O Relatório Luz, lançado em setembro deste ano, cobriu o último ano do trágico roteiro imposto ao país por um governo que praticou continuamente uma política de erosão em todas as áreas de sua atuação. Na área social parte significativa da população empobreceu, o país voltou ao mapa da fome, piorou o acesso aos serviços públicos, além dos efeitos de uma gestão irresponsável em relação à pandemia da Covid, entre outros fatores, que penalizaram duramente os mais vulneráveis.
Já em relatórios anteriores se advertiu que os processos de perda de renda e de postos de trabalho, bem como o crescimento acelerado da situação de insegurança alimentar em milhões de domicílios, embora intensificados pela pandemia já ocorriam antes dela, sendo muito mais o resultado de escolhas políticas equivocadas, entre as quais a chamada reforma trabalhista e a da previdência e, igualmente, a desarranjada emenda constitucional do Teto de Gastos.
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O ano de 2022 foi diferenciado em relação aos anteriores, devido ao obstinado esforço do governo passado na busca de votos para a sua reeleição, o que fez produzir resultados aparentemente melhores, como foi o caso da possível redução da pobreza e mesmo da desigualdade.
Mas, fruto de medidas extemporâneas, já que não houve sequer o cuidado em garantir condições para assegurar qualquer continuidade. O que obrigou o novo governo a viabilizar recursos extraordinários no orçamento público, de forma a torná-lo compatível com o atendimento de necessidades essenciais da população.
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Na data de lançamento do Relatório ainda não se dispunha dos dados oficiais referentes à pobreza e extrema pobreza para 2022. Porém, considerando dados já divulgados pelo IBGE, através da PNAD ContÍnua, referente a Renda de todas as Fontes, tudo leva a crer que ocorreu redução importante nestes indicadores. Deu-se, também, a redução da desigualdade monetária, medida a partir do índice de Gini, que caiu para 0,528, no último ano.
Um fator importante para isto foi o aumento do número de beneficiários do Auxílio Brasil, programa que substituiu o Bolsa Família e que ainda teve o valor médio repassado mais do que triplicado, embora elaborado com inúmeras inadequações. Ao lado disso, a entrada de 7, 7 milhões de pessoas no mercado de trabalho, mas com vencimentos mais baixos do que a média anterior, resultou em uma distribuição menos desigual, repercutindo positivamente para a queda da desigualdade monetária.
Ainda assim, o rendimento médio domiciliar do 1% da população que ganha mais foi 32,5 vezes o valor dos 50% que ganham menos, retrato do tamanho desta desigualdade. Assinale-se que, entre 2021 e 2022, a média de empregados sem carteira assinada subiu 14,9% batendo um recorde histórico, enquanto a taxa de informalidade ficou em 39,6% e as denúncias de trabalho infantil cresceram 16%.
A tragédia da fome
Mas o que expressa com maior veemência todo o retrocesso vivido nos últimos seis anos é a tragédia da fome, sendo que o governo anterior primou por seu agravamento. Hoje, parece evidente que, ao extinguir o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), foi dada a senha do que estava por vir.
Em 2022, segundo inquérito da Rede Penssan, a fome atingiu 15,2% de nossa população, quase quatro vezes o índice de 2013, de 4,2%. O crescimento da extrema pobreza, desde 2016, com o desmonte das políticas sociais e de segurança alimentar e a intensificação da inflação de alimentos, levaram o país a esta situação.
As consequências desse quadro são muito preocupantes se consideramos o estado nutricional de gestantes em situação de desnutrição ou em relação a crianças que convivem com acentuadas carências alimentares e que poderão sofrer comprometimento físico e cognitivo mais adiante.
A cara da fome é a cara de nossas desigualdades e, em 2022, atingiu 65% dos lares liderados por pessoas pretas e pardas. Também 40% das famílias das regiões Norte e Nordeste sofreram algum grau de insegurança alimentar. Mas não foi apenas a falta de acesso que evidenciou a condição de insegurança alimentar no país, pois em 2022 foram batidos todos os recordes na liberação de agrotóxicos.
A cara da fome é a cara de nossas desigualdades e, em 2022, atingiu 65% dos lares liderados por pessoas pretas e pardas.
Entre as 37 metas analisadas dos objetivos 1, 2, 8 e 10, um total de 26 delas sofreram retrocessos. Buscando reverter este quadro, o Relatório apresentou um conjunto de recomendações, algumas específicas para cada objetivo e outras que valem para todos eles, entre os quais:
- Realização de uma reforma tributária progressiva, que taxe a super riqueza e que incorpore regras em conformidade com o Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde.
- Recuperação do valor real do salário-mínimo e garantia da efetivação de legislação que assegure a paridade salarial entre homens e mulheres que desempenham as mesmas funções.
- Avanço na efetivação de direitos dos grupos sociais de maior vulnerabilidade socioeconômica
- Ampliação do investimento para os programas de transferência de renda e proteção social
GT Agenda 2030
O Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT Agenda 2030) trabalha para fazer da palavra acordada ação efetiva no cotidiano do país. O grupo foi formado a partir do entendimento de que a definição e implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) devem levar em conta o acúmulo das Organizações da Sociedade Civil que vêm trabalhando diretamente na defesa de direitos, no combate à desigualdade e no respeito aos limites do planeta.
* Membro do GT 2030 SC e assessor de políticas da ActionAid
** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum