Em 18 de fevereiro, foi aberta pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) uma consulta pública sobre a implementação experimental de um novo tipo de plano de saúde com cobertura muito restrita e preço baixo. Se for aprovada, a modalidade poderá ser oferecida pelas operadoras por dois anos para ser testada.
O modelo foi proposto pela Diretoria de Normas e Habilitação de Produtos da Agência e flexibiliza marcos regulatórios, suspendendo regras e garantias estabelecidas na atual regulação. Ele inclui somente consultas e exames, sem cobrir atendimentos de emergência, cirurgias, internações, terapias e exames de maior complexidade.
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A advogada especializada em direito do consumidor, Flavia Lefèvre, em entrevista ao Outras Palavras, destaca que se trata de um tipo de plano predatório que tende a prejudicar seus segurados. "Esse modelo, que já contraria a Lei de Planos de Saúde, transfere a responsabilidade para o SUS caso o consumidor seja diagnosticado com alguma doença. A proposta é vendida como uma opção barata, com mensalidades em torno de R$ 100, mas esconde uma série de problemas", aponta.
Fora da regulação
"Primeiro, o SUS foi criado justamente para garantir o direito à saúde de forma universal, e esse plano representa uma distorção desse princípio. Segundo, do ponto de vista da justiça social, a proposta é perversa, pois quer atrair cerca de 40 milhões de brasileiros que não têm planos de saúde e poderiam ser levados a contratar um serviço limitado, sem garantias de atendimento integral", alerta.
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Outro problema seria a possibilidade de reajustes fora da regulação. "Esses planos serão contratados na modalidade de planos coletivos por adesão ou empresariais, o que significa que os reajustes anuais não serão controlados pela ANS", pontua.
"A agência só regula reajustes para planos individuais e familiares, deixando os consumidores desses planos 'enxutos' à mercê de aumentos abusivos. Com isso, muitas pessoas podem ser expulsas do plano após reajustes elevados, perdendo o acesso até mesmo ao serviço limitado que contrataram."
Contra a Constituição
O modelo de cobertura mínima ainda contraria o princípio consagrado na Constituição, que estabelece a saúde como "direito de todos e dever do Estado".
"Essa proposta representa uma mudança radical no modelo de atendimento à saúde no Brasil. A Constituição Federal estabelece que os mais pobres devem ser atendidos pelo SUS, mas o novo plano inverte essa lógica, transferindo a responsabilidade para as empresas privadas", observa Lefèvre. "Isso não só contraria a Constituição, mas também representa uma exorbitância das atribuições da ANS, que deveria implementar políticas públicas definidas em instâncias democráticas, como o Ministério da Saúde e o Congresso Nacional, e não criar modelos que distorcem o sistema de saúde."
Ela lembra ainda que as operadoras de planos de saúde são as empresas que mais aparecem nas demandas de consumo no Poder Judiciário. No ano passado, foram alvo de mais de 238 mil ações, segundo números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). São ações que, geralmente, reclamam de abusos por parte das operadoras, um problema que vem se arrastando desde a Constituição Federal de 1988 e da edição do Código de Defesa do Consumidor.
A Consulta Pública 151, referente ao plano, ficará aberta até 4 de abril no site da ANS.