O caminho a ser percorrido pelo Brasil para implementar a Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), que elenca 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), ainda é longo e cheio de percalços. É o que mostra o VII Relatório Luz da Sociedade Civil da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, lançado nesta segunda-feira (25) em cerimônia em Brasília.
O lançamento foi promovido em parceria com a Secretaria-Geral da Presidência da República. A solenidade de abertura reuniu representantes da Sociedade Civil, do Governo Federal, de Organizações e Embaixadas. Na mesa, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Carlos Arboleda; a deputada federal Érika Kokay, presidenta da frente parlamentar de apoio aos ODS; a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco; a coordenadora geral da Gestos, Alessandra Nilo, co-facilitadora do GT Agenda2030; e o representante do Ministério das Relações Exteriores, Vicente Araújo.
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Relatório Luz 2023
O Relatório Luz 2023 é um documento único no país que faz uma análise do cumprimento das metas da Agenda 2030 no Brasil, tendo como base dados oficiais divulgados pelo Governo Federal. Este ano o documento foi escrito por 82 especialistas de 41 instituições, que, além da análise dos 17 ODS no Brasil, ainda produziram mais de 160 recomendações ao Governo.
Nesta edição, o relatório mostra que 102 metas (60,35%) estão em situação de retrocesso, 14 (8,28%) ameaçadas, 16 (9,46%) estagnadas em relação ao período anterior, 29 (17,1%) com progresso insuficiente, apenas 3 (1,77%) com progresso satisfatório, 4 (2,36%) delas sem dados suficientes para classificação, sendo que 1 (0,59%) não se aplica ao Brasil.
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Crise global
O lançamento da sétima edição da publicação ocorre em um momento global de crise e incertezas, quando acordos estratégicos para o desenvolvimento sustentável, como a Agenda de Ação de Adis Abeba - que fornece a base para os líderes mundiais implementarem a agenda de desenvolvimento sustentável global - e o Acordo de Paris sobre o Clima, estão enfrentando retrocessos evidentes.
Apesar do impacto adicional resultante da pandemia da Covid-19, as evidências indicam que governos e instituições privadas com fins lucrativos ainda não fizeram o necessário para promover a implementação dos ODS, que encapsulam as soluções necessárias e urgentes para tornar a vida humana digna e a proteção da biodiversidade uma realidade no planeta.
Desafios do Governo Lula III
Esses dados refletem a trajetória de um ciclo de destruição de políticas públicas, erosão dos orçamentos e de sistemas de monitoramento essenciais para o alinhamento nacional com a Agenda 2030.
Além disso, um Pacto Federativo ainda inadequado é abordado no Estudo de Caso deste ano. Eles indicam que o governo Lula III precisará de foco afinado e esforço redobrado para retirar o país de uma situação que continua dramática, particularmente para milhões de pessoas que são vítimas de variadas e, por vezes, sobrepostas formas de violência, com destaque para aquelas baseadas em gênero, orientação sexual, raça e condição econômica.
Retomada para o desenvolvimento sustentável
Diante deste ponto de inflexão na história nacional, é possível retomar o caminho do desenvolvimento sustentável? Sim, é possível, como mostram as 162 recomendações apresentadas no relatório. Mas isso exige mudar paradigmas que norteiam nossa sociedade e que, por séculos, naturalizam privilégios, corrupções, a heteronormatividade, o sexismo e o racismo estrutural, problemas que, como mostram os indicadores aqui analisados, persistem como marcas do Brasil.
Essa mudança requer o abandono do mantra ideológico do obsoleto Consenso de Washington – privatizações, Estado mínimo, desregulação – e do ajuste fiscal a qualquer custo, medidas que já se provaram falhas, particularmente num ambiente político patrimonialista e de baixa transparência, submisso a interesses privados setoriais muitas vezes não republicanos, que geram ineficiência do investimento público.
Mudar implica, inclusive, rever, monitorar adequadamente e dar transparência a parcerias público-privadas (PPP) que entregam a gestão de serviços públicos essenciais, como os de saúde, educação, transporte, energia, comunicação e infraestrutura sanitária, a consórcios empresariais que visam primordialmente ao lucro, com baixo nível de fiscalização sobre sua qualidade ou de preocupação com seu acesso para toda a população.
Coragem para aprender com a história
Fazer tudo isso exige também coragem para aprender com a história e não repetir erros: o desenvolvimento sustentável demanda processos democráticos, basilares para a construção de sociedades equitativas para todas as partes interessadas, o que somente poderá ser alcançado com a participação efetiva de uma sociedade civil organizada, independente e proativa.
Por isso, o Relatório Luz aponta que é hora de reconhecer a dedicação tenaz deste setor que, mesmo enfrentando as adversidades políticas e financeiras dos últimos anos, buscou manter vivos os compromissos com os ODS, desenvolvendo e implementando tecnologias sociais sustentáveis e criando instrumentos de monitoramento para políticas públicas.
Ciclo de retrocessos
Os capítulos desta edição do Relatório Luz 2023 trazem um compilado da situação dos ODS, consolidando um ciclo de retrocessos referente ao ano de 2022, com impactos mais profundos sobre as mulheres e meninas, população negra, povos indígenas e grupos sociais historicamente mais vulneráveis, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.
