LEVANTAMENTO

PMs do Tarcísio: o desmonte na segurança pública de SP que agravou violência policial

Medidas contra abusos de agentes foram fragilizadas; quase duas pessoas morreram por dia por ações policiais desde o início do mandato do governador paulista

Tarcísio e Guilherme Derrite na formatura de PMs em São Paulo.Créditos: Francisco Cepeda/Governo do Estado de SP
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Desde o início da gestão de Tarcísio de Freitas como governador de São Paulo, em janeiro de 2023, a letalidade policial registrou um aumento assustador no estado. Dados oficiais revelam que, entre janeiro do ano passado e outubro de 2024, policiais civis e militares mataram 1.180 pessoas, o que equivale a uma média alarmante de quase duas mortes por dia.

Esses números incluem vítimas de operações ostensivas, como a Operação Verão e a Operação Escudo, realizadas na Baixada Santista. Juntas, essas ações contabilizaram 105 mortes em um período de 146 dias. No início de março deste ano, Tarcísio respondeu com ironia às denúncias de abusos e mortes cometidas por policiais militares na Operação Escudo, formalizadas pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU)

“Nossa intenção é proteger a sociedade. Nós estamos fazendo o que é correto, com muita determinação e profissionalismo (...) Sinceramente, eu tenho muita tranquilidade com relação ao que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta que eu não estou nem aí”, declarou o governador.

O aumento na letalidade está ligado ao desmonte da segurança pública paulista, que inclui alterações nas normas para afastamento de policiais e a criação de uma ouvidoria paralela para apurar denúncias.

Alterações na norma de afastamento de PMs

A Secretaria de Segurança Pública, sob a liderança de Guilherme Derrite, alterou sem aviso no Diário Oficial as normas para o afastamento de policiais investigados por crimes. De acordo com um boletim interno obtido pela revista Piauí, a mudança transferiu para o subcomandante da Polícia Militar, José Augusto Coutinho, a responsabilidade de decidir sobre a suspensão e investigação de policiais envolvidos em ocorrências graves. Antes, essa decisão ficava a cargo dos comandantes regionais. A nova regra, em vigor desde julho, concentra em Coutinho o poder de determinar quem permanece ou é afastado das ruas. A Secretaria afirmou que, desde o início do ano, mais de 280 policiais foram demitidos ou expulsos, e 414 agentes foram presos.

Trocas no comando da PF

Em fevereiro, a troca quase total da cúpula da Polícia Militar foi vista por oficiais insatisfeitos como uma tentativa de intervenção política por parte de Derrite. O governo estadual promoveu a substituição de 34 coronéis, incluindo membros do alto comando da corporação. Entre os postos alterados, estavam posições estratégicas como o subcomando, o Centro de Inteligência e a liderança do CPChoq. Nos bastidores, comenta-se que as mudanças foram uma resposta à resistência de alguns oficiais à política de segurança mais rígida adotada pelo secretário.

Comissão de controle da força sofreu desmonte

O desmanche da Comissão de Mitigação e Riscos é citado como um dos fatores que contribuiu para o aumento da letalidade policial. Criada em julho de 2020, a comissão é acionada sempre que uma intervenção policial resulta em mortes, com reuniões do comandante do batalhão e outros oficiais em até cinco dias para avaliar as ações. Em 2021, no primeiro semestre, a PM instaurou 165 comissões; já em 2024, o número caiu para 58 no mesmo período. A Secretaria de Segurança Pública diz que “as comissões seguem funcionando regularmente para analisar casos de mortes decorrentes de intervenção policial”.

'Ouvidoria paralela'

Em mais uma medida para reduzir o controle externo sobre a Polícia Militar, o governo criou uma "ouvidoria paralela" das polícias. No dia 26 de novembro, a Secretaria de Segurança Pública publicou a resolução 66, que estabelece a criação da Ouvidoria da SSP. A notícia foi recebida com "indignação" pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), que criticou a iniciativa. Em resposta, a Secretaria disse que “essa nova ouvidoria terá atuação independente e focará no aprimoramento dos serviços prestados pela SSP, como registro de boletins de ocorrência, coleta de DNA, DDM Online, Disque Denúncia, entre outros”.

