O inverno vai se anunciando.
As árvores, que já tinham trocado seus vestidinhos verdes por casacos alaranjados, estão se despindo num lento e contínuo striptease, deixando o caminho coberto por suas plumas e paetês amarelos.
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Romântico e cinematográfico, né? Espera para ver como vai ficar o humor deste povo daqui a umas 4 semanas. Vai escurecer como o céu, às 4 da tarde, nublado e úmido.
Como me iluminar nos próximos meses?? Lendo e escrevendo, minha receita de exercício sob a luz de um abajur. Vou procurando inspiração e, se estou na Alemanha, tenho que buscar inspiração por aqui.
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E não é que encontrei um tema!! Não estou falando alemão (e sofrendo com essa inesperada dificuldade em apreender a língua de Goethe) mas acho que posso falar “dos” alemães, especialmente daqueles grandes personagens da História que nasceram por aqui.
Entre filósofos, cientistas, artistas e ganhadores do Nobel, a listinha poderia me ocupar pelos próximos dois anos, mas não sou nem ambiciosa e nem competente para tudo isso, então estou escolhendo alguns nomes e alguns aspectos da vida de personagens ilustres, para compartilhar com vocês. Mas vou falar pouco, prometo, só alguns recortes destas biografias, para garantir que meus textos serão lidos.
O primeiro personagem, que vai inaugurar essa coleção é Luther, Martin Luther, ou seja, Martinho Lutero.
Não vou começar do começo, vou direto para o ponto que me interessa.
Lutero provocou uma ruptura da Igreja Católica no século XVI (estamos em 1517) com suas 95 teses afixadas (ou distribuídas) na porta da Igreja de Wittenberg, e subsequente processo de Reforma Protestante. Será que ele imaginava o tamanho da confusão que estava provocando? Acho que não, embora ele estivesse seguindo passos de contestadores da Igreja que tinham vindo antes dele, ele não planejou esse rompimento. Mas não vai dar para contar a história inteira, que além de longa é complexa.
Imagino que vocês, meus leitores, gente interessada, curiosa, perspicaz, sabem da importância deste senhor e de seus questionamentos dos dogmas católicos para o surgimento de outra doutrina religiosa cristã, mas quero falar da importância de suas teses no desenvolvimento do sistema econômico da época, no aprofundamento desta nova etapa do Capitalismo.
Não pare aqui, por favor! Deixe tua curiosidade te embalar até o final do texto!!
Se transporte para o final da Idade Média na Europa. Naquele período o trabalho braçal era coisa de escravos, da plebe, dos servos (será que vi um certo riso irônico na tua face?? Não!!! Não tô falando do Brasil!!!!). A nobreza, aquela de “sangue azul” (porque era possível ver as veias nas mãos dos nobres, que estavam sempre limpas), rica e poderosa, não podia nem pensar em exercer trabalho braçal, manual. Apenas o intelectual... E um lugarzinho no céu só estava assegurado para quem estivesse ligado à vida religiosa. Rico tinha que comprar, e pagar caro, sua vaga no Paraíso!
A “ordenação” de um jovem para se tornar um sacerdote pela Igreja Católica era o reconhecimento de sua “vocação” para ser um interlocutor de Deus, era o atendimento de um “chamamento divino”.
Mas o mundo feudal estava em transformação. Começavam a aparecer as primeiras casas bancárias, o dinheiro deixava de ser fruto apenas do trabalho agrícola ou do comércio para ser produto gerado pelo próprio dinheiro. Isso não passou despercebido pelo monge agostiniano (o Lutero).
Entre suas teses, Lutero revolucionou o pensamento da época ao afirmar que o “batismo”, aquele normal, que toda criança recebe, era uma “ordenação” e, por isso, todo mundo que tivesse sido batizado estava em pé de igualdade com um sacerdote, e sua “vocação” seria revelada pela sua profissão, por seu trabalho. A profissão era o seu chamamento, era por ela que o homem realizava sua missão divina, por isso quem trabalhava estava abençoado por Deus e entrava no céu sem precisar pagar o ingresso.
Resumindo, o Luteranismo (genericamente “protestantismo”) defendia que a graça divina chegava a cada um através da fé em Deus e do trabalho.
