SÃO PAULO

Tarcísio amplifica caos da Cracolândia: internações forçadas e denúncias de agressão disparam

Política de drogas do governador bolsonarista é desastrosa; novo Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas, que substitui o antigo Cratod, é o palco das denúncias feitas por ex-funcionários

Guarda Civil Metropolitano na Cracolândia em 24 de junho de 2024.Créditos: Paulo Pinto/Agência Brasil
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Um pedaço de madeira com a palavra "internação" gravada, usado para agredir pacientes no Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas, instalado na Cracolândia, no centro de São Paulo, é a imagem que traduz a desastrosa "nova" política de drogas implementada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em abril do último ano, meses após sua posse. De lá para cá, dispararam as chamadas internações involuntárias e as denúncias de agressões contra pacientes no local.

O novo "Hub", com esse nome em inglês oriundo do linguajar empresarial, foi implementado em abril de 2023 com o objetivo de substituir e modernizar o antigo Cratod (Centro de Referência e Atendimento a Tabaco, Álcool e Outras Drogas). O objetivo é transformar o antigo órgão num enorme pronto-socorro destinado à atenção dos usuários de drogas que se acumulam no chamado "fluxo" da Cracolândia. Mas os resultados não são nada animadores.

De acordo com dados da gestão estadual, foram quase 20 mil atendimentos em pouco mais de um ano, sendo que 8,5 mil terminaram em internações em hospitais psiquiátricos. 409 delas, ou 5% do total, foram internações involuntárias. Mas segundo o Ministério Público foram contabilizadas 418 internações compulsórias.

Há três tipos de internações: as voluntárias, que ocorrem quando o próprio paciente assina sua admissão ao chegar ao hospital; as compulsórias, determinadas por juiz após pedido médico e sem a necessidade de que terceiros assinem a admissão; e as involuntárias, que ocorrem quando é atestada a incapacidade do paciente de fazer suas próprias decisões acerca do processo terapêutico.

Quando ocorre uma internação involunt??ria, é um parente do paciente, pessoa próxima ou agente de saúde quem assina. Todos os casos desse tipo são informados em até 72 horas ao Ministério Público e à Defensoria Pública. As internações têm, no máximo, 90 dias de duração.

Funcionários e ex-funcionários do novo Hub e da Cratod falaram à Folha sobre a situação. Explicaram que até a abertura do Hub, os casos de internações involuntárias eram considerados exceções, mas que desde então se tornaram regra. Sem dados disponíveis anteriores a abril de 2023, restou a comparação entre períodos para que tenhamos uma ideia.

Junho de 2024 registrou 31 internações involuntárias, enquanto o mesmo mês em 2023 tinha registrado apenas 11. O mês com o maior número de internações desse tipo, 58, foi maio de 2024. Os dados são do Centro de Apoio Operacional da Saúde Pública do Ministério Público de São Paulo.

Entre as explicações para o aumento exponencial das internações involuntárias está justamente a mudança na política de combate às drogas. Com o lançamento do novo Hub, Tarcísio também anunciou um aumento de leitos em hospitais psiquiátricos e, magicamente, a orientação de que os tratamentos fossem de caráter mais ambulatorial mudou para as internações.

É nesse contexto que surgem as denúncias de agressões a pacientes dentro do órgão. A existência do pedaço de madeira com a inscrição "internação" foi confirmada por dois ex-funcionários à Folha. Além disso, sobram relatos de pacientes arrastados, feridos e golpeados com chutes.

"Já vi segurança dando chute no peito de paciente do lado do supervisor de enfermagem. E o mesmo supervisor riu com o segurança do ocorrido", denunciou o psicólogo Diego William de Faria Rennó, de 38 anos.

Há ainda agressões nas abordagens de agentes do Serviço de Cuidados Prolongados (SCP). Policiais militares acompanham as equipes nas ruas, e os abusos partiriam deles. A Prefeitura de São Paulo, encabeçada por Ricardo Nunes (MDB), se defendeu e disse dar opções de abordagem ao paciente conforme nota técnica. A PM se limitou a responder que atua integrada com outros órgãos e que foi responsável por encaminhar 69 usuários de drogas ao Hub.

De acordo com os ex-funcionários ouvidos pela Folha, é a própria direção do Hub quem se mostra conivente com as agressões. Um coordenador chegou a passar um comunicado para a equipe orientando a não interferir nas abordagens. "Não vamos interferir de maneira contrária nessa conduta. Isso tem gerado uma sensação de desautorização da equipe de segurança com repercussões ruins", diz um trecho do comunicado.

O Hub alega que a orientação tem o objetivo de garantir a segurança dos servidores. No entanto, a situação não agrada. Uma série de cartas de repúdio à nova política de drogas de Tarcísio têm sido publicadas nas últimas semanas com as denúncias. Para além de internações forçadas (compulsórias ou involuntárias) e das agressões, também há relatos de que alimentos e refrigerantes são oferecidos em troca de internação junto ao SCP.