Um grupo armado atacou indígenas Guarani Kaiowá em retomadas na Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, em Douradina (MS). O ataque resultou em pelo menos dez feridos, dois em estado grave.
Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o ataque ocorreu no sábado (3), logo após a saída da Força Nacional do território. A entidade indigenista relatou que jagunços armados atiraram com munição letal e balas de borracha a partir de caminhonetes.
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Relatos de indígenas acusam a Força Nacional de conivência com o crime, com um deles alegando ter ouvido de um agente a frase: "Pega teu povo e sai daqui ou vocês vão morrer" pouco antes do ataque.
Outro indígena questionou a retirada da Força Nacional do local, insinuando que o ataque parecia combinado.
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Entre os feridos, um indígena foi baleado na cabeça e outro no pescoço, ambos em estado grave. Além deles, mais seis feridos foram encaminhados ao Hospital da Vida, em Dourados, no Mato Grosso do Sul. Após pressões, a Força Nacional voltou a montar guarda nas retomadas.
Território indígena ameaçado
De acordo com o Cimi, o ataque de sábado ocorreu na retomada Pikyxyin, uma das sete áreas na Terra Indígena Lagoa Panambi, identificada e delimitada desde 2011.
Na sexta-feira (2), já havia ocorrido um ataque no local, sem feridos. Na quinta-feira (1), a Força Nacional havia detido um ruralista armado na região. A Defensoria Pública da União (DPU) informou ao Cimi que entrará com uma representação para destituir o comando da Força Nacional em Mato Grosso do Sul.
Feridos estão fora de perigo
Os três indígenas Guarani e Kaiowá, feridos durante o ataque em Douradina estão fora de perigo de morte, segundo informações da equipe médica do Hospital da Vida em Dourados.
A atualização foi passada na manhã deste domingo (4) a representantes do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Os representantes se dirigiram em seguida às retomadas da Terra Indígena Lagoa Panambi para ouvir depoimentos sobre o ataque ocorrido no sábado (3).
J.F.C, de 17 anos, foi baleado no pescoço; E.A.G, de 20 anos, sofreu um disparo na cabeça; e R.H.C, de 16 anos, foi atingido na cintura e nas nádegas. Ao todo, dez indígenas ficaram feridos, incluindo uma idosa atingida por balas de borracha.
A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) mobilizou atendimento emergencial com apoio do Corpo de Bombeiros para transportar os feridos mais graves para Dourados. A Força Nacional retornou à área após pressão.
Relatos dos indígenas apontam que os jovens feridos estavam protegendo os barracos nas retomadas Kurupa’yty e Pikyxyin, onde mais de 30 crianças e quatro bebês estavam abrigados. Essas áreas, situadas ao norte da Terra Indígena, eram consideradas mais seguras, longe da concentração de jagunços acampados na retomada Yvy Ajere.
A Terra Indígena Lagoa Panambi conta com sete retomadas. Recentemente, as retomadas Guaaroka e Yvy Ajere têm sido alvo de antagonismo ruralista, resultando em liminares de reintegração de posse e convívio com acampamentos de jagunços. Os ataques, inicialmente concentrados nessas áreas, se espalharam para outras retomadas.
O incidente ressalta a tensão e os conflitos contínuos na região, necessitando de uma intervenção efetiva para proteger a vida e os direitos dos povos indígenas.
Acampamento do MST incendiado
Pelas redes sociais, o Cimi denunciou outro ataque do mesmo grupo que aterroriza os povos originários, dessa vez contra o acampamento Esperança, do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), localizado em Dourados (MS).
"Retaliação e violência - o acampamento Esperança, do MST em Dourados (MS), foi atacado e incendiado na madrugada deste domingo (4). Representantes do Esperança estiveram na segunda (29) nas retomadas de Douradina prestando solidariedade aos Guarani e Kaiowá", diz a legenda do vídeo que mostra o incêncio
Cerca de 300 famílias moram no Acampamento Esperança, a poucos quilômetros de Douradina, que foi atacado e incendiado. Integrantes do local haviam visitado a Terra Indígena Lagoa Panambi na segunda-feira (29) para prestar solidariedade e levar mantimentos às retomadas Guarani e Kaiowá.
Durante a visita, os veículos da comitiva de solidariedade, composta por movimentos sociais, incluindo o MST, foram parados e inspecionados pelo Departamento de Operações de Fronteira (DOF). Documentos pessoais e placas dos carros foram fotografadas. No entanto, apenas os membros do MST foram obrigados a sair dos veículos e informados de que seriam autuados por invasão de propriedade privada.
No ataque da madrugada, testemunhas relataram a presença de cerca de dez caminhonetes e duas motocicletas.
