A situação da campanha do filme "Emília Pérez" parece se afundar a cada dia que passa, e isso graças às pessoas envolvidas na equipe do longa. A ruína teve início com os tuítes racistas de Karla Gascón, que se tornaram um escândalo em Hollywood, e a artista foi desligada da ação promocional da produção.
No entanto, o diretor de "Emília Pérez", Jacques Audiard, durante uma entrevista para o site Deadline, um dos mais importantes sobre cinema, se enfureceu ao ser questionado sobre as críticas feitas pelos mexicanos ao filme, que, no geral, acusam o longa-metragem de reproduzir caricaturas coloniais sobre o país vizinho dos EUA.
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Ao responder à pergunta, Audiard afirmou que boa parte das pessoas que criticam "Emília Pérez" agem de "má fé". Além disso, o cineasta também acusa os críticos de "não terem assistido ao filme".
"O que me chocou é que as pessoas não viram o filme corretamente, ou não viram nada e estão agindo de má fé. A representação dos cartéis no filme é temática. Não é algo em que estou particularmente focado no filme. Há uma cena que lida com isso. A coisa real que me interessa, que eu estava interessado em fazer, é que eu queria fazer uma ópera. Isso exige uma forte estilização", inicia Jacques Audiard.
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Em outro momento, o diretor de "Emília Pérez" desdenha das críticas e afirma que, se quisesse fazer algo realista, faria um documentário. "Bem, eu nunca afirmei que queria fazer um trabalho realista. Se eu quisesse fazer um trabalho que fosse particularmente documentado, faria um documentário, mas não haveria canto e dança. Por exemplo, li uma resenha em que dizia que os mercados noturnos na Cidade do México não têm fotocopiadoras. Bem, nos mercados noturnos da Cidade do México, também não se canta e dança. Você tem que aceitar que isso faz parte da magia aqui. Esta é uma ópera, não uma crítica a nada sobre o México", concluiu.
Zoe Saldaña chamou colombianos de “estúpidos” durante entrevista em 2011
Após a repercussão dos tuítes racistas, xenofóbicos e negacionistas da atriz trans Karla Gascón, protagonista de "Emília Pérez", usuários nas redes sociais resgataram uma entrevista de Zoe Saldaña para o Wall Street Journal e repercutida pela Colombia Reports, em 2011. Nela, a atriz do filme “Colombiana”, disse que os colombianos que não se identificavam e protestavam contra o filme, eram "estúpidos" e "ignorantes".
Quando o Wall Street Journal entrevistou Saldaña e perguntou o que ela achava do protesto, sua primeira resposta foi "vergonha deles". Ela continuou dizendo que "eu queria saber como lidar com comentários estúpidos e pouco inteligentes, mas não sei... é uma pena que haja tantas pessoas por aí que pensam de forma tão ignorante".
Á época, a organização PorColombia, formada por estudantes e profissionais colombianos, afirmou que "o filme não explica as causas profundas do conflito [colombiano] e reflete uma grande falta de criatividade... [os produtores] não têm noção cultural." Como forma de protesto, o grupo lançou a campanha "Colombia is Beautiful", que visava combater a representação negativa dos latinos na produção.
Lançado naquele ano, "Colombiana" conta a história de uma jovem colombiana (vivida por Zoe Saldaña) que, após presenciar o assassinato de seus pais na infância em Bogotá, cresce e se transforma em uma assassina implacável nos Estados Unidos.
Este ano, a própria atriz Zoe Saldaña rompeu o silêncio e falou sobre os tuítes racistas e xenofóbicos de Karla Gascón, com quem divide o protagonismo do filme "Emilia Pérez" e disse que ainda estava "processando" tudo o que aconteceu nos últimos dias. "Ainda estou processando tudo o que aconteceu nos últimos dias e estou triste. Isso me deixa muito triste porque não apoio [isso] e não tenho tolerância para qualquer retórica negativa em relação a pessoas de qualquer grupo", declarou durante evento em Londres.
Em seguida, Saldaña ressaltou a experiência em torno do filme. "Só posso atestar a experiência que tive com cada indivíduo que fez parte deste filme, e minha experiência e minhas interações com eles foram sobre inclusão, colaboração e equidade racial, cultural e de gênero. E isso me entristece. Entristece-me que estejamos tendo que enfrentar esse revés agora", disse.
Caso Karla Gascón
Os mexicanos têm expressado indignação com a representação estereotipada de seu país e a "falta de autenticidade cultural" em Emilia Pérez. Os principais articulistas dos meios de comunicação especializados em cinema afirmam que todo o escândalo em torno de Karla Gascón e do filme "Emília Pérez" coloca o júri em uma situação complicada, pois o objetivo da Academia é fazer do Oscar 2025 uma resposta à tirania de Donald Trump.
