O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta quarta-feira (28), as discussões da Comissão de Conciliação sobre a tese do Marco Temporal. Na audiência, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) se retirou da mesa, reafirmando que não iria negociar seus direitos fundamentais.
Apesar de considerada inconstitucional pelo próprio STF em setembro do ano passado, a tese do Marco Temporal foi aprovada pelo Congresso logo depois, com apoio da bancada ruralista e de deputados contrários aos direitos indígenas. O movimento indígena, porém, consolidou um grande movimento de resistência contra a lei, que representa uma ameaça aos seus modos de vida.
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Durante esse tempo, fazendeiros articularam uma agromilícia que vem atacando diversas aldeias indígenas pelo país, além de reforçarem uma campanha a favor do Marco Temporal. O STF, na tentativa de "conciliar" as duas partes, criou uma comissão que, de um lado, é representada por parlamentares contra os direitos indígenas, e do outro, pelo seus próprios alvos: as comunidades indígenas.
O advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Anderson Santos, em entrevista à Fórum, explicou que a criação dessa comissão de conciliação é uma proposta impossível, uma vez que não é possível negociar direitos fundamentais, e se caracteriza como uma imposição do extermínio de uma sociedade à outra. Nesse caso, dos fazendeiros aos povos indígenas.
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"O direito à terra é um direito fundamental, e direitos fundamentais não se conciliam. É uma cláusula pétrea na Constituição, que reconhece o direito antes da sociedade não indígena. Não se tem negociação em relação a isso. É um reconhecimento", explica.
O advogado acrescenta que o primeiro verbo do artigo 231 da Constituição é o verbo "reconhecer". "Ela não declara, ela reconhece. É justamente por isso que é tão infame falar em Marco Temporal, porque ele seria a declaração de demarcações a partir de tal ponto", diz.
O direito indígena na Constituição já começa com o verbo 'reconhecer'. Isso significa que já existe aquilo e não que se está criando um direito a partir dali. Reconhece que a sociedade indígena já existia nesse espaço territorial antes da formação da sociedade não indígena.
O artigo 231 diz, integralmente, que a Constituição reconhece aos indígenas “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Nas comunidades indígenas, a conexão com a natureza é algo sagrado. "Na cosmovisão indígena, ter a terra é a mesma coisa que ter a vida", diz Anderson. "E você não pode negociar a sua vida", completa.
Por isso, o advogado acrescenta que a criação da comissão de conciliação "é de fato a imposição de uma sociedade em exterminar a outra", já que o que está em discussão é o direito dos povos indígenas à vida."Como você vai conciliar? Você pode ter meia vida? Não existe isso".
Apesar de ainda estar em discussão e todas as ações sobre o tema terem sido suspensas pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, a tese do Marco Temporal já provoca uma escalada de ataques cruéis aos povos indígenas que estão em processo de retomada de seus territórios.
Um exemplo dessa escalada são os diversos ataques recentes aos indígenas Guarani Kaiowá, localizados na Terra Indígena Panambi, em Douradina, no Mato Grosso do Sul. Em agosto, a comunidade foi atacada a tiros por fazendeiros, que deixaram ao menos 10 feridos. Uma das vítimas, um jovem de 20 anos, está com uma bala alojada na cabeça até hoje. Em julho, eles já haviam sido atacados e outro indígena foi baleado.
"Existe um acampamento de fazendeiros portando armas, fazendo chamamentos públicos para atacar pessoas que não têm nem o que vestir. Não há crime maior do que isso", diz Anderson, que advoga no caso dos indígenas Guarani-Kaiowá.
O advogado afirma que essas iniciativas sobre o Marco Temporal no Congresso e no STF só tendem a piorar essa situação, pois visam relativizar, negociar e conciliar os direitos indígenas.
Os invasores não são os indígenas, mas sim a sociedade não indígena, que continua agredidindo seus territórios e que flexibiliza sua proteção.