O estudo "O Acesso ao Verde e a Resiliência Climática nas Escolas das Capitais Brasileiras", feito pelo Instituto Alana e a Agência Fiquem Sabendo, com dados do Instituto MapBiomas, lança luz sobre a relação entre as educação, a crise climática e desigualdade social no Brasil.
Através da análise de dados de mais de 20,6 mil escolas de educação básica nas capitais e em Brasília, a pesquisa busca responder a uma pergunta ainda pouco feita pela maioria das autoridades políticas locais: Quantas escolas brasileiras estão situadas em áreas de extremo calor ou vulneráveis a riscos como alagamentos e deslizamentos?
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Em boa parte do país, as escolas enfrentam a falta de infraestrutura adequada, incluindo áreas verdes, acesso a água e outras medidas para mitigar o calor e fortalecer a resiliência climática. Os pesquisadores mostram que mais de 30% das escolas nas capitais do Brasil enfrentam uma grande déficit de áreas verdes, um problema que afeta principalmente alunos de comunidades periféricas e com maior presença de estudantes negros.
Segundo o estudo, 37,4% das escolas não possuem áreas verdes em seus terrenos, percentual que sobe para 43,5% entre as instituições de educação infantil. Diferentemente da percepção de que escolas particulares têm melhor infraestrutura, as públicas apresentam maior acesso ao verde: 31% possuem mais de 30% de área verde, contra apenas 9% das particulares.
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Além da falta de espaços verdes, esses alunos estão mais expostos a temperaturas extremas e riscos climáticos, refletindo a intersecção entre desigualdade racial, econômica e o racismo ambiental. Nas áreas de risco, 51% das escolas têm maioria de estudantes negros, enquanto apenas 4,7% das escolas com maioria de estudantes brancos estão nas mesmas condições.
Em áreas com temperaturas mais elevadas, 35% das escolas são predominantemente negras, contra 8,6% que são brancas. Analisando o total de cada grupo, 16,5% das escolas brancas e 36,4% das escolas negras estão em áreas com temperaturas 3,57ºC acima da média das cidades.
São cerca de 370 mil alunos matriculados na educação infantil e no ensino fundamental que estudam em escolas localizadas em áreas de risco, sendo que 90% dessas escolas estão dentro ou até em um raio de 500 metros de favelas e comunidades urbanas.
As regiões com maior proporção de escolas em áreas de risco em relação ao total de estabelecimentos de ensino nas capitais são Nordeste (16%) e Sudeste (6%), o que impacta potencialmente 353.454 alunos.
Capitais com mais escolas em áreas de risco:
- Salvador: 50% das escolas (470 de um total de 935)
- Vitória: 25% das escolas (39 de um total de 155)
- Recife: 23% (180 de um total de 768)
- Belo Horizonte: 14% (156 de um total de 1.105)
- Natal: 13% (49 de um total de 365)
- São Paulo e Rio Janeiro têm, proporcional e respectivamente, 4,5% e 4,2% das escolas em áreas de risco. Em números absolutos, isso significa que 252 escolas, com um total de 81.065 alunos, estão em risco em São Paulo e 117 no Rio, com 19.226 estudantes matriculados.
Soluções para mitigar efeitos da crise climática na escolas
O estudo sugere algumas propostas de soluções que podem ser adotadas por escolas em áreas de risco climático. São elas:
- Plantio de árvores nas escolas: Fomentar o plantio e o manejo de hortas, jardins e miniflorestas com os estudantes, a partir de técnicas e conhecimentos de comunidades tradicionais, como quilombolas e indígenas, fortalecendo a relação entre educação ambiental e educação para as relações étnico-raciais;
- Integração com praças e parques próximos: Praças e parques são fundamentais para o desenvolvimento da educação integral, na qual os atores e os espaços localizados no entorno imediato das escolas compõem uma comunidade de aprendizado e fazem com que o território urbano seja potencialmente educativo.
- Incentivo à criação de uma cultura de prevenção e percepção de riscos climáticos: uso intencional de espaços ao ar livre pode contribuir para garantir às crianças e aos adolescentes oportunidades de brincar, aprender e criar vínculo com a natureza, de modo similar ao que acontece de maneira espontânea em quintais, parques e aldeias, contribuindo para a produção de saberes e culturas infantis, assim como promovendo uma postura proativa de estudantes, funcionários, famílias e educadores em relação à gestão de riscos de desastres, utilizando estratégias educacionais que envolvam pesquisa, comunicação e mobilização.
