A crise climática, longe de ser uma ameaça distante, recebe destaque na mídia corporativa apenas em momentos de grandes acontecimentos ou tragédias. No entanto, o futebol brasileiro, que possui uma enorme adesão cultural no país, já vem enfrentando os efeitos dos fenômenos climáticos extremos registrados nas últimas décadas.
Obtido pela Fórum, o levantamento “O maior adversário do futebol: Impacto das mudanças climáticas no futebol brasileiro”, feito pelo movimento Terra Futebol Clube (Terra FC) e Environmental Resources Management (ERM), uma empresa global de consultoria especializada em sustentabilidade e gestão de riscos, mostra que inundações, ondas de calor, períodos de seca e queimadas no país colocam as partidas em risco.
A pesquisa concluiu que os 20 clubes da Série A do futebol brasileiro são os mais vulneráveis aos impactos climáticos e estão em nível médio, quando há possibilidade de riscos hidrometeorológicos. Pelo menos 17 clubes podem sofrer impactos severos devido às mudanças climáticas nos próximos 10 anos. Entre os clubes avaliados, 4 em cada dez enfrentam uma ameaça significativa de inundações, com suas sedes localizadas em áreas vulneráveis a fortes chuvas e enchentes.
Já 55% dos clubes têm um risco elevado de ser afetados por queimadas, especialmente em regiões mais secas do Brasil. Ao todo, foram analisadas 12 cidades, visto que São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre abrigam, cada uma, mais de um clube da Série A e são as mais suscetíveis a alagamentos e ondas de calor.
Nos picos extremos de calor, os gramados naturais, embora mais resistentes às altas temperaturas, exigem maior irrigação para evitar queima, o que eleva o consumo de água. Já os gramados sintéticos representam um risco ainda maior para a prática esportiva, pois podem atingir temperaturas de 20ºC a 30ºC acima das naturais, aumentando a chance de queimaduras nos jogadores.
Isso ocorreu em 2023, quando o Flamengo registrou temperaturas próximas de 70ºC em seu campo de treinamento com grama sintética, levantando preocupações sobre a segurança dos atletas. No mesmo ano, o São Paulo precisou recuperar o gramado da Arena Morumbi após uma onda de calor que atingiu a cidade.
Já o Palmeiras enfrentou problemas semelhantes no Allianz Parque devido à poluição e às altas temperaturas. A camada inferior de cortiça da grama sintética do estádio derreteu e aderiu às chuteiras dos jogadores, obrigando o clube a substituir o gramado por um material mais resistente ao calor.
As chuvas intensas no Rio Grande do Sul, no início de 2024, que alagaram o estádio do Grêmio, e o aumento alarmante de incêndios florestais no Brasil entre agosto e setembro, também são destacados pelo relatório.
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"Estamos na final e precisamos virar o jogo"
Além das tragédias que resultaram em perdas de vidas de pessoas ligadas ao futebol, alterações de datas de jogos tiveram de ser feitas para mitigar os danos, acarretando prejuízos financeiros para clubes e torcedores e comprometendo a qualidade das partidas. Fora esses eventos extremos, o aumento constante da temperatura em diferentes regiões tem mudado a dinâmica das partidas, obrigando pausas frequentes para hidratação dos jogadores, além de gerar a necessidade de investimentos caros em climatização e manutenção de estádios.
“Há poucos estudos acadêmico-científicos relacionados aos efeitos das mudanças climáticas nos esportes, e os relacionados ao futebol são ainda mais escassos”, destacam os pesquisadores. “É fundamental para a identificação de riscos específicos e o desenho de estratégias para sua gestão para os diferentes atores na cadeia do futebol: clubes, confederações, poder público, entre outros.”
O relatório ainda trabalha a linguagem da conscientização ambiental e afirma que "estamos na final e precisamos virar o jogo", já que com o avanço da crise climática "estamos nos minutos da prorrogação". A análise dos riscos climáticos físicos enfrentados pelos clubes foi realizada por meio de uma ferramenta on-line de código aberto (ThinkHazard!), que avaliou a exposição dos estádios mais frequentes dos 20 clubes da Série A. Entre os principais problemas encontrados e pouco noticiados, estão:
- Danos à infraestrutura dos clubes: tempestades e inundações podem prejudicar estádios e centros de treinamento, gerando custos com reparos, interrompendo os treinos e impactando o desempenho das equipes. Além disso, esses eventos podem reduzir o engajamento dos torcedores ao dificultar a presença nos estádios e causar o adiamento de partidas.
- Adiamento de partidas: fenômenos climáticos como enchentes, incêndios florestais e ondas de calor podem causar o adiamento de jogos, tanto em ligas nacionais quanto internacionais.
- Desafios logísticos: eventos climáticos extremos podem gerar despesas inesperadas, como a realocação temporária das equipes, investimentos em medidas de adaptação e resiliência climática, além de prejuízos financeiros causados pela inadimplência de sócios.
- Desempenho afetado nas competições: a ocorrência de fenômenos climáticos pode comprometer o desempenho das equipes, impactando a qualidade dos jogos. Essa queda de desempenho pode resultar em perda de premiações e afetar as finanças do clube, além de prejudicar sua posição competitiva.
- Queda no engajamento dos torcedores: o número de sócios e o interesse pelos clubes podem diminuir devido aos efeitos dos eventos climáticos, que impactam diretamente a população.
De acordo com a ERM e o Terra Futebol Clube, esses dados podem servir “como base para o desenvolvimento de estratégias de gerenciamento de riscos adaptadas ao contexto geográfico exclusivo de cada clube”, reforçam.
Ano mais quente da história do Brasil não é exceção
O ano de 2024 foi o mais quente da história do Brasil desde 1961, chegando a superar 2023, que havia sido o ano com a temperatura média mais alta registrada. No ano passado, a média das temperaturas ficou em 25,02°C, sendo 0,79°C acima da média histórica de 1991/2020, que é de 24,23°C. Em 2023, a média registrada foi de 24,92°C.
As informações foram divulgadas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). O órgão cruzou dados de 1961 a 2024 e demonstrou a tendência de aumento estatisticamente significativo das temperaturas ao longo dos anos, que está relacionada "à mudança no clima em decorrência da elevação da temperatura global e mudanças ambientais locais", alertou o instituto.
A cada ano, as temperaturas médias não só no Brasil mas em diversas partes do planeta alcançam cada vez mais recordes históricos e níveis extremos devido ao aquecimento global e à crise climática. Esse avanço acelerado preocupa autoridades de todo o mundo, uma vez que significa uma ameaça à vida na Terra. Em novembro de 2024, por exemplo, a temperatura média global chegou a ficar 1,54°C acima da média histórica de 1850/1900.