabeça, tontura, fraqueza e enjoo; uma delas chegou a desmaiar, vomitar e precisou ser atendida por equipes de saúde, após enfrentar temperaturas superiores a 35°C em um ambiente sem climatização, com ventiladores de péssima qualidade e extremamente barulhentos, que funcionam de forma precária. O episódio, relatado pelo jornal A Tribuna, está longe de ser um caso isolado, ocorrendo em diversas escolas públicas e estaduais da região.
Sou funcionário da secretaria da escola e posso afirmar, como testemunha direta, que o calor extremo afeta não apenas os alunos, mas também os trabalhadores administrativos, professores e toda a equipe pedagógica. Trabalho diariamente em um ambiente onde o desconforto térmico é a regra. Sinto no corpo como isso compromete o bem-estar e testemunho os impactos no aprendizado, na saúde e na dignidade de quem estuda e trabalha aqui. Como pessoa portadora de TDAH e TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada), afirmo que é difícil manter a concentração e a produtividade em um ambiente tão adverso e hostil. Imagine para os mais de 40 alunos com necessidades especiais desta escola.
Essa realidade é resultado do descaso político e da negação climática institucionalizada. Gestores públicos que, de dentro de suas salas climatizadas com ar-condicionado, ignoram a necessidade urgente de adaptar as escolas às mudanças climáticas. Enquanto políticos falam em sustentabilidade, estudantes e professores da rede pública sofrem em salas de aula sufocantes, pagando o preço da inação governamental.
Calor como obstáculo educacional
Pesquisas científicas já comprovaram que altas temperaturas prejudicam diretamente o desempenho cognitivo. Um estudo de Goodman et al. (2018) mostrou que cada grau Celsius acima da média reduz as notas dos alunos em 0,2%. Além disso, pesquisas do National Bureau of Economic Research (2018) apontam que noites quentes diminuem em 13% o rendimento em testes escolares, pois afetam a qualidade do sono e, consequentemente, a capacidade de aprendizado.
No CAIC Ayrton Senna, vejo esse problema todos os dias. Alunos chegam sonolentos e reclamam de cansaço extremo, reflexo de noites mal dormidas em casas sem ventilação adequada, pois a precariedade habitacional também faz parte da realidade dessa localidade. Durante as aulas, o desconforto térmico aumenta: ventiladores fazem mais barulho do que vento, e mesmo aqueles que funcionam não são suficientes para aliviar o calor. No verão, a sensação é de estar dentro de um forno.
“Minha filha chega em casa com dor de cabeça e sem conseguir estudar. Diz que a sala parece um forno”, relata a mãe de uma aluna do 6º ano.
E os professores? Também sofrem. Ao final do expediente, vejo educadores completamente exaustos, drenados pelo calor, sem energia sequer para corrigir provas ou preparar aulas. Esse desgaste compromete a qualidade do ensino e desrespeita as normativas do Ministério do Trabalho e Emprego, que garantem condições adequadas de trabalho.
Desigualdade racial e climática: Quem sofre mais?
A crise do calor nas escolas públicas não afeta a todos da mesma forma. O CAIC Ayrton Senna da Silva está localizado em uma região periférica onde 72% da população se autodeclara preta ou parda (IBGE, 2022). Enquanto escolas particulares do Guarujá ou do centro de São Vicente contam com ar-condicionado e ventilação adequada, os estudantes da rede pública são obrigados a enfrentar condições extremas, agravando a desigualdade educacional e social.
O professor de geografia Antonio Bravini, da Escola Francisco Meirelles, destaca a mobilização dos docentes para exigir melhores condições de trabalho. “Os professores se organizaram para cobrar uma resposta imediata sobre as péssimas condições de trabalho, por exemplo, a falta de ventiladores funcionando em algumas salas de aula”, afirma Bravini. “Se o governo municipal realmente se importasse com a educação pública, não precisaríamos nos mobilizar para garantir o mínimo de dignidade dentro das escolas. E para piorar temos um sindicato inoperante e que deixa os professores ao deus-dará”.
A crise climática tem cor e classe social. As populações periféricas, compostas majoritariamente por negros e pessoas de baixa renda, são as mais afetadas pela negligência do poder público. O calor excessivo, aliado à infraestrutura precária das escolas, escancara o racismo ambiental e a desigualdade estrutural que permeiam as políticas educacionais no Brasil.
O que pode ser feito?
Diante desse cenário alarmante, é urgente que o poder público tome medidas concretas para mitigar os efeitos do calor extremo nas escolas. Algumas ações necessárias incluem:
Instalação de sistemas de climatização eficientes nas escolas públicas;
Manutenção e substituição dos ventiladores defeituosos;
Criação de projetos arquitetônicos que favoreçam a ventilação natural e o sombreamento;
Investimentos em infraestrutura sustentável para isolamento térmico, como tintas refletivas, telhados brancos ou ecológicos e paredes com cobertura vegetal podem reduzir a absorção de calor e manter as salas de aula mais confortáveis;
Mobilização da comunidade escolar para pressionar o governo por mudanças efetivas.
Não podemos permitir que alunos, professores e trabalhadores da educação continuem sofrendo com a negligência climática e política. O direito a um ambiente de aprendizado digno e saudável deve ser garantido a todos, independentemente de sua classe social ou cor de pele. A educação pública precisa ser prioridade real, e não apenas discurso vazio em tempos de campanha eleitoral.
Conclusão: O preço do descaso
O calor no CAIC Ayrton Senna da Silva não é apenas uma questão meteorológica. É política. A asfixia nas salas de aula expõe a negligência do poder público e como o negacionismo climático e o racismo ambiental se entrelaçam para perpetuar desigualdades históricas.
Como funcionário da escola, vejo diariamente crianças passando mal, professores exaustos e um sistema educacional que não oferece o mínimo necessário para um aprendizado digno. Enquanto gestores públicos no conforto de suas salas climatizadas ignoram o termômetro nas escolas, o futuro de milhares de estudantes e profissionais da educação está comprometido.
A pergunta que fica é: Por quanto tempo mais vamos pagar esse preço?
*Danilo Tavares (@danilotavaressol) é produtor cultural, funcionário público municipal e secretário de comunicação do PSOL de São Vicente, além de membro do Conselho de Economia Solidária de São Vicente e do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista e diretor da Casa Crescer e Brilhar.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.