ELEIÇÕES 2024

Pablo Marçal: uso de "gabinete do ódio" pode cassar candidatura de ex-coach

Estratégia de lacração de Marçal, que estaria premiando aliados para propagar vídeos nas redes, tem afastado adversários dos debates nas eleições para a Prefeitura de São Paulo

Pablo Marçal.Créditos: Reprodução de vídeo / Youtube
Escrito en BRASIL el

Com propostas medíocres e surreais - como a instalação de um teleférico para ligar as comunidades de São Paulo -, Pablo Marçal (PRTB) tem usado os debates eleitorais para propagar vídeos com lacrações contra adversários de campanha.

Em minutos, edições das falas do candidato do PRTB à prefeitura de São Paulo se disseminam e pautam o debate nas redes.

A "lacração" fez com que Ricardo Nunes (MDB) e José Luiz Datena (PSDB) desistissem de participar do debate nesta segunda-feira (19) promovido pela revista Veja. Guilherme Boulos (PSOL) alegou outros compromissos.

Com isso, devem comparecer - caso o debate seja levado adiante - Tabata Amaral (PSB) e Maria Helena (Novo), além do próprio ex-coach.

A estratégia segue um antigo método seguido pelo "ex-coach" para se alastrar rapidamente nas redes e ganhar engajamento por meio de mailings de "alunos" de seus cursos que participam de grupos de aplicativos, em especial do Discord.

O PSB, de Tabata, chegou a entrar com ação contra Marçal por suspeitas que ele estaria usando esses grupos para promover uma espécie de competição, com prêmios em dinheiro, para os seguidores que mais impulsionarem seus vídeos - entenda ao final da reportagem.

Para advogada Juliana Freitas, especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), o fato de um candidato de ter muitos seguidores não configura conduta abusiva, mas caso Marçal esteja utilizando a super infraestrutura criada pela sua empresa como forma de captação de capital político torna-se evidente um desequilíbrio no processo eleitoral, que daria margem à cassação.

"O TSE se posicionou recentemente no sentido de que não é possível usar a estrutura de uma empresa para promover uma campanha publicitária para desequilibrar as eleições, ou mesmo, que empresas e candidaturas, quaisquer que sejam, estabeleçam durante a campanha, publicidade paralela sem contabilização nas contas do partido, sem nenhum limite financeiro, com exploração de funcionários e fornecedores, configurando não apenas o assédio eleitoral como abuso de poder econômico, que pode ser objeto de ações de cassação de mandato", afirmou Juliana à Fórum.

Para Luka Franca, bacharel em direito e pós-graduanda em Direito Eleitoral pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), o caso de Marçal é ainda mais grave por supostamente oferecer recompensas financeiras para quem propaga seus conteúdos, criados de forma distorcida pela campanha.

"Ele não pode pagar influenciadores para fazer campanha para ele. Isso é algo que a justiça eleitoral proíbe. Isso, não necessariamente, pode cassar o mandato, mas sim resultar em multa", explica.

"Porém, Se ficar comprovado abuso de poder político e econômico pode, sim, virar um processo de cassação de mandato de candidatura. E como vai se verificar isso? Qual o volume de bens que ele declarou na Justiça Eleitoral e no Imposto de Renda. E qual o valor que ele colocou na campanha do próprio Bolsonaro - ele só pode colocar 10% do valor declarado ao IR do ano passado. Se configurar abuso de poder econômico é possível iniciar um processo de cassação da candidatura do Marçal", emenda.

PSB

Na representação junto ao Ministério Público Eleitoral (MPE), o diretório paulistano do PSB pede investigação sobre uma espécie de ‘gabinete do ódio’ supostamente montado pelo coach, em que seguidores distribuiriam milhares de cortes diários dos seus vídeos pelas redes sociais.

O PSB pede que o MP faça um levantamento dos perfis que difundem os vídeos de Marçal. O objetivo é reunir dados acerca dos donos desses perfis, quantos são os replicadores, o volume de peças divulgadas e seus conteúdos. A tese é de que Marçal usaria das suas empresas e atividade como coach para driblar regras de financiamento de campanha.