"Fazendeiros não permitiram que o corpo de bombeiros agisse rapidamente, bloqueando o acesso imediato ao local dos incêndios. Alguns barracos foram destruídos pelo fogo, mas a infraestrutura será recuperada depois", afirmou uma nota do acampamento Esperança. O texto enfatiza que a solidariedade do MST aos Guarani e Kaiowá permanecerá firme.
A nota ainda critica a ausência deliberada das autoridades de segurança. "A inércia e a falta de ações concretas de reforma agrária e demarcação de terras indígenas intensificam os conflitos agrários. Audiências e boas conversas são ineficazes", conclui o comunicado do acampamento Esperança.
Ministérios emitem nota
O Ministério dos Povos Indígenas informou ter recebido as denúncias e enviado uma equipe, junto com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério Público Federal, para prestar atendimento aos Guarani Kaiowá.
A Secretaria de Saúde Indígena foi acionada para cuidar dos feridos menos graves. Eloy Terena, secretário executivo do MPI, solicitou explicações ao Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre a retirada da Força Nacional e pediu a permanência do efetivo no território para evitar novos episódios de violência.
Além disso, um ofício foi enviado ao diretor-geral da Polícia Federal solicitando uma investigação imediata do ocorrido, e o policiamento local foi reforçado.
Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) afirmou neste domingo que acompanha a escalada de violência contra os Guarani Kaiowá no estado.
O ministro Sílvio Almeida também compartilhou a nota da pasta.
Repercussão nas redes
Parlamentares de partidos progressistas de esquerda se pronunciaram nas redes sobre o ataque contra o povo Guarani Kaiwoá. A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), que é indígena, compartilhou fotos de alguns feridos.
"Nosso mandato recebeu informações de que milicianos ruralistas e seus capangas estão atacando violentamente as retomadas Guarani e Kaiowá, Kurupa Yty e Pikyxyin neste momento, no MS!", escreveu.
A deputada Talíria Petroni (Psol-RJ) também denunciou o ataque contra os indígenas sul-matrogrossenses.
"Muito duro ver os ataques aos Guarani e Kaiowá em Douradina. É um crime inaceitável e uma grave violação dos direitos humanos. O caso precisa ser investigado rigorosamente. É necessária solução urgente para acabar com a violência contra os povos indígenas", postou.
Outra parlamentar a se manifestar sobre o ataque foi a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
"Ruralistas milicianos têm cometido graves violações aos direitos humanos de indígenas no Mato Grosso do Sul. A escalada de terror contra os Guarani e Kaiowá, Kurupa Yty e Pikyxyin, que já deixou dez indígenas feridos em Douradina, tem que ser interrompida imediatamente", comentou.
Ataques sistemáticos
O povo Guarani Kaiowá tem enfrentado uma longa história de violência e conflitos no Mato Grosso do Sul, intensificados nos últimos anos com a ascensão da extrema direita bolsonarista. A situação é marcada por uma série de ataques por parte de fazendeiros e jagunços, frequentemente relacionados à disputa por terras.
Desde a colonização no início do século 20, os Guarani Kaiowá foram forçados a deixar suas terras ancestrais para viverem em reservas menores. Este processo de deslocamento e confinamento foi acentuado nos anos 1940, com políticas do governo federal que lotearam terras indígenas para a venda a proprietários rurais. Este histórico de deslocamento forçado criou um cenário de conflito permanente na região.
Nos últimos anos, a violência contra os Guarani Kaiowá tem se manifestado de várias formas, incluindo ataques armados, incêndios criminosos e agressões físicas:
Ataques Armados e Incêndios: Em diversas ocasiões, como na retomada Avae’te, houve incêndios de casas de reza e ataques com armas de fogo. Os autores desses crimes frequentemente são seguranças privados ou fazendeiros que contestam a presença indígena nas terras.
Homicídios de Lideranças Indígenas: O assassinato de lideranças indígenas é uma constante. Exemplos incluem a morte de Alex Lopes em 2022 e outros líderes assassinados nos últimos anos, como Ortiz Lopes e Oswaldo Lopes. Essas mortes frequentemente ocorrem em contextos de disputas territoriais e são marcadas pela impunidade.
Apesar das denúncias e da mobilização de órgãos como o Ministério Público Federal e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a violência e a impunidade permanecem problemas persistentes. Recentemente, medidas foram tomadas para tentar proteger os territórios indígenas e apurar os crimes cometidos, mas a efetividade dessas ações ainda é limitada diante do poder e da influência do agronegócio na região.
A situação dos Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul é um reflexo da luta histórica pela terra e dos desafios contínuos que enfrentam em termos de violência e violação de direitos. A necessidade de políticas eficazes e de justiça para essas comunidades é urgente para garantir sua sobrevivência e dignidade.