Afrouxamento do programa de câmeras corporais

Em maio, o governo Tarcísio anunciou a contratação de 12 mil novas câmeras corporais para a Polícia Militar, que substituirão as 10.125 em uso atualmente e começarão a ser implementadas ainda este mês. Diferente dos modelos anteriores, as novas câmeras exigem que o policial as ative manualmente para iniciar a gravação. Caso o policial decida não ligá-las, a ação não será registrada. Especialistas criticam essa mudança como um afrouxamento no controle sobre os excessos cometidos pelos policiais. A SSP afirmou que “as novas câmeras contam com funcionalidades adicionais às atuais e que os equipamentos estão em conformidade” com portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Começo do desmonte

Durante a campanha de 2022, Tarcísio de Freitas deixou claro seu posicionamento sobre a segurança pública em São Paulo, propondo mudanças significativas no setor. Crítico das câmeras corporais utilizadas pelos policiais militares, ele se manifestou contra o uso desse equipamento, que especialistas apontam como uma ferramenta crucial para evitar abusos durante abordagens. O então candidato afirmou que, caso fosse eleito, retiraria os dispositivos das ruas, considerando-os um “voto de desconfiança” nos policiais.

Ao assumir o governo de São Paulo, Tarcísio designou o bolsonarista Capitão Derrite para comandar a Secretaria da Segurança Pública. Derrite, ex-integrante da Rota e afastado após envolvimento em uma operação que resultou na morte de seis suspeitos, havia sido eleito para a Câmara dos Deputados em 2018. Enquanto índices de homicídios e roubos apresentaram queda, a letalidade policial subiu significativamente. A atual política de segurança pública é um reflexo do compromisso de Tarcísio com a direita radical, cujo principal representante, Jair Bolsonaro, apoiou sua eleição.

Aumento de 98% nas mortes por PMs

O número de mortes por policiais militares em São Paulo aumentou 98% após a gestão do governador e seu secretário.  De acordo com dados do Ministério Público, foram registradas 355 mortes em 2022, último ano antes de Tarcísio assumir o governo paulista, enquanto neste ano o estado já soma 702 mortes. No primeiro ano à frente do governo, em 2023, a gestão de Tarcísio já havia superado o número anterior, registrando 406 mortes entre janeiro e novembro. Se considerarmos apenas os assassinatos por PMs em serviço, o aumento é ainda maior na comparação com a gestão anterior. Entre janeiro e novembro de 2022, foram 233 mortes registradas cometidas por agentes. No mesmo período em 2024, o número saltou para 600 - um aumento de 157%

O que diz a SSP

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que:

"Nos dois primeiros anos da atual gestão (2023 e 2024) houve redução de 32,2% nas mortes em decorrência de intervenção policial, se comparado aos dois primeiros anos da gestão anterior (2019 e 2020). Por determinação da Secretaria de Segurança Pública, todos os casos desta natureza são rigorosamente investigados pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário. Os cursos ao efetivo são constantemente atualizados e comissões direcionadas à análise dos procedimentos revisam e aprimoram os treinamentos, bem como as estruturas investigativas, visando à redução da letalidade policial.

Em paralelo, a pasta mantém suas corregedorias bem estruturadas e atuantes para registrar e apurar qualquer desvio de conduta, aplicando as devidas punições aos agentes. Desde o início do ano passado, mais de 280 policiais foram demitidos e expulsos, enquanto um total de 414 agentes foram presos, mostrando o compromisso da SSP em não compactuar com os profissionais que violam as regras das suas respectivas instituições, cuja função primordial é a de proteger e zelar pela segurança da população".

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