Diante de tamanha pressão, Karla Gascón rompeu o silêncio e falou com o The Hollywood Reporter, a principal publicação sobre a indústria do cinema dos EUA. Gascón se vitimizou e afirmou ser alvo de campanha de ódio.
Entre os tuítes mais controversos da atriz, está um sobre George Floyd, homem negro assassinado pela polícia americana e que se tornou símbolo do movimento Black Lives Matter, e outro sobre Adolf Hitler, o líder nazista responsável pelo Holocausto.
No primeiro caso, ela afirmou que “poucas pessoas se importavam com George Floyd, um viciado em drogas e traficante”, acrescentando que sua morte evidenciou dois extremos: “aqueles que ainda enxergam os negros como macacos sem direitos” e “aqueles que consideram a polícia assassina”. E concluiu: “Todos errados”.
Já sobre Hitler, ela fez declarações ainda mais alarmantes, reproduzindo falas preconceituosas de que “os negros são escravos e as mulheres pertencem à cozinha”. Em seguida, relativizou o nazismo ao afirmar: “Mas é minha opinião e devem respeitá-la. Não entendo tanta guerra mundial contra Hitler, ele simplesmente tinha sua opinião sobre os judeus. E assim o mundo segue”.
Confrontada sobre esses posts, Karla Sofía alegou que usou de ironia, escrevendo na terceira pessoa, como se estivesse reproduzindo falas de outras pessoas e não expressando sua própria visão.
Acusações sobre equipe de Fernanda Torres
A relação entre Karla Sofía Gascón e o público brasileiro já era delicada devido à concorrência do filme francês com "Ainda Estou Aqui" no Oscar. Mas a tensão aumentou quando, em entrevista à Folha de S. Paulo, ela acusou a equipe de Fernanda Torres de promover ataques contra ela nas redes sociais.
"Sinto muito, mas não posso mais permitir que essa campanha de ódio e desinformação afete a mim e à minha família [...] Fui ameaçada de morte, insultada, abusada e assediada até a exaustão. Tenho uma filha maravilhosa para proteger, a quem amo loucamente e que me apoia em tudo", declarou Gascón ao The Hollywood Reporter.
Ao IndieWire, Gascón afirmou que suas publicações foram tiradas de contexto. "Tirar minhas palavras do contexto ou manipulá-las para me machucar é algo pelo qual não sou responsável. Perdoe-me porque continuo indo de um lado para o outro e não posso responder a cada coisa que você traz à tona para tentar me afundar", disse.
Após ser pressionada pela imprensa, Karla Gascón voltou atrás e afirmou que foi mal interpretada e que não estava se referindo às pessoas envolvidas diretamente na produção de "Ainda Estou Aqui", mas sim aos internautas brasileiros.
Pedido de desculpas e contradições
Diante de todos esses cenários, Karla Gascón usou o Instagram para pedir desculpas pelos tuítes antigos e para afirmar que "não é racista".
"A primeira coisa que gostaria de fazer é pedir minhas mais sinceras desculpas a todos aqueles que possam ter se sentido mal com a minha forma de me expressar em qualquer fase da minha vida. Tenho muito a aprender neste mundo; a maneira como me expresso é meu principal defeito. A vida me ensinou algo que eu nunca quis aprender: está claro para mim que, por mais que sua mensagem seja uma, se você não usar as palavras corretas, ela se torna outra", inicia Karla Gascón.
A atriz continua: "Passei de uma vida normal para estar no topo da minha profissão em apenas seis meses. Agora minha responsabilidade é muito grande, pois minha voz não pertence apenas a mim, mas também a muitas pessoas que se sentem representadas e esperançosas comigo. Me agarrei ao budismo de Nichiren para mudar minha vida e a das pessoas ao meu redor para melhor, e acredito que assim foi. Não posso reparar meus atos do passado, só posso dizer que hoje não sou a mesma pessoa que há 10 ou 20 anos".
Em outro momento, Karla Gascón afirma que não é racista: "Mesmo que nunca tenha cometido nenhum crime, também não era perfeita, e nem sou agora. Apenas tento aprender e ser uma pessoa melhor a cada dia. Reconheço, entre lágrimas, que eles já venceram. Conseguiram seu objetivo: manchar minha existência com mentiras ou coisas tiradas de contexto. Qualquer pessoa que me conheça sabe que não sou racista (vão se surpreender ao descobrir que uma das pessoas mais importantes da minha vida atualmente, e que mais amo, é muçulmana) nem nenhuma das outras coisas pelas quais fui julgada e condenada sem direito a um julgamento ou a explicação da minha verdadeira intenção".
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Após o pedido de desculpas, nesta segunda-feira (3), Gascon voltou a falar sobre os ataques de ódio que está sofrendo em uma publicação no Instagram, mas ao comentar sobre os casos disse que “não vai se desculpar pelo que não é”.
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