“Redução da maioridade penal só vai gerar mais crime e violência”

Advogado Ariel de Castro Alves explica que autor do crime que matou Victor Hugo Deppman pode ficar preso mais do que 3 anos em internação psiquiátrica

Ariel de Castro Alves - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Advogado Ariel de Castro Alves explica que autor do crime que matou Victor Hugo Deppman pode ficar preso mais do que 3 anos em internação psiquiátrica Por Adriana Delorenzo

O assassinato do estudante Victor Hugo Deppman, de 19 anos, durante um assalto em frente à sua casa no bairro de Belém, zona leste de São Paulo, reabriu o debate sobre a redução da maioridade penal. O assaltante era um jovem de 17 anos que acaba de completar 18. Com isso, a lei prevê três anos de internação, que pode ser ampliada caso se comprove a periculosidade do autor do crime devido a transtornos psiquiátricos. Foi o que aconteceu com Champinha, condenado pelo assassinato brutal de Felipe Silva Caffé,19 anos, e de Liana Bei Friedenbach, 16 anos, em 2003. Para falar sobre o assunto, a Fórum entrevistou o advogado Ariel de Castro Alves,especialista em Políticas de Segurança Pública pela PUC- SP e ex- conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Para ele, “reduzir a idade penal seria como reconhecer a incapacidade do Estado brasileiro em garantir oportunidades e atendimento adequado à juventude. Seria como um atestado de falência do sistema de proteção social do País”. Confira abaixo a entrevista na íntegra.

[caption id="attachment_22887" align="alignleft" width="384"] O futuro do Brasil não pode ser condenado à cadeia, diz Ariel (Foto: Marcelo Camargo/ABr)[/caption]

Revista Fórum - Por que o debate sobre a redução da maioridade penal sempre vem à tona após crimes contra jovens de classe média como o assassinato de Victor Deppman?

Ariel de Castro Alves - Os familiares das vítimas têm todo o direito de se manifestar e provavelmente se eu estivesse no lugar deles, após ter perdido um ente querido, também pediria a redução da idade penal ou até pena de morte. Mas temos que diferenciar a emoção da razão. Racionalmente entendo que esta não é a solução para a questão da criminalidade infanto-juvenil no País.

Às vezes também parece que só a vida de jovens de classe média ou alta tem valor na sociedade brasileira. Milhares de jovens são assassinados todos os dias nas periferias e poucos tratam do assunto ou se revoltam e exigem soluções para os casos. Existe muito oportunismo e demagogia nessas discussões.

Há 17 anos venho me posicionando a atuando contra a redução da idade penal. Entendo que se trata de medida ilusória já que o que inibe o criminoso não é o tamanho da pena e sim a certeza de punição. No Brasil existe a certeza de impunidade já que apenas 8% dos homicídios são esclarecidos. Precisamos de reestruturação das polícias brasileiras e melhoria na atuação e estruturação do Judiciário.

As propostas de redução da idade penal também são inconstitucionais, só poderiam prosperar através de uma nova Assembléia Nacional Constituinte. Além disso a reincidência no Sistema Prisional brasileiro, conforme dados oficiais do Ministério da Justiça, é de 60%. No sistema de internação de adolescentes, por mais crítico que seja, estima-se a reincidência em 30%. A Fundação Casa de São Paulo tem apresentado índices de 13%, mas não levam em conta os jovens que completam 18 e vão para as cadeias pela prática de novos crimes.

Essa medida é enganosa, só vai gerar mais crimes e violência. Teremos criminosos profissionais, formados nas cadeias, dentro de um Sistema Prisional arcaico e falido, cada vez mais precoces.

Revista Fórum - De acordo com a legislação atual, quanto tempo o adolescente que atirou em Victor pode ficar preso?

Ariel de Castro Alves - O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece até 3 anos de internação (privação de liberdade). Se o autor do crime sofrer transtornos psiquiátricos e ficar demonstrada a sua periculosidade através de laudos e relatórios após os 3 anos, a lei que criou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, que entrou em vigor em abril de 2012, prevê a ampliação do tempo por prazo indeterminado, transformando a internação socioeducativa em internação psiquiátrica.

Revista Fórum - O governador Geraldo Alckmin anunciou que seu partido (PSDB) vai enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei para tornar o Estatuto da Criança e do Adolescente mais rígido, com penas maiores para menores. O que o sr. acha disso? Deve-se punir com mais rigor?   Ariel de Castro Alves - Ele já anunciou essa proposta em 2003 e 2012, após momentos de clamor social diante de crimes graves e rebeliões na Fundação Casa, mas ele mesmo não deu sequência. Vejo certo oportunismo e demagogia nesta atitude.

