CRÔNICA

Indo para Trieste – Por Esther Rapoport

Saindo alguns quilômetros do centro de Trieste para o norte, sul ou leste se entra na Eslovênia, para o Oeste se cai no mar. O único caminho para se continuar na Itália é voltar pelo mesmo caminho por onde se chegou. Trieste é o beco italiano

Trieste, na Itália.Créditos: Wikimedia Commons
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Fiz um verdadeiro Coast to Coast italiano, da fronteira com a França até a fronteira com a Eslovênia, e encontrei o local onde a Itália termina. Saindo alguns quilômetros do centro de Trieste para o norte, sul ou leste se entra na Eslovênia, para o Oeste se cai no mar. O único caminho para se continuar na Itália é voltar pelo mesmo caminho por onde se chegou. Trieste é o beco italiano. 

Pelo menos agora se pode seguir adiante porque o caminho é livre já que a Eslovênia é assinante do Tratado de Schengen, mas antes, durante o período em que a Iugoslávia existia e era socialista, você abria a janela de casa e dava de cara com a Cortina de Ferro.

Para ser sincera, nas quase 48 horas que passei ali, várias vezes esqueci que estava na Itália, primeiramente pela história complexa dessa cidade, que já foi bizantina, livre, austríaca, livre, italiana (em 1920), ocupada pela Alemanha (em 1943), ocupada pelo exército Iugoslavo (em 1945), independente mas sob proteção anglo-americana (em 1947), quase italiana em 1954 e finalmente italiana em 1975. 

E ninguém passa assim, de mão em mão, impunemente e as cicatrizes são visíveis. No início do século XX, quando era ainda a saída para o mar dos Austro-húngaros, a população de língua italiana (60%), liderados por sua alta burguesia, queria a anexação à Itália porque dizia que o governo austríaco priorizava e favorecia os cidadãos eslavos e germânicos. Houve confrontos e quase uma guerra civil. Quando a Itália anexou o território, em 1920, ficaram proibidos os idiomas eslovaco e alemão. Já os alemães chegaram em 1943 para construir o único campo de extermínio nazista em solo italiano, a Risiera di San Sabba, onde morreram queimados em um forno poucos judeus e muitos partigiani italianos e eslovenos antifascistas. Nesse “presídio” existiam celas para tortura porque dos subversivos era importante obter informações, enquanto os judeus podiam ser enviados diretamente a outros campos de concentração.

Em 1945 chegaram as “brigadas iugoslavas”, vinham correndo porque queriam “libertar” a cidade antes da chegada de qualquer exército aliado e assim abocanhar uma parte do território. A segunda divisão neozelandesa, em nome dos aliados, chegou atrasada a Trieste e disse: 

- Ah, já estão livres!! Ok, podem ficar com a cidade, mas o Porto é nosso ... 

Neozelandês pode ser estranho, mas bobo não é. 

Com isso, assumiram o porto e as vias de comunicação com a Áustria porque a próxima cidade que eles queriam liberar era Berlim!! Os bravos kiwis não tinham Facebook e ainda não sabiam que Hitler já estava morto. 

Trieste foi e continua sendo um entroncamento de latinos, eslavos e germânicos. Enquanto existiu a Cortina de Ferro, era o ponto mais oriental do ocidente, ou o mais ocidental do oriente. Um ponto sensível e em conflito, que ainda não terminou. 

Enquanto estava lá presenciei uma pequena passeata que portava bandeiras dizendo: “Trieste Livre, Trieste não é Itália”.

Saí à rua perguntando o porquê desta manifestação e soube que os triestinos estão bem p. da vida porque o governo italiano, liderado pelo PD (Partido Democrático, teoricamente de esquerda) estava privatizando o Porto de Trieste, fundamental para a economia da cidade e da região. Eles estavam reclamando a observação de um dos tratados do pós-guerra que dava autonomia ao porto e, com a crise econômica, política e moral que se abatia sobre a Itália, queriam aproveitar a oportunidade para cair fora dessa república da bagunça.

Mas não contei as coisas características deste lugar. Primeiro, a personagem mais famosa é um vento comum aqui na região, chamado Bora. É mais do que uma brisa, que sopra do continente para o Golfo, com a pequena velocidade de 180 km/h. Várias ruas da cidade têm correntes presas a pequenos postes fincados no meio-fio, que é para as pessoas se segurarem caso a Bora apareça. Não tive o prazer de conhecê-la, mas me contaram que é mesmo perigosa.

Outro dado pitoresco é que aqui ao lado fica uma cidadezinha que não tem nada de especial, mas que empresta seu nome a um vinho. Ainda não entendi direito porque já que o vinho nem é produzido aqui. A cidade se chama Prosecco .... o vinho também... 

Tem outra marca de bebida que é triestiana e sobre essa não existem dúvidas. É a marca de café Illy. Foi fundada pelo húngaro Francesco Illy, que chegou a Trieste depois da primeira Guerra Mundial, se apaixonou pelo local e por uma local e foi ficando. Começou a trabalhar comercializando café e cacau que chegavam pelo porto e, em 1933, fundou a Illy Café para vender uma máquina que seria a percursora das máquinas de café espresso e desenvolveu uma forma de conservar o café moído, para exportação, em latinhas.

Aqui não se encontra outra marca de café que não seja Illy, que na minha lista de preferências é uma das últimas. Mas um espresso a gente não nega, especialmente enquanto decide a próxima da viagem.

Conto para onde depois!

Abraços!

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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