“A criação de um batalhão ou exército de influenciadores repetidores de conteúdo, remunerados pelo candidato ou suas empresas e reunidos pelo uso de um sistema informatizado ou um aplicativo amplifica artificialmente o alcance de Pablo Marçal, driblando a funcionalidade do algoritmo das redes sociais (que se aplicam aos adversários, mas não a Marçal) para lhe colocar em posição artificial de vantagem, o que não se pode admitir”, diz o PSB.

Como funciona o ‘gabinete do ódio’ de Marçal

O coach é um verdadeiro fenômeno nas redes sociais. Ainda que esteja longe de uma vitória eleitoral na maior cidade do país, ele é, sem dúvidas, o postulante que obtém mais engajamento nas plataformas.

Aos 37 anos, supera em 7 vezes a média dos principais candidatos – Guilherme Boulos (Psol), Ricardo Nunes (MDB), Tabata Amaral (PSB) e Kim Kataguiri (União Brasil) – em volume de buscas no Google. Os dados são de levantamento da consultoria Bites, publicado por Malu Gaspar em O Globo, e se referem à primeira semana de junho.

Entre as principais redes sociais, ele prefere o YouTube e o Instagram. No primeiro, conta com mais de 3,3 milhões de inscritos; no segundo, com mais de 10 milhões de seguidores. Facebook e X, o antigo Twitter, não estão entre as preferidas de Marçal. Ele faz postagens nelas com menor intensidade, mas mesmo assim, somadas as redes, chega a quase um milhão de adeptos.

Marçal é conhecido por situações inusitadas, como a vez em que levou um grupo de adeptos para uma trilha na montanha em meio a uma tempestade e quase causou uma tragédia, ou mais recentemente por ter se envolvido em polêmicas acerca do colapso climático do Rio Grande do Sul. Ele definitivamente engajará fãs e haters.

Um ano atrás, Bruno da Silva Teixeira, de 26 anos, morreu após sofrer uma parada cardíaca durante uma maratona improvisada realizada pelo grupo empresarial comandado pelo coach em Alphaville, na Grande São Paulo. A vítima era um prestador de serviço para uma das empresas. De acordo com o Boletim de Ocorrência (BO) registrado em uma delegacia de Barueri (SP), Bruno corria com um grupo de funcionários da XGrow por volta das 22h quando teve um mal súbito e caiu. Ele teve uma parada cardíaca e foi levado de carro até o Hospital Albert Einstein, onde os médicos tentaram reanimá-lo. Seu óbito foi declarado às 23h20 de 5 de junho de 2023.

Além disso, seu jeito e sotaque interiorano, que em simbiose com seu estilo de vida luxuoso o fazem parecer uma estrela do sertanejo universitário, também terão o efeito de atrair seguidores. Jovens evangélicos e oriundos do mercado informal seriam as principais características desse público, que se identificam com Marçal e recorrem aos seus conselhos.

Mas mesmo com tudo isso em mãos, é no Discord que ele realmente organiza o seu próprio ‘gabinete do ódio’. A relação com a prática adotada pelo governo Bolsonaro foi feita pelo jornalista Guilherme Caetano, atualmente em O Globo, nas redes sociais. De acordo com a apuração do profissional, é através dessa plataforma que Marçal organiza verdadeiras competições mensais entre seus milhões de seguidores, com premiações de até R$ 10 mil para que produzam cortes das suas falas e as façam viralizar.

Caetano aponta que a comunidade “Cortes do Marçal” no Discord tem quase 100 mil membros e é nela que o incentivo para a produção dos cortes é feito. Dessa maneira, os membros criam suas próprias páginas para divulgar a produção e as 30 melhores colocadas em termos de engajamento recebem as premiações.

O primeiro colocado fatura R$ 10 mil, o segundo R$ 7 mil e o terceiro R$ 5 mil. Esses três primeiros colocados ainda ganham vagas para os cursos do coach. O quarto colocado leva R$ 4 mil, o quinto e o sexto R$ 3 mil e o valor vai diminuindo até os R$ 500 pagos para quem atingir do 23º ao 30º lugar. Os vencedores são anunciados na própria comunidade.