A questão da ampliação do tempo de internação é passível de discussão, cabe ao Congresso Nacional criar uma Comissão Especial e tratar do tema com vários especialistas. Toda lei pode ser atualizada ou reavaliada, o Estatuto da Criança e do Adolescente neste item também pode ser, se o congresso e os especialistas assim entenderem. O que não podemos é ter legislações com base na emoção e sim pela razão. O clamor popular após esses casos gravíssimos não contribui com o processo legislativo e abre espaços para oportunismos. Porém, se o tempo de internação ao invés de até 3 anos, fosse de 6 anos, possivelmente a Fundação Casa teria 18 mil internos, ao invés dos 9 mil que tem hoje, tendo mais superlotação e sendo necessários mais investimentos do Estado.

Já a proposta do governador de transferir os jovens da Fundação Casa para presídios é totalmente inadequada. O Sistema Prisional Paulista está com a superlotação acima dos 100%. Além disso a reincidência passa dos 60% e muitas prisões são dominadas por facções criminosas. Já a Fundação Casa tem anunciado a reincidência em torno de 13%. Colocar os jovens num sistema prisional falido e superlotado só vai aumentar a criminalidade no Estado.

Ao invés de transferir os maiores de 18 para presídios, é pertinente que existam unidades de internação específicas aos jovens com idades entre 18 anos até completarem os 21 anos. É uma obrigação do Estado já prevista na lei. Eles não podem ser transferidos  para presídios comuns, já que a medida socioeducativa deve ser cumprida em unidade de internação e não em presídios comuns. Apesar dos jovens já terem 18 anos de idade, eles cometeram o ato infracional quando tinham menos de 18 anos e podem cumprir até 3 anos de internação, ou até completarem os 21 anos.

Revista Fórum - Quais medidas seriam efetivas para conter a violência que atinge níveis absurdos em São Paulo, com altos índices de homicídios por arma de fogo principalmente nas periferias?   Ariel de Castro Alves - O Estatuto da Criança e do Adolescente gerou muitos avanços nos últimos anos com relação ao atendimento às crianças, mas, ainda, no atendimento aos adolescentes deixa muito a desejar, principalmente nas áreas de educação, saúde e profissionalização. A prevenção, através de políticas sociais, custa muito menos que a repressão. O futuro do Brasil não pode ser condenado à cadeia.

São necessários programas de inclusão e oportunidades visando à emancipação social dos jovens. Sempre digo que só com conselhos e atendimentos esporádicos não temos como convencer o jovem a deixar o envolvimento com o crime. Temos que ter programas capazes de criar um novo projeto de vida para os adolescentes, que envolvam suas famílias. Programas com subsídio financeiro, que ofereçam bolsa-formação, oportunidades de estágios, aprendizagem, cursos técnicos, empregos, com ações dos órgãos públicos e também da iniciativa privada.

Quando o Estado exclui, o crime inclui. Se o jovem procura trabalho no comércio e não consegue, vaga na escola ou num curso profissionalizante e não consegue, na boca de fumo ele vai ser incluído. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem o caráter mais preventivo do que repressivo. Se o ECA fosse realmente cumprido sequer teríamos adolescentes cometendo crimes. É exatamente pela falta de cumprimento do Estatuto e pelo alijamento  de muitas crianças e adolescentes dos seus direitos fundamentais previstos no ECA é que temos adolescentes envolvidos com a criminalidade.

A ausência de políticas públicas, programas e serviços de atendimento, conforme prevê a lei, e a fragilidade do sistema de proteção social do País favorecem o atual quadro de violência que envolve adolescentes como vítimas e protagonistas. Isso só será revertido quando realmente for cumprido o princípio Constitucional da Prioridade Absoluta com relação às crianças e adolescentes, o que atualmente ainda é uma utopia. Quem nunca teve sua vida valorizada, não vai valorizar a vida do próximo. O que esperar de crianças e adolescentes que nunca tiveram acesso à saúde, educação, assistência social, entre outros direitos. Muitas vezes não tiveram sequer uma família efetivamente. E sempre viveram submetidos a uma rotina de negligência e violência. A negligência, a exclusão e a violência só podem gerar pessoas violentas.

Em abril de 2012, entrou em vigor a Lei que criou  o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, o cumprimento desta lei também resultaria num atendimento mais adequado aos adolescentes infratores no País, com ações qualificadas por parte dos municípios, dos estados e do governo federal. Mas, ainda, o poder público tem se omitido no cumprimento desta lei, mantendo unidades de internação ou programas de atendimento em meio aberto totalmente inadequado.