“O Nenê era unânime. Você pode ver em comentários de rede social que todo mundo adorava ele. É comum que digam que logo na primeira vez que foram ao Malta Rock Bar já fizeram amizade. Ele tinha esse lance de dar atenção, oferecer os drinques, e não interessava se era amigo, tipo eu, de 'mil anos', ou um cara que estava lá pela primeira vez. Também ajudava as pessoas, tanto que ele foi ajudar e veja o que aconteceu”, contou, emocionado, o jornalista Ricardo Batalha, amigo do empresário Carlos Monteiro do Santos, assassinato na noite de sábado (15) em seu próprio bar na zona sul de São Paulo.
Alerta: a reportagem a seguir contém relatos de violência e pode impactar algumas pessoas. A Fórum reproduz por se tratar de interesse jornalístico
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Batalha já apresentou programas sobre heavy metal e outras vertentes do metal na Kiss FM, na Rádio Brasil Atual e diversos outros meios. Também escreveu colunas sobre sua paixão ao Uol e a diversos fanzines independentes. Foi editor-chefe da Roadie Crew, importante revista de Metal. Com Nenê, trabalhava fazendo a comunicação do Malta Rock Bar. Mas a relação era muito antiga, remontava dos anos 80 e eram amigos inseparáveis, conforme ele contou em entrevista exclusiva à Fórum.
“Eu conheci o Nenê depois do primeiro Rock in Rio, entre 85 e 86, porque ele foi o primeiro cara que teve uma bateria Tama. Trouxe ela de Portugal, com tudo, com várias peças, não só com as peças normais da batera. Eram 4 tons (ao invés de 2), 2 surdos... Naquela época, em 85, até 87 e tal, a gente ia nos lugares como o Black Jack [histórico e extinto bar de rock em Santo Amaro, na zona sul de SP] para ver equipamentos importados que a gente nunca tinha visto. Conheci o Nenê por isso, por causa da bateria Tama azul que ele tinha comprado em Portugal”, contou.
Nêne era casado havia 20 anos e não tinha filhos. Torcedor da Portuguesa e descendente de portugueses, a mãe e o irmão moram em Portugal, de onde trouxe a icônica Tama Azul. Ao longo da sua vida, teve teve outros tipos de comércio, incluindo bares, mas nada voltado ao metal e ao rock, suas paixões. Em 2020 conseguiu finalmente realizar seu sonho e abriu o Malta Rock Bar.
“Quando estava chegando perto da época da pandemia, ele alugou o imóvel do bar. Eu que mostrei o imóvel para ele. Ali era o restaurante por quilo que eu comia e estava para alugar. ‘Aqui dá um bar, hein’, disse pra ele. Durou uns meses e ele fechou o negócio na pandemia, mas foi guerreiro de manter viva a ideia e reabrir”, relata Batalha.
Depois da reabertura, Nenê criou uma verdadeira comunidade no bar. Com um estúdio de ensaio, não eram poucas as bandas que escolhiam o ambiente para fazer suas práticas. Os velhos amigos também rodeavam o lugar e cada novo frequentador, geralmente moradores da região, se tornavam novos amigos para Nenê.
Batalha conta que Nenê jamais fazia a distinção entre velhos e novos amigos, tratando a todos bem, e fazendo ofertas de drinques e salgados. O espaço também recebia gravações e entrevistas de bandas nacionais e de atrações internacionais. Mas as atenções de Nenê estavam com a cena brasileira, aquela que ele próprio dedicou a vida.
Nenê tinha um mural que homenageava as bandas nacionais, quando geralmente o comum é encontrarmos em outros estabelecimentos os mesmos murais com fotos e cartazes de bandas estrangeiras. Nomes como Andreas Kisser (Sepultura), Paulo Thomaz, Marcello Pompeu (Korzus) e Felipe Machado (Viper) já passaram pelo Malta Rock Bar e autografaram fotos expostas. Entre os amigos internacionais de Nenê estava Jeff Scott Soto, vocalista das bandas Soto, Art of Anarchy, Sons of Apollo e outras.
“Meu coração está doendo agora. Um homem maravilhoso, Nenê, dono do Malta Rock Bar em SP, perdeu a vida na noite passada na frente do seu bar tentando separar uma briga. Ele fez eu me sentir em casa toda vez que coloquei meus pés dentro do bar. Fiz workshops lá e conheci a Capiroska e as coxinhas”, escreveu o músico em publicação que envia as condolências a família de Nenê.
“Era incrível a quantidade de gente que gostava do Nenê, por isso que o velório estava lotado. Tinha umas 30 coroas de flores. Ele montou o bar para estar com os amigos. E mesmo de domingo, quando o bar fechava, ele juntava a galera e íamos a outros bares. Ele adorava reunir pessoas. Tanto que o nome do bar, Malta, seria uma expressão em Portugal para a reunião de pessoas”, contou Batalha.
Na noite do crime ele sequer cobrou entrada. Ocorria o ensaio aberto de uma banda e ele liberou a portaria para os frequentadores assistirem e darem um apoio aos músicos. Diego de Almeida Pereira, 34 anos, foi um dos que entrou no bar. Segundo relatos de testemunhas (Batalha não estava ali naquele momento) o autor do crime já havia provocado outras pessoas antes de investir contra a amiga de Nenê, com quem tocava numa banda e eventualmente também trabalhava no Malta. Ele simplesmente pediu para que Diego a deixasse em paz e recebeu, em troca, dois golpes de canivete no pescoço.
Os frequentadores do bar, amigos de Nenê, renderam Diego - que foi preso em flagrante em seguida. A Justiça converteu no domingo (16) a prisão em flagrante em preventiva, sem prazo para terminar. Não ocorreu audiência de custódia no mesmo dia por falta de luz no Fórum Criminal da Barra Funda, na Zona Oeste. O assassino foi indiciado pelo crime e ficou em silêncio no seu interrogatório. Ele já tinha passagens anteriores por outros crimes, como roubo, foi condenado por assalto e atualmente estava cumprindo pena em liberdade.
“É triste demais. Uma perda para toda a cena do metal. Um cara que prezava pelos outros. E eu tenho uma personalidade muito parecida com a dele. Fico pensando que se estivesse lá também ia falar para o cara deixar a menina em paz, e podia ser eu a vítima. Sempre fiz isso. E agora vou até repensar esse meu jeito”, refletiu Batalha.