O relatório destaca os ODS que foram mais afetados pelos retrocessos, apresentando que ao lado do combate à pobreza e erradicação da fome, o avanço do desmatamento e das queimadas bateram uma sucessão de recordes.
Resumo de cada capítulo do Relatório Luz de 2023
Capítulo 1: ODS 1 - Erradicação da Pobreza aborda o ciclo de empobrecimento da população brasileira, o retorno do país ao Mapa da Fome e a restrição ao acesso aos serviços públicos. Também menciona a gestão da pandemia da Covid-19 e os retrocessos do governo Bolsonaro.
Capítulo 2: ODS 2 - Fome Zero Mostra como o Brasil enfrentou seis anos de políticas desastrosas em relação à segurança alimentar. Cerca de 66 milhões de pessoas (30,7% da população) viviam em insegurança alimentar moderada ou grave.
Capítulo 3: ODS 3 - Saúde e Bem-Estar Aborda a redução do orçamento do Ministério da Saúde em 2022 e os impactos na qualidade e disponibilidade dos serviços de saúde. Também discute a vacinação e os desafios na implementação do ODS 3.
Capítulo 4: ODS 4 - Educação de Qualidade Explora os retrocessos em seis das 10 metas do ODS 4 e as preocupações com o Novo Ensino Médio, que pode prejudicar grupos vulneráveis.
Capítulo 5: ODS 5 - Igualdade de Gênero Destaca a persistente desigualdade de gênero no Brasil, agravada pela pandemia da Covid-19, e a falta de ação governamental para promover a igualdade.
Capítulo 6: ODS 6 - Água Limpa e Saneamento Aborda a necessidade de políticas públicas para garantir o acesso à água e saneamento para populações marginalizadas e vulneráveis. Também discute o déficit de serviços e as metas em retrocesso.
Capítulo 7: ODS 7 - Energia Acessível e Limpa Analisa a crise energética de 2021 e suas repercussões, incluindo o aumento dos preços dos combustíveis e seu impacto na população mais pobre.
Capítulo 8: ODS 8 - Emprego Digno e Crescimento Econômico Explora a precarização do mercado de trabalho durante o governo Bolsonaro, com o aumento de empregados sem carteira assinada.
Capítulo 9: ODS 9 - Indústria, Inovação e Infraestrutura Mostra o baixo crescimento da indústria nacional em 2022 e os fatores que contribuíram para esse cenário.
Capítulo 10: ODS 10 - Redução das Desigualdades Destaca o agravamento das desigualdades socioeconômicas no Brasil sob o governo Bolsonaro e seu impacto em diversos ODS.
Capítulo 11: ODS 11 - Cidades e Comunidades Sustentáveis Analisa os retrocessos em todas as metas do ODS 11, incluindo políticas habitacionais, mobilidade urbana e assentamentos precários.
Capítulo 12: ODS 12 - Consumo e Produção Responsáveis Aborda a falta de padrões de produção e consumo responsáveis e sustentáveis no Brasil, com poucos avanços nas metas do ODS 12.
Capítulo 13: ODS 13 - Combate às Alterações Climáticas Explora os compromissos do novo governo em relação ao combate às mudanças climáticas e a necessidade de políticas eficazes nessa área.
Capítulo 14: ODS 14 - Vida Debaixo d'Água Discute os avanços e desafios na gestão dos recursos marinhos no Brasil, incluindo o aumento dos investimentos no setor pesqueiro.
Capítulo 15: ODS 15 - Vida sobre a Terra Aborda o aumento do desmatamento e das queimadas, bem como as ações para combater esses problemas e responsabilizar agentes econômicos.
Capítulo 16: ODS 16 - Paz, Justiça e Instituições Fortes Mostra os retrocessos em diversas metas do ODS 16, incluindo o desmonte de instituições e mecanismos de promoção de direitos sociais e a desresponsabilização do Estado.
Capítulo 17: ODS 17 - Parcerias em prol de metas. Após uma década de estagnação econômica, retrocessos sociais e devastação ambiental e após a leitura dos capítulos anteriores deste Relatório Luz 2023, sobram evidências de que o Brasil fez pouco para alcançar os ODS. Neste sentido, vale reconhecer o esforço da sociedade civil organizada, que tem empenhado muito do seu tempo e seus parcos recursos financeiros para convencer autoridades públicas, empresas, universidades e imprensa da importância da Agenda 2030.
Exposição Olhares do Brasil
Esta edição do Relatório Luz é ilustrada por obras que integram a Exposição Olhares do Brasil. A iniciativa anual é organizada pelo Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH) e destaca artistas do Brasil que abordam os Direitos Humanos. Algumas ilustrações ilustram esta matéria.
GT Agenda 2030
O GT Agenda 2030 é uma coalizão de mais de 60 organizações brasileiras que monitoram, fomentam e incidem para a implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável no país.
O Brasil é um dos 193 países signatários da Agenda 2030, um pacto global assinado em 2015 nas Nações Unidas com o objetivo de diminuir as desigualdades.
O Relatório Luz 2023 é um instrumento que indica caminhos, sinaliza retrocessos e alerta para a necessidade da construção de instrumentos de gestão que promovam políticas voltadas para a equidade, de forma a não deixar ninguém pra trás.
Confira aqui as edições do Relatório Luz
* A edição 2023 do Relatório Luz estará disponível neste link acima a partir desta terça-feira (26).