Isso colabora para a melhoria na saúde e bem-estar dos alunos, o fortalecimento da educação climática e o aumento da resiliência das escolas frente aos desafios ambientais, além de promover a justiça climáticas, de acordo com os pesquisadores.
“A natureza deve ser fonte de saúde e aprendizado e não uma ameaça para as crianças”, diz o relatório. “As escolas são, também, centros de conhecimento e cultura. Transformá-las em lugares mais verdes, resilientes e melhor adaptados, e envolver alunos, comunidade escolar e as famílias nesse processo, resultará em uma nova educação ambiental e climática.”
Justiça adia volta às aulas na rede estadual por risco de calor extremo
O início das aulas na rede estadual do Rio Grande do Sul, previsto para esta segunda-feira (10), foi adiado para o dia 17 após uma decisão judicial favorável ao pedido do sindicato dos professores, que solicitou o adiamento na rede devido à falta de infraestrutura adequada nas escolas frente à previsão de calor extremo na região.
A decisão tem efeito temporário e será alvo de recurso por parte da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC). O órgão se pronunciou por meio de nota, afirmando que "A Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS) estuda a decisão e elabora o recurso cabível". Já no final da tarde de domingo, o governo confirmou em comunicado oficial que "não haverá aula nas 2.320 escolas da Rede Estadual nesta segunda-feira".
Sete prefeituras também decidiram adiar o início das aulas nas redes municipais para o dia 17. Entre essas estão Pinheiro Machado, no sul, Santana do Livramento, na fronteira oeste, Cruz Alta, no noroeste, Rosário do Sul, no centro do estado, e Nova Santa Rita, Canoas e Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre.
1,2 milhão de crianças com vida escolar afetada pela crise climática
Um levantamento do Unicef divulgado em 24 de janeiro de 2025 escancara o impacto da crise climática na educação global. Em 2024, pelo menos 242 milhões de crianças de 85 países enfrentaram a interrupção das aulas devido a fenômenos como ciclones e ondas de calor. O estudo ainda destaca que uma a cada sete crianças em idade escolar ficou afastada da escola em algum momento do ano por conta desses eventos climáticos extremos.
O relatório destaca que cerca de 74% das crianças atingidas no ano passado estavam em países de renda média e baixa, reforçando o impacto desproporcional dos desastres climáticos sobre populações mais pobres. O Brasil aparece entre os países mais atingidos pela crise climática na educação, com quase 1,2 milhão de crianças afetadas pela suspensão das aulas em 2024. As enchentes foram o principal fator de impacto.
O relatório destaca que as escolas e os sistemas educacionais do mundo “estão amplamente mal equipados” para lidar com os efeitos do clima extremo. “A educação é um dos serviços mais frequentemente interrompidos devido a riscos climáticos. No entanto, é frequentemente esquecida nas discussões políticas, apesar de seu papel na preparação das crianças para a adaptação climática”, diz Caterine Russell, diretora da Unicef.
O excesso de calor tem sido relacionado à diminuição da aprendizagem, com efeitos sobre a concentração, a memória e a saúde física e mental dos estudantes, segundo diversos estudos. De acordo com a diretora, os corpos das crianças são particularmente vulneráveis.
"Eles aquecem mais rápido, suam com menos eficiência e esfriam mais lentamente que os adultos. As crianças não conseguem concentrar-se em salas de aula que não oferecem proteção contra o calor sufocante e não conseguem chegar à escola se o caminho estiver inundado ou se as escolas forem destruídas", destacou.
O sul do Brasil e o sul da Europa enfrentaram inundações trágicas, enquanto a Ásia e a África sofreram com inundações e ciclones. No entanto, de acordo com o relatório do Unicef, as ondas de calor foram “o risco climático predominante, fechando escolas no ano passado” – em 2024, o planeta viveu o ano mais quente da sua história.
O Unicef alertou ainda, em novembro, por meio do relatório State of the World’s Children, que as mudanças climáticas devem se intensificar entre 2050 e 2059. A previsão indica que o número de crianças enfrentando ondas de calor extremas será oito vezes maior, enquanto a exposição a enchentes fluviais crescerá três vezes em relação à década de 2000.
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