O Conselho Federal de Medicina (CFM) entrou recentemente com uma ação civil pública contra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). O objetivo é renegar a reserva de 30% de vagas destinadas aos grupos sociais vulnerabilizados aplicado no Exame Nacional de Residência (Enare).
A matéria foi apresentada à 3ª Vara Cível de Brasília, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Segundo o órgão, que também emitiu nota, as cotas que favorecem pessoas com deficiência, indígenas, negros e moradores de comunidade quilombola, representam “vantagens injustificáveis” e usa ainda o abominável termo “discriminação reversa”. O CFM sustenta que a seleção para residência médica deveria basear-se exclusivamente no “mérito acadêmico de conhecimento.”
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A estupidez do CFM não é novidade. O órgão, que tem como figura central e uma de suas lideranças o ginecologista Raphael Câmara – ex-secretário de Atenção Primária do ministério da Saúde do governo de Jair Bolsonaro (PL), chegou a defender durante a pandemia a autonomia dos médicos para que, se achassem por bem, prescrevessem cloroquina para tratar a covid-19.
A nova diretoria eleita em agosto, é, em sua maioria, composta por chapas de perfil conservador. Defende pautas como restrições ao direito ao aborto legal, pautas “pró-vida” e, como dito acima, a defesa de práticas sem comprovação científica, como o uso da cloroquina para tratar a COVID-19.
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Reações
Tanto a Ebserh, estatal vinculada ao ministério da Saúde responsável pela organização do Enare, quanto a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) se posicionaram contra o CFM. A Ebserh lembrou que a política de cotas está de acordo com decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e representa um esforço para garantir que o acesso às residências médicas e multiprofissionais seja mais representativo da diversidade demográfica do país.
Já a Fiocruz alertou que o acesso à pós-graduação e às residências em saúde continua profundamente desigual no Brasil. “O acesso às diferentes modalidades de pós-graduação, inclusive às residências em saúde, ainda é extremamente desigual, com sub-representação das pessoas negras (pretas e pardas), indígenas e pessoas com deficiência”, afirmou em nota.
A nota do CFM ainda ignora um fato determinante. A presença de profissionais de diversas classes sociais e várias origens étnicas não se atém apenas a preencher cotas. Trata-se de um mecanismo que colabora diretamente para a formação de médicos com maior compreensão das realidades das comunidades brasileiras.
Tanto a nota do CFM quanto as críticas que desabam sobre ela destacam um grave e velho problema brasileiro. A elitização da medicina e a exclusão histórica de determinados grupos. Além disso, deixam ainda mais clara a invasão de crendices e disputas ideológicas na esfera da ciência. Uma disputa que nos remete, no mínimo, a mais de um século de atraso.