Mirtes Renata Santana de Souza, mãe do menino Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos que morreu após cair do nono andar de um prédio de luxo no Recife, concluiu mais uma etapa de sua trajetória: apresentou seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na graduação em Direito e foi aprovada com nota máxima.
O tema do trabalho não poderia ser mais simbólico e representativo de sua própria história: “Escravidão contemporânea”. Na pesquisa, Mirtes lança luz sobre a realidade de milhares de trabalhadoras domésticas no Brasil que ainda vivem em condições precárias, muitas vezes análogas à escravidão.
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“Foi muito difícil essa trajetória. Houve muitos momentos em que pensei em desistir, mas o que me impulsionou a estar aqui foi o meu filho. Eu estou concluindo esse curso por ele”, declarou emocionada, após a apresentação.
Sob os cuidados da primeira-dama de Tamandaré
A tragédia que transformou sua vida aconteceu em junho de 2020, quando Miguel, então com cinco anos, morreu ao cair do nono andar do Edifício Pier Maurício de Nassau, conhecido como uma das “Torres Gêmeas”, no bairro do Cais de Santa Rita, no Recife. Naquele dia, o menino estava sob os cuidados de Sari Corte Real, então primeira-dama do município de Tamandaré, enquanto Mirtes, que trabalhava como empregada doméstica, passeava com o cachorro da família.
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Desde então, Mirtes passou a dedicar sua vida não apenas à busca por justiça para o filho, mas também à luta pelos direitos de mulheres negras, periféricas e trabalhadoras domésticas. Em 2020, ela ingressou no curso de Direito e, há dois anos, atua como assessora parlamentar na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).
O TCC de Mirtes percorre a história da escravidão no Brasil, conecta o passado ao presente e traz como casos emblemáticos os de Madalena Gordiano, que viveu 40 anos em situação análoga à escravidão, e Sônia Maria de Jesus, mantida sob trabalho forçado por 37 anos por um desembargador de Santa Catarina.
“Trago também minha própria história, o que vivi enquanto trabalhadora doméstica e as violações de direitos que sofri. Não só eu, mas meu filho também”, relatou.
Para Mirtes, escrever o trabalho foi um processo emocionalmente intenso. “Foi muito pesado ouvir as vivências dessas mulheres. A maioria das trabalhadoras domésticas são mulheres negras, que vivem em vulnerabilidade social e econômica, com pouca escolaridade e que infelizmente passam por situações degradantes. Eu me vi muito nesse trabalho.”
Apesar da aprovação com nota 10 pela banca avaliadora, a formatura oficial será em dezembro, quando ela conclui as disciplinas restantes. O próximo passo é seguir na área do Direito Trabalhista, com planos de fazer pós-graduação e se especializar.
Justiça para Miguel: luta continua
Além da conquista acadêmica, os próximos dias podem ser decisivos na luta de Mirtes por justiça para Miguel. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) deve se manifestar até a próxima segunda-feira (16) sobre a decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), que reduziu a pena de Sari Corte Real de oito anos e meio para sete anos de prisão.
A defesa de Mirtes pretende recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, após o encerramento do trâmite em Pernambuco. No último dia 2 de junho, data que marcou cinco anos da morte de Miguel, Mirtes realizou um protesto, acompanhado de coletivos e movimentos sociais, para denunciar a lentidão do Judiciário e exigir uma resposta concreta.
Durante o ato, a advogada Marília Falcão, que atua como assistente de acusação no processo, reforçou que a defesa espera uma requalificação do crime de abandono de incapaz para homicídio, o que poderia aumentar significativamente a pena de Sari.
Entre batalhas judiciais e conquistas pessoais, Mirtes segue transformando dor em luta e resistência. E agora, com diploma quase em mãos, reforça seu compromisso em seguir atuando na defesa dos direitos das mulheres negras, das trabalhadoras domésticas e de todas as vítimas de injustiça no país.
Com informações do G1