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Desafios e retrocessos na saúde brasileira - Por Laura Cury

Artigo da cofacilitadora do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 e coordenadora de projeto da ACT Promoção da Saúde

Créditos: Foto de José Bento Vasconcellos - Imagem integra o acervo da exposição Olhares do Brasil
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O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3 estabelecido pela Organização das Nações Unidas visa assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas as pessoas, em todas as idades. Entretanto, o cenário brasileiro apresenta sérios desafios e retrocessos que ameaçam a consecução dessas metas, conforme vem apontando a série histórica dos Relatórios Luz, realizados pelo GT A2030. Na edição de 2023, a maioria das metas do ODS 3 foram avaliadas como estando em retrocesso ou ameaçadas.

O ano de 2022 marcou um período de desafios e retrocessos significativos no cenário da saúde e bem-estar no Brasil. Uma das questões cruciais foi o declínio no orçamento destinado à saúde, refletido na redução de 20% no orçamento do Ministério da Saúde em 2022 em comparação com o ano anterior. Apesar das limitações problemáticas impostas pela EC 95 (“teto de gastos”), durante os primeiros anos da pandemia da Covid-19 houve um aumento temporário nos recursos, mas essa situação não se manteve em 2022, comprometendo a qualidade e a disponibilidade dos serviços de saúde.

A pandemia deixou marcas profundas no retrato da saúde brasileira, como a perda de profissionais de saúde e o adiamento de cerca de um milhão de atendimentos

A pandemia deixou marcas profundas no retrato da saúde brasileira, como a perda de profissionais de saúde e o adiamento de cerca de um milhão de atendimentos. Além disso, a cobertura vacinal contra outras doenças ficou abaixo do desejado, o que representa um desafio para a promoção de uma saúde ampla e eficaz. Embora 80,56% da população tenha recebido ao menos duas doses da vacina contra o SARS-CoV-2, a cobertura nacional das demais vacinas obrigatórias é de apenas 67,94%, sendo ainda menor em certas regiões do país.

O cenário se agrava ao analisarmos a taxa de mortalidade materna, que retrocedeu a níveis alarmantes de 25 anos atrás. As disparidades raciais e regionais chamam atenção, com mulheres pretas e as regiões Norte e Centro-Oeste sendo as mais afetadas. Recursos insuficientes, falta de leitos adequados e dificuldade de acesso contribuem para essa realidade preocupante, evidenciando a necessidade de políticas específicas para grupos vulneráveis. Além disso, apesar da redução na taxa de mortes de menores de 5 anos, a mortalidade neonatal precoce continua acima de metas estabelecidas. O empobrecimento da população e a insegurança alimentar aumentam as preocupações com relação à mortalidade infantil.

Doenças respiratórias

A redução da mortalidade por doenças respiratórias crônicas enfrenta desafios, principalmente devido à forte associação entre essas doenças e indicadores sociais desfavoráveis, tabagismo e qualidade do ar. A disponibilidade e qualidade do ar também estão ameaçadas, com apenas uma pequena porcentagem dos municípios brasileiros monitorando a qualidade do ar e índices de poluição, gerando impactos graves na saúde da população.

Também afetadas por determinantes sociais, as doenças tropicais negligenciadas representam ainda outro desafio significativo para o Brasil, que possui a maior população vivendo com essas doenças no Ocidente. A falta de investimentos adequados e o deslocamento dessas doenças são indicadores preocupantes, e os altos índices de contaminação refletem a conexão entre saúde e pobreza.

Fatores de risco

Já a crescente exposição a fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis, como tabaco, álcool, ultraprocessados e inatividade física, contribui para o aumento da prevalência de condições crônicas e a óbitos prematuros. Doenças do aparelho circulatório e neoplasias são causas significativas de morte no país, e espera-se um aumento nos casos de câncer nos próximos anos, indicando a necessidade de ações de prevenção e a ampliação de possibilidades de diagnóstico precoce e tratamento.

Outra preocupação é o aumento alarmante nas taxas de suicídio, especialmente entre a população jovem, evidenciando a necessidade de políticas de saúde mental eficazes. Além disso, o consumo abusivo de álcool representa desafios à sociedade brasileira e requer a implementação de políticas públicas regulatórias.

Outra preocupação é o aumento alarmante nas taxas de suicídio, especialmente entre a população jovem, evidenciando a necessidade de políticas de saúde mental eficazes.

Profissionais de saúde

A distribuição equitativa de profissionais de saúde enfrenta desafios relacionados à desigualdade regional na oferta de serviços de saúde. A região Sudeste ainda concentra a maioria dos profissionais, enquanto outras regiões enfrentam escassez, dificultando o acesso a cuidados de saúde adequados.

Esses desafios exigem ação imediata e coordenada do governo e da sociedade civil. É crucial garantir investimentos adequados na saúde, fortalecer programas de prevenção e promoção da saúde e melhorar o acesso a cuidados essenciais, especialmente para os grupos mais vulneráveis.

Recomendações

Assim, entre as recomendações do Relatório Luz de 2023, destacam-se:

  1. Priorizar a saúde e bem-estar nas políticas fiscais: É essencial que as políticas de saúde, educação, direitos humanos e combate à fome não sejam limitadas pelo novo arcabouço fiscal, garantindo orçamentos adequados para sua implementação. Nesse sentido, uma Reforma Tributária que preveja a tributação seletiva majorada de produtos que fazem mal à saúde é fundamental, não apenas para desincentivar o consumo, como também para reverter recursos arrecadados para a o SUS.
     
  2. Fortalecer o sistema de saúde e ações de prevenção: Investir na melhoria da qualidade e acesso aos serviços de saúde, promovendo ações de prevenção e diagnóstico precoce.
     
  3. Ampliar a cobertura vacinal: Desenvolver estratégias eficazes para aumentar a cobertura vacinal em todo o país, desmistificando informações incorretas e garantindo o acesso a todas as faixas etárias.
     
  4. Promover a equidade na distribuição de recursos e profissionais de saúde: Buscar medidas para garantir uma distribuição mais equitativa de recursos e profissionais de saúde em todas as regiões do país, reduzindo as disparidades existentes.
     
  5. Fortalecer programas de transferência de renda e proteção social, além da transparência, considerando tanto os determinantes sociais quanto os comerciais da saúde: Ampliar investimentos em programas de transferência de renda e proteção social, visando reduzir a pobreza e a desigualdade socioeconômica. Além disso, é crucial monitorar e regular os aspectos comerciais relacionados à saúde, garantindo que políticas eficazes estejam em vigor, sem conflitos de interesse.

A promoção da saúde e do bem-estar no Brasil demanda um esforço coletivo e contínuo, envolvendo autoridades, organizações da sociedade civil e a população em geral. A efetiva aplicação destas recomendações pode ajudar a assegurar uma vida saudável no país. Para isso, é fundamental estimular a participação e o controle social, visando garantir um monitoramento eficaz e a efetivação de políticas públicas voltadas para a saúde e o bem-estar de toda a população brasileira.

GT Agenda 2030 

O Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT Agenda 2030) trabalha para fazer da palavra acordada ação efetiva no cotidiano do país. O grupo foi formado a partir do entendimento de que a definição e implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) devem levar em conta o acúmulo das Organizações da Sociedade Civil que vêm trabalhando diretamente na defesa de direitos, no combate à desigualdade e no respeito aos limites do planeta.

* Cofacilitadora do GT 2030 SC e coordenadora de projeto da ACT Promoção da Saúde

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista F??rum