O Carnaval não é uma festa conhecida pela apresentação de bandas de rock e muito menos pela censura policial às músicas que são tocadas ao longo do feriado. Pelo contrário, as festividades são marcadas pela ampla liberdade de expressão e diversão. Mas em Icoaraci, distrito de Belém do Pará, essa rotina mudou após a apresentação da banda THC, do gênero hardcore – o mesmo de bandas como os Ratos de Porão de João Gordo e cia. – em trio elétrico local na madrugada da última terça-feira (13).
Ao final da apresentação, homens da Polícia Militar do Pará que não teriam 'gostado' das letras da banda, cercaram o trio elétrico, agrediram músicos e levaram presos o guitarrista da THC e o baterista da banda Rancor, que tocou pouco antes.
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Vale destacar que integrantes da banda já estavam respondendo processo por serem parte de um dos grupos musicais envolvidos com o Facada Fest, evento que foi censurado em 2019, em sua terceira edição, pelo então ministro da justiça Sérgio Moro.
A Revista Fórum conversou com Elói, vocalista da banda THC. Ele relatou que o convite para tocar no carnaval de Belém foi feito de última hora e bastante inesperado. Eles foram convidados pelos gestores do bar Iron Beer Pub, que tem um convênio com a agência cultural do distrito de Icoaraci. Ao lado deles, a banda Rancor também foi chamada para se apresentar. Todos rapidamente aceitaram o convite e foram tocar no Carnaval.
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“Finalizamos o show com uma música chamada Skateboard. Os policiais se sentiram ofendidos com essa música e pararam o trio elétrico depois que a gente finalizou o show com a maior truculência, a maior violência, agrediram o guitarrista da minha banda, deram um tapa nele em cima do trio elétrico e mandaram a gente descer. Só que eu consegui evadir, porque eles estavam atrás de mim, que sou vocalista, eles não estavam ali para me levar preso nem nada, eles queriam me agredir mesmo. Eles queriam que eu descesse para eles me baterem, só que eu não vou apanhar de graça, então eu peguei e saí fora”, contou.
Segundo relatos dos seus companheiros de banda, os PMs perguntaram pelo vocalista por diversas vezes. Sem que seu paradeiro fosse entregue pelos músicos, os agentes então resolveram colocar os demais integrantes da banda dentro do camburão e os levaram a Delegacia Seccional de Icoaraci. Chegando lá, a delegada não quis entrar com qualquer procedimento, porque segundo ela não teria ocorrido crime algum na conduta da banda. Eles ficaram um tempo lá, prestaram depoimento e depois foram liberados.
Wesley, o guitarrista detido, gravou um vídeo nesta quarta-feira (14), explicando a situação. Ele pontua que a banda já tem essas músicas faz algum tempo e que não é comum tocarem em carnavais. Também aponta que não fizeram nada além de se apresentarem, conforme haviam sido chamados.
“Tocamos as músicas que a gente sempre toca. Inclusive fizemos o set reduzido e tocamos essas músicas já faz muito tempo. Só que dessa vez fomos detidos pela Polícia Militar com a acusação de desacato. Estão tentando calar a gente. Não desrespeitamos ninguém, tocamos as músicas que a gente sempre toca, algumas falando sobre repressão policial, e esperamos que isso não aconteça de novo. Quer dizer então que a gente não vai mais poder falar sobre a nossa época e as coisas que passamos? Isso é insano”, questionou.
A banda existe desde 2016 e já passou por diversas formações. No show deste Carnaval estrava a baixista Laura como nova integrante. As letras tratam, em grande medida, da guerra às drogas e criticam a violência policial nas ruas de Belém. Entre as bandeiras levantadas está a causa indígena e amazônica.
“A nossa música provavelmente feriu o ego dos policiais. que é extremamente frágil, e eles se ofenderam com isso e nos levaram. Não tenho culpa de eles se ofenderem com uma música. É arte, eu tenho minha licença poética, eu posso falar na minha música sobre o que eu quiser e eu vou continuar tocando minhas músicas, tocando meu hardcore. Foi uma tentativa de opressão a uma banda de hardcore de Belém. É importante que esse tipo de coisa, que esse tipo de cultura não se perpetue, que isso não se crie, porque os caras pensam que eles podem parar uma banda hoje, e amanhã eles estarão parando outra banda, depois outra banda, não dá para perpetuar isso”, resumiu o vocalista.
Outro lado
A reportagem entrou em contato, por e-mail, com a Secretaria de Segurança Pública e com a Polícia Militar do Pará, pedindo o posicionamento das instituições a respeito do episódio. Ainda não obtivemos um retorno. Assim que houver posicionamento, essa matéria será atualizada.
Veja o clipe da música