Lembra das casas bancárias dois parágrafos acima? Então, a Igreja Católica proibia a usura, ou seja, a cobrança de juros para quem emprestasse dinheiro. Essa proibição aparece em vários pontos da Bíblia e gerava um certo mal-estar (eufemismo, tá?) numa sociedade católica, obediente ao Papa. Agora imagina como essa burguesia em formação, esses banqueiros, receberam a nova doutrina religiosa que afirmava que o trabalho e o acúmulo de riquezas não eram mais pecados... Aderiram felizes da vida, especialmente com o aprofundamento desta ideia a partir de João Calvino, seguidor de Lutero, que escreveu uns 20 anos depois, em Genebra, defendendo que a obtenção de riqueza era uma demonstração de evolução espiritual, ou seja, quem ficava rico, quem atingia sucesso material, estava evidenciando a aprovação divina, a grandeza espiritual para a qual estava predestinado. Cobrar juros pelo dinheiro emprestado não estava errado porque era a remuneração do “trabalho” do banqueiro.
Isso recebeu um nome: Doutrina da Predestinação e é base do Calvinismo. Essas ideias vão se espalhar pela Europa e darão suporte moral para o desenvolvimento e aprofundamento do sistema capitalista.
Mas voltemos para Lutero e para a Alemanha, afinal é ele o personagem desse Diário.
Em alemão, a palavra para “trabalho” é “Arbeit”, mas Lutero criou uma nova para “profissão”:
“Beruf”.
Rufen é o verbo “chamar”. Beruf equivale a “chamado”.
Falando em criar palavras, Lutero fez outra coisa importantíssima para o desenvolvimento da identidade alemã. Até essa época, a Bíblia estava escrita em latim, mesma língua usada nas missas, e que não dá para classificar como popular.
Imagino a massa de servos indo para a missa no domingo e não entendendo uma palavra do que estava sendo dito. Imagino porque vivo isso aqui o tempo todo, quando as pessoas em volta começam a falar e a rir ou se revoltar, e eu, autista e surda para esta língua, olho em volta com cara de paisagem e vou embora como cheguei, sem captar a mensagem, amado mestre!
Mas Lutero decidiu traduzir o livro sagrado para o alemão, língua que nem estava ainda normatizada porque não havia uma unidade política germânica, mas ele foi aproximando o vocabulário dos dialetos falados em diferentes regiões do Sacro Império e criou um texto inteligível, que passará a ser lido nas missas e sendo entendido, será replicado, reproduzido, popularizado.
Pois é, ler é sempre um ato revolucionário. Esse texto traduzido vai ser fatal para a Igreja Católica porque muita gente que não lia em latim vai poder acessar a nova versão escrita na sua língua, e vai poder interpretar à sua maneira. Daí para surgirem outros protestantes será um pulinho!
Mas para concluir esse texto, quero tocar num tema que sempre me interessou e sobre o qual vou pincelar um pouco aqui, um pouco acolá, e trazer à baila quando couber: Os Nomes.
Hoje vou fazer a ligação de Lutero com os sobrenomes alemães. No território do primeiro Reich germânico, na Idade Média, e com uma população em crescimento, com várias pessoas com o mesmo nome, surgem os sobrenomes que serviam para identificar os indivíduos.
Baseados em que?? Nas suas profissões.
Por exemplo:
Balbierer: barbeiro
Bauer: agricultor
Beck ou Becker: padeiro
Bierbrauer: cervejeiro
Bildhauer: escultor
Brillenmacher: oculista
Drechsler ou Dreher: torneiro
Fischer: pescador
Glasser: vidreiro
Goldschmied: ourives
Gürtler: cintureiro
Jäger: caçador
Kauffmann: comerciante
Koch: cozinheiro
Krämer: mascate
Maurer: pedreiro
Metzger: açougueiro
Müller: moleiro
Müntzmeister: moedeiro
Nadler: agulheiro
Nagler: pregueiro
Sattler: seleiro
Schmied ou Schmidt: ferreiro
Schneider: alfaiate
Schreiner: marceneiro
Schuhmacher ou Schuster: sapateiro
Seyler: cordoeiro
Singer: cantor
Wagner: carroceiro
Weber: tecelão
Tem muita coisa interessante quando se fala dos Nomes e Sobrenomes na História das civilizações, mas paro aqui, para cumprir o prometido.
Espero não ter perdido nenhum leitor após um texto mais sério e mais longo, e também porque já tenho outro capítulo no forno...
Alguém arrisca o nome do próximo personagem???
Abraços!
*Esther Rapoport é graduada em História pela Universidade de São Paulo, mas se dedicou nos últimos 40 anos à indústria do Turismo, tendo trabalhado em diversas empresas do setor além de oferecer palestras e cursos para profissionais do turismo e viajantes curiosos, interessados em ampliar seu repertorio sobre a História dos mais variados destinos do planeta. Mora atualmente na Alemanha
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum