As últimas propostas legislativas mostram a forte onda conservadora dentro da política brasileira, mas será que a sociedade, em sua maioria, responde positivamente a esse fenômeno?
Um grande exemplo dessa onda é o Projeto de Lei 1904/2024, conhecido como PL do Estupro, que criminaliza mulheres e crianças vítimas de estupro que realizarem o aborto legal após 22 semanas de gestação.
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Alvo de diversas polêmicas e repúdio nas últimas semanas, o PL equipara o aborto ao crime de homicídio, se realizado após as 22 semanas de gestação. Essa nova lei valeria até mesmo para os casos em que o aborto está previsto na legislação brasileira. Na prática, iria criminalizar, principalmente, crianças de até 13 anos, que são as principais vítimas de abuso sexual e que, muitas vezes, precisam realizar o procedimento com gestações mais avançadas.
Apesar do grande apoio de parlamentares de direita e extrema direita, o projeto foi muito criticado pela sociedade civil, que saiu em defesa dos direitos das mulheres. Uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira (15) reforçou esse cenário: maioria dos entrevistados acredita que não deve haver pena de prisão para mulheres que abortam.
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O levantamento "A Cara da Democracia" foi realizado pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), que reúne pesquisadores das universidades UFMG, Unicamp, UnB e Uerj, e tem financiamento do CNPq, Capes e Fapemig. Ao todo, 2,5 mil pessoas foram entrevistadas em 188 cidades do país, entre o fim de junho e o início de julho.
Para os pesquisadores, o resultado mostra que, apesar da maioria dos brasileiros se autodeclarar "de direita", o conservadorismo vem retrocedendo com os anos. A pesquisa também investigou o apoio a restrições ao casamento gay e a descriminalização de drogas.
"O brasileiro já foi mais conservador em algumas agendas, como redução da maioridade penal e criminalização do aborto. O que está acontecendo não é ele ser cada vez mais conservador no campo moral, mas sim identificar isso cada vez mais como adesão à direita", afirmou o cientista político Leonardo Avritzer, da UFMG.
Como exemplo desse cenário, o pesquisador mostrou que 70% dos entrevistados se declararam contra a legalização do aborto, porém, desse total, 40% afirmaram ser contra a prisão de mulheres que abortam, além de 18% se declararem contrários ao aumento da pena de prisão.
"As pessoas são contra o aborto, mas de uma maneira abstrata. Concretamente, não querem ver mulheres na cadeia por terem abortado, mesmo em setores mais conservadores", acrescenta o pesquisador.
Porém, do outro lado, um número muito próximo reforça que o conservadorismo ainda perpetua fortemente na sociedade brasileira: 30% dos entrevistados defendem aumento de pena para mulheres que abortam.
Outros temas de embate
Outros temas polêmicos à sociedade brasileiros e explorados pela pesquisa também mostram uma divisão tênue entre favoráveis e contrários, como:
- Proibição da "saidinha" de pessoas encarceradas: 49% a favor e 45% contra;
- Casamento homoafetivo: empatado em 45% entre favoráveis e contrários;
- Cotas raciais: 40% a favor e 41% contra.
Já temas como Bolsa Família, redução da maioridade penal e descriminalização do uso de drogas têm percentuais com ampla diferença:
- Bolsa Família: 80% a favor e 13% contra;
- Redução da maioria penal: 65% a favor e 28% contra;
- Descriminalização do uso de drogas: 23% a favor e 69% contra.
Em relação ao espectro político, a maioria (36%) se declara "mais à direita", mas 33% se diz "nem à esquerda e nem à direita". Já na afirmação "mais à esquerda", apenas 15% dos entrevistados concordaram.