A fundadora do movimento Cristãos Pela Democracia, Sinhara Garcia, esteve no Fórum Onze e Meia desta segunda-feira (24) para comentar sobre o apoio de evangélicas à esquerda, aos movimentos sociais e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Garcia, que também é ativista e filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT), contou sobre sua trajetória dentro da religião e debateu ameaças que já recebeu por ser de esquerda.
A militante conta que já são 25 anos no meio evangélico, após anos sendo católica. Ela explica que desde que era acadêmica de Odontologia, gostava de trabalhar com comunidades mais carentes, e encontrou, dentro da religião evangélica, essa proximidade com os ensinamentos de Jesus.
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"Quando eu comecei a ter mais proximidade com a palavra de Deus, eu passei realmente a ver que a missão dele [Jesus] aqui na Terra foi cuidar das pessoas, ajudar, acolher. Lá na minha igreja diziam que nós éramos agora os discípulos de Jesus. Então, é muito difícil hoje ser discípulo de Jesus e fazer o que Jesus não faria", afirma.
Garcia acrescenta que um período muito difícil dentro do meio evangélico foi durante as eleições presidenciais de 2022, com a disputa entre Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT), um período em que religião e política se misturaram fortemente para promover ataques a políticos de esquerda.
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"Eu passei uma angústia muito grande. Muitos colegas da igreja passaram a me cobrar que eu não podia votar em Lula, que eu não podia apoiar um governo que ia trazer o comunismo, que ia fechar as igrejas. E eu gosto muito de estar pela internet e sempre publicava que ia votar no Lula, que apoiava o governo de esquerda e muitos não aceitavam e ficavam me assediando", relata a ativista.
Garcia acrescenta que estava sempre questionando como que ela, que atuava pela justiça social, em prol de comunidades vulneráveis, poderia votar em Bolsonaro, que representava uma série de preconceitos e que negava problemas sociais.
"Isso foi bem difícil para mim porque eu gostava de cuidar das pessoas carentes, estive na África, em Guiné Bissau, em Johannesburgo, sempre fazendo trabalhos sociais. Então eu dizia: 'Gente, como é que eu vou votar em um homem que diz que as pessoas que não tem fome? Ele [Bolsonaro] negava tudo. Negacionista. Então, eu ficava nesse debate com as pessoas", conta Garcia.
A partir disso, a ativista conta que resolveu abrir sua própria casa para receber pessoas que passavam pela mesma situação que ela de receber ataques por se declarar de esquerda e votar em Lula.
"Eu resolvi abrir a minha casa e acolher todas as pessoas que estavam passando pelo mesmo assédio que eu. Foi um momento de acolhimento. Nesse dia, eu convidei alguns pastores, alguns colegas e foram mais de 50 pessoas na minha casa buscando esse acolhimento e buscando o debate sobre a fé e a política", relata. A partir desse encontro foi que surgiu o movimento Cristãos Pela Democracia, que reunia católicos e evangélicos.
Garcia ainda conta que, nesta época, chegou a receber um vídeo em que um pastor dizia que quem votasse no Lula, iria pro inferno. "Isso é muito forte porque as pessoas que estão ali [na igreja], elas acreditam em tudo que o pastor fala. Muitas delas, não todas", diz.
Apesar dos assédios, Garcia continuou na luta pelo movimento Cristãos Pela Democracia e chegou a organizar um ato público na Praia de Iracema, em Fortaleza, para apoiar Lula, dias antes das eleições.
"Foi super importante para gente mostrar que existem cristãos, evangélicos, católicos, que são de esquerda, que tem essa pauta progressista. E assim a gente tem caminhado e crescido muito em qualidade de pensamentos, em parcerias e tem sido muito interessante", afirma a fundadora.
Igreja como lugar de transformação sociocultural
Garcia explica que para além de um lugar para exercer a religião, as igrejas são também espaços de transformação sociocultural, e essa é uma característica que a esquerda também precisa entender para compreender o papel desses locais dentro da política.
"Quando uma pessoa se converte, ela está buscando mais de Deus e recebe apoio na igreja que em muitos lugares ela não encontra. Ela é apoiada tanto socialmente, como recebe o abraço, o acolhimento, recursos, ela é ajudada de forma até material. Então, a gente precisa entender o papel da igreja na nossa sociedade como ela é um lugar de transformação sociocultural das pessoas", explica.
População evangélica e as eleições de 2026
Além de Sinhara, o pastor Zé Barbosa, também de esquerda e colunista da Fórum, participou do Onze e Meia e fez considerações sobre a rejeição de Lula no meio evangélico. O pastor afirmou que a rejeição ao presidente não é "natural", mas sim construída.
"A gente tem que entender, primeiro, uma coisa: os evangélicos não têm uma rejeição natural ao Lula assim como o pessoal da extrema direita naturalmente já odeio o Lula. Essa rejeição de grande parte dos evangélicos ao Lula foi uma rejeição construída", defende o pastor. Ele cita, por exemplo, o fim do segundo mandato do presidente Lula em 2011, a aprovação no meio evangélico era de 80%.
"Foi uma rejeição produzida por uma extrema direita que conseguiu dialogar com as igrejas evangélicas melhor do que a esquerda, conseguiu desviar o foco do social, que talvez seja a grande potência evangélica, que é a questão dos direitos, que é a questão de todo mundo ter o que comer, e foram transformando essa pauta numa pauta moralista", explica o pastor.
Nesse sentido, Barbosa defende que assim como foi construída, essa rejeição também pode ser desconstruída. Ele ressalta, porém, que esse processo é longo. "É um projeto a médio e longo prazo, mas dá para dialogar", afirma.
O pastor também critica a postura de algumas pessoas de esquerda de generalizar o meio evangélico e produzir preconceitos que dificultam o trabalho da esquerda de dialogar com essas bases. "A esquerda também bate nos evangelhos como se fosse um todo, e não é", diz. Ele cita um dos comentários expostos no programa, que dizia que a pauta evangélica é "tirar dinheiro do trabalhador". "Não, essa não é a pauta evangélica. Essa é a pauta de Silas Malafaia, essa é a pauta de Bispo Macedo, essa é a pauta do Valdemiro, mas não é de todos. Então, quando a esquerda chega e fala que 'evangélico só quer tirar dinheiro do pobre', além de tudo, dificulta o nosso trabalho que está na base tentando reconstruir isso", completa o pastor.
Garcia complementa falando sobre a enxurrada de fake news durante as eleições de 2018 que distorciam questões sobre aborto, movimento LGBTQIAPN+, comunismo e outras pautas sociais, e que colaboraram para que os evangélicos rejeitassem ainda mais a esquerda e o Lula. Nesse sentido, a ativista defende que o principal trabalho a ser feito para as próximas eleições é o de informar a população.
"O que precisa é de informação. A gente precisa educar as pessoas, ensiná-las, falar sobre nós que somos evangélicos, que temos também as nossas defesas de diversas pautas, que nem concordamos com tudo da esquerda, mas estamos ali alinhados porque a pauta principal é o cuidado, o cuidado social das pessoas, as políticas públicas sociais. Essas são as pautas que realmente importam", ressalta Garcia.
Confira a entrevista completa da ativista evangélica Sinhara Garcia e do pastor Zé Barbosa ao Fórum Onze e Meia abaixo:
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