VIOLÊNCIA

Vítima de estupro é impedida de realizar aborto legal em SP e ouve que seria "mãe guerreira"

Jovem tenta há mais de um mês realizar procedimento garantido em lei; médica também afirmou que ela teria que arcar com o funeral do feto

Manifestação pelo acesso ao aborto legal.Créditos: Rovena Rosa/Agência Brasil
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Uma mulher, vítima de estupro, tenta há mais de um mês realizar o aborto legal em um hospital de São Paulo, mas vem sofrendo uma série de violências e barreiras para que seu direito não seja garantido. 

A situação também foi divulgada pela coluna da jornalista Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo. O caso foi repercutido  pela ativista e candidata à vereadora por SP, Amanda Paschoal, junto ao mandato da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP).

De acordo com a Defensoria Pública de SP e com o Projeto Vivas, que acompanham de perto a situação, a jovem está sendo pressionada por profissionais do Hospital Municipal e Maternidade Prof. Mário Degni a manter a gestação

Segundo relato da jovem, ela foi vítima de violência doméstica e sexual de seu namorado. Ela procurou a unidade de saúde após descobrir a gravidez de forma tardia e passar por um estado de depressão. Porém, apesar de ter o direito ao aborto garantido por lei, ela vem enfrentando diversas dificuldades para que desista do procedimento. 

A jovem, que é uma mulher negra de 21 anos, chegou a ser questionada, por uma psicóloga e uma assistente social, sobre qual nome colocaria no feto, se o pai estaria feliz com a gestação e se ela considerava entregar a criança para a doação. A vítima também foi orientada a apresentar um familiar que concordasse com a decisão dela sobre realizar o aborto. Ela também ouviu que seria uma "mãe guerreira" caso mantivesse a gravidez. 

Após passar por essa série de barreiras e violências psicológicas, a mulher foi encaminhada a uma ginecologista para dar entrada no procedimento. Porém, a profissional que iria atendê-la na semana seguinte não compareceu ao hospital. A consulta foi remarcada, porém o atendimento foi novamente cancelado. 

Quando a jovem finalmente conseguiu ser atendida, teve que ouvir da médica que ela ia pensar se aceitava dar prosseguimento ao caso e que a vítima teria que arcar com o funeral do feto

Ao voltar ao hospital, no dia 7 de agosto, ela foi atendida pela psicóloga, a assistente social, a ginecologista e duas dirigentes que tentaram, novamente, impedir o procedimento. À Folha, a jovem disse que reforçou a escolha de realizar o aborto legal, mas foi aconselhada a conversar com familiares. 

As funcionárias teriam dito que ela deveria voltar ao hospital com seu pai ou sua mãe para ver o que poderia ser feito. De acordo com a lei, maiores de 18 anos não precisam de qualquer autorização dos responsáveis para fazer o aborto legal. "Sinto que estão fazendo todo um serviço para que eu desista", declarou a jovem. 

A Defensoria Pública pediu um parecer por escrito do hospital, mas ainda não recebeu resposta, o que impossibilita a judicialização do caso. Enquanto corre o processo, a jovem já está na 29ª semana de gestação, o que dificulta o procedimento. 

"Tortura é o nome disso", manifestou o Projeto Vivas, que atua no acolhimento e auxílio a pessoas que procuram o aborto legal. "Esse tipo de de maus tratos não é a exceção, é a regra na maioria dos serviços de aborto legal no Brasil", acrescentou.

Hospitais de SP deixam de prestar aborto legal

Em junho deste ano, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), intimou hospitais de São Paulo a prestarem esclarecimentos sobre o cumprimento da decisão que liberou a realização da assistolia fetal para casos de aborto legal após 22 semanas de gestação. 

Os hospitais intimidados foram: Vila Nova Cachoeirinha, Dr. Cármino Caricchio, Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha, Tide Setúbal e Professor Mário Degni. 

A assistolia fetal, procedimento recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para casos de aborto após 20 semanas de gestação, foi proibido após resolução emitida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em março. 

Depois da nova norma, mulheres e crianças vítimas de estupro, que muitas vezes chegam aos hospitais com a gravidez avançada, estavam sendo impedidas de realizar o aborto legal, apesar de protegidas pela legislação, que permite o procedimento em três casos: estupro, risco de vida para a mãe e anencefalia do feto. 

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Nunes é denunciado a órgão internacional por suspender aborto legal

Em julho, a gestão do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), foi denunciada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), após suspender o serviço de aborto legal no Hospital e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha.

A unidade é uma das únicas de São Paulo a realizar o procedimento e sua suspensão, desde dezembro do ano passado, vem impedindo o direito de dezenas de pessoas ao aborto legal, garantido na legislação desde 1940 para três casos: estupro, anencefalia fetal e risco de vida à